sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

A MORTE DE IVAN ILITCH

Título original: Smiert Ivana Ilhitchá
Autor: Lev Tolstói
Tradução: Boris Schnaiderman
Assunto: Novela (Literatura estrangeira)
Editora: Editora 34
Edição: 1ª
Ano: 2006
Páginas: 96

Sinopse:
O autor conta nesta novela a agonia de um burocrata surpreendido por uma doença grave que o leva a se defrontar com a morte. O burocrata serve de pretexto ao autor para nos contar uma história que diz respeito ao destino de cada um de nós e que é impossível ler sem um frêmito de angústia e de purificação.

Enredo: Ivan Ilitch, juiz de instrução, começa sua carreira ambiciosa com um casamento por conveniência. Depois desse matrimônio calculado, um amigo o nomeia promotor em São Petersburgo. Alcança, enfim, uma vida estável e confortável em que suporta a mulher e o ambiente familiar. No entanto, como ocorre num lance maléfico de um jogo de azar, uma doença grave surpreende Ivan Ilitch, e sua vida torna-se o avesso do esperado. Na família ele se depara com a futilidade e o vazio. No trabalho, o que prevalece são as relações interessadas e o favorecimento para a promoção de um cargo.

Desterrado em sua própria casa, acossado pela gravidade da doença e decepcionado com a mentira das pessoas que o cercam, Ivan Ilitch empreende uma viagem ao inferno, em que a dor física é tão intensa quanto a dor moral. Ambas se completam num sentimento de horror, que se revela através da consciência da morte.

Mesmo assim, Ivan Ilitch encontra algum sentido em sua vida. Por exemplo, na relação de amizade com o ajudante de copeiro Guerássim. Apenas esse mujique – jovem humilde e ignorante – é capaz de dar provas de resignação diante da enfermidade de seu patrão. Com sua atitude natural em face da vida e da morte, Guerássim é o único elo de humanidade que resta a Ivan Ilitch.

Além desse laço afetivo, as lembranças da infância provam que nem tudo na história de Ilitch se reduz à mesquinhez e à hipocrisia. “Quando mais voltava ao passado, mais vida havia”, pensa Ivan Ilitch. Esse “ponto luminoso” que a memória fisga na infância é o outro contrapeso às “veleidades de toda uma vida”, no momento em que a morte acena como um golpe implacável do destino.
Mas se a morte é iniludível, não menos certeiro é o fato de que apenas no seu limiar, na fronteira mesma do ato de morrer, Ivan Ilitch alcança alguma compreensão sobre o que foi verdadeiramente a sua existência. Neste ponto, o sofrimento mais terrível e a libertação desse mesmo sofrimento não se excluem, mas convivem de forma intensa numa experiência-limite que só a grande literatura – mesmo assim em raríssimos momentos – consegue traduzir plenamente.

Interpretação da obra: José Monir Nasser diz que toda grande obra para ser corretamente interpretada, implica pelo menos na resposta de uma pergunta fundamental: Qual é o sentido da obra ou o que o autor quer nos contar?

No caso da presente obra, há duas perguntas assessórias se fazem necessárias para chegamos a uma conclusão precisa: a) O que o mujique Guerássim representa? b) Qual o sentido da vida?

Se partirmos das respostas de que Guerássim representa a humildade e o amor ao próximo e que só há sentido da vida em Deus, fica fácil compreender o sentido da obra e a mensagem que o autor quer transmitir ao leitor. Senão vejamos:

Ivan constrói uma vida materialista e se esquece do aspecto espiritual do ser humano. Quando ele imagina ter alcançado a realização pessoal, dá tudo errado. Uma esposa materialista, filhos que morrem, e outros que não se preocupam com o drama vivido pelo pai. Já no seu leito de morte, Ivan tenta buscar respostas para o seu infortúnio. Vai retrocedendo até a sua infância e, quanto mais retrocede, mais vida parece encontrar “Vinde a mim as criancinhas, porque delas será o reino dos céus (Lucas 18, 16)”. As coisas dão erradas porque Ivan não se dá conta que nenhum projeto humano pode dar certo sem considerar a possibilidade divina, o verdadeiro sentido da vida para o ser humano. Ivan esquece-se de Deus. Já nos últimos estertores da vida, ao confessar-se, Ivan encontra Deus e sua dor cede, sua alma encontra a paz que ele tanto almejava, compreende o verdadeiro sentido de sua vida, e assim morre em paz.

Este é o sentido da obra: aproximar o homem de Deus e mostrar que a existência humana sem a possibilidade divina é vazia, a vida perde seu sentido e numa vida sem sentido superior, nada poderá dar certo. É isto que Lev Tolstói quer nos contar nesta obra.

Curiosidade: Em agosto de 1883, duas semanas antes de falecer, o escritor russo Ivan Turguêniev escreveu a Tolstói - "Faz muito tempo que não lhe escrevo porque tenho estado e estou, literalmente, em meu leito de morte. Na realidade, escrevo apenas para lhe dizer que me sinto muito feliz por ter sido seu contemporâneo, e também para expressar-lhe minha última e mais sincera súplica. Meu amigo, volte para a literatura!".

O pedido de Turguêniev alude ao fato de que Tolstói havia então abandonado a arte e renegado toda sua obra pregressa para se dedicar à vida espiritual. Embora não se possa dizer com certeza em que medida as palavras de Turguêniev repercutiram em Tolstói, é certo que 'A morte de Ivan Ilitch', publicada em 1886, foi a primeira obra literária que ele escreveu após seu retorno às letras - e que se trata de um dos textos mais impressionantes de todos os tempos.

Considerada por Nabokov uma das obras máximas da literatura russa - e por muitos uma das mais perfeitas novelas já escritas -, 'A morte de Ivan Ilitch' ganha nova edição em língua portuguesa, com tradução e posfácio de Boris Schnaiderman, e, em apêndice, texto de Paulo Rónai sobre o autor e sua obra.

Um comentário:

Unknown disse...

Terminei de ler essa obra hoje. Realmente fantástica. Em poucas páginas consegue passar tantas coisas a respeito da vida. Me fez refletir inclusive a respeito da minha própria existência, e das minhas prioridades. É especialmente linda a ultima parte, em que no leito de morte ele olha para o filho e esposa em prantos e sente piedade, e até arrependimento, pelo que ele tenta dizer sinto muito, mostrando que finalmente ele entendeu o sentido de toda sua existência, e que ao querer diminuir o sofrimento daquelas pessoas em volta, ao ter compaixão em seus últimos momentos, ele diminuía a sua própria dor e sofrimento. Os momentos que antecedem isso, com sua dor moral, e o momento da confissão e da comunhão são lindos. Ou mesmo quando ele percebe que as mentiras que em vida o faziam seguir adiante sem ter que se atentar para sua própria consciência, não mais davam certo ante a consciência de que a morte estava a chegar. Totalmente despido, era inevitável, por mais que se quisesse esquivar, o encarar a realidade tal como ela realmente era, enxergar a verdade. Nisso nem a terrível morte, era tão terrível assim em seus últimos momentos. Acho que sem a resenha, e a dica dada, eu nunca teria compreendido completamente. Tive que reler diversos trechos também. Mas valeu a pena, posso dizer que tenha aproveitado 98% da leitura. Essa noção do divino, essa intenção de aproximar o homem de Deus, é o que provavelmente faz desse autor ser o que é nos anais da historia. Agradeço muitíssimo ao blog, vou aproveitar as outras dicas e bola para frente.
Abraços