Todo o texto fala de uma única pessoa, o próprio autor, e para compreender a epopéia é preciso lê-lo de trás para frente, mas isso não é possível numa primeira vez. É obra para os espíritos velhos, de todas as idades, sobretudo para quem já passou do meio-dia da vida.
UMA PALHINHA DA OBRA
O SERMÃO [DO PADRE MAPPLE]
O padre Mapple
levantou-se e, com a voz tranqüila de uma modesta autoridade, ordenou às
pessoas espalhada que se agregassem. “Prancha de estibordo,
alí! Correr a bombordo! –
E da prancha de bombordo, a estibordo! À meia-nau! À meia-nau!”
Ouviu-se entre os bancos
um leve rumor de botas pesadas de marinheiros, e um ainda mais leve arrastar de
sapatos femininos, e tudo retornou ao silêncio e todos os olhares se fixaram no
pregador.
Ele fez uma pequena
pausa; depois se ajoelhou no púlpito, cruzou as suas grandes mãos morenas sobre
o peito, levantou os olhos fechados e fez uma oração com tão profunda devoção
que parecia estar ajoelhado e rezando no fundo do mar.
Assim terminando, com tom
de voz solene e prolongado, como o dobro contínuo do sino de um navio navegando
no meio de um nevoeiro – com o mesmo tom ele começou a entoar o seguinte hino,
passando nas últimas estrofes à explosão de uma retumbante exultação e alegria:
As costelas e os terrores
na baleia
Cobriram-me de uma
escuridão lúgubre,
Enquanto as ondas
iluminadas pelo Senhor
Arrastavam-me para o
fundo do abismo.
Eu vi a boca aberta do
inferno,
Com as suas dores e
pesares infinitos;
Só quem sentiu pode saber
–
Oh! Afundei-me no
desespero!
Na minha angústia chamei
pelo Senhor,
Que mal podia crer que
fosse meu,
Ele prestou ouvido às
minhas queixas,
E a baleia me pôs em
liberdade.
Acudiu sem demora em meu
socorro
Como se transportado por
um golfinho radiante;
Brilhou na água como um
raio
O rosto do meu Libertador
terrível e divino.
No meu canto sempre vou
recordar
Esta hora terrível e
magnífica;
A glória é do meu Senhor,
Sua é a força, e é Sua a
misericórdia.
Quase
todos cantaram juntos este hino, que se elevou acima do estrondoso temporal.
Uma pausa se seguiu: o pregador começou a folhear lentamente a Bíblia e por
fim, pousando sua mão sobre a página certa, disse: “Bem-amados companheiros de
bordo, vamos nos prender ao nó do último versículo do primeiro capítulo de
Jonas – ‘Deparou, pois, o Senhor um grande peixe, para que tragasse a Jonas’.
“Companheiros
de bordo, este livro que só tem quatro capítulos – quatro meadas – é uma das
menores tramas da poderosa corda das Escrituras. E, no entanto, que
profundidades da alma a linha-d’água de Jonas sonda! Quão prenhe é a lição que
nos ensina o profeta! Como é nobre o cântico do interior do ventre da
baleia! Como ondula, tão tempestuosamente solene! Sentimos a inundação
lançar-se sobre nós; com ele tocamos algas do fundo das águas; as plantas
marinhas e todo o limo do mar nos cercam! Mas qual é a lição que o livro de Jonas nos ensina? Companheiros de
bordo, é uma lição de dois fios; uma lição para todos nós, pecadores, e uma
lição para mim, como piloto do Deus vivo. Falando aos pecadores, é uma lição
para todos nós, porque é uma história do pecado, da insensibilidade, dos
temores subitamente despertos, das punições imediatas, do arrependimento, das
orações e, finalmente, da libertação e do júbilo de Jonas. Como sucede com
todos os pecadores, o pecado desse filho de Amitai [Amati] foi sua
desobediência obstinada do mandamento de Deus – não importa qual ou como foi
transmitido o mandamento – que Jonas achou difícil de cumprir. De resto, todas
as coisas que Deus ordena são difíceis de cumprir – lembrem-se disso – e
por isso é mais frequente ouvi-Lo comandar do que tentar nos persuadir. E para
obedecermos a Deus temos que desobedecer a nós mesmos; é nessa
desobediência de nós mesmos que consiste a dificuldade de obedecer a Deus.
[grifos meus]
“Com
este pecado da desobediência em si, Jonas ainda escarnece de Deus, tentando
Dele fugir. Ele acha que um navio feito por homens pode leva-lo a regiões onde
Deus não reina, mas apenas os Capitães deste mundo. Erra pelo cais do Jope,
procurando um navio que vá para Társis. Talvez haja aí um significado até agora
despercebido. Tudo índica que Társis não pode ter sido outra cidade senão a
moderna Cádiz. Essa é a opinião dos homens cultos. E onde fica Cádiz,
companheiros de bordo? Cádiz fica na Espanha. Era o lugar mais distante de Jope
que Jonas podia alcançar naqueles tempos antigos, quando o Atlântico era um
oceano quase desconhecido. Porque Jope, a moderna Jafa, companheiros de bordo,
fica na costa da Síria, no extremo oriente do Mediterrâneo; e Társis, ou Cádiz,
mais de duas mil milhas a oeste de lá, logo no estreito de Gibraltar. Bem vedes
que Jonas, companheiros de bordo, procurava fugir de Deus pelo mundo. Que homem
miserável! Oh! Que vergonhoso e digno de todo o desprezo! Com o chapéu
amarrotado e olhos culpados, fugindo de Deus; andando a esmo entre as
embarcações, como um vil ladrão, tentando atravessar os mares. Sua aparência é
tão desarrumada e tão reprovável que, se naquela época existissem policiais,
Jonas teria sido preso como suspeito antes de chegar ao convés. É evidente que
é um fugitivo! Sem bagagem, nem uma caixa de chapéu, mala ou sacola de viagem –
sem amigos para acompanha-lo até o cais para dizer adeus. Por fim, depois de
muita busca furtiva, encontra um navio para Társis recebendo os últimos itens
de seu carregamento; e, quando sobe a bordo para falar com o Capitão no
camarote, todos os marinheiros param de içar as mercadorias para prestar
atenção ao olhar maligno do forasteiro. Jonas percebe, mas em vão procura
conforto e confiança; em vão esboça um sorriso infeliz. Uma intuição muito
forte assegura aos marinheiros que o homem não pode ser inocente. Em tom
jocoso, mas falando sério, um sussurra a outro - ‘Jack, ele roubou uma viúva’;
ou ‘Joe, marca esse cara; ele é bígamo’; ou, ‘Harry, meu filho, acho que ele é
adúltero que fugiu da prisão de Gomorra, ou talvez um dos assassinos
desaparecidos de Sodoma’. Um outro corre para ler o cartaz que está pregado no
pilar do cais onde o navio está ancorado, oferecendo quinhentas moedas de ouro
pela prisão de um parricida, e descrevendo a pessoa. Ele lê, olha Jonas e volta
para o cartaz, enquanto todos os seus companheiros de bordo então se juntam em
volta de Jonas, prontos para agarrá-lo. Assustado, Jonas treme, e, por mais que
finja ter coragem, só consegue parecer ainda mais covarde. Não quer se
confessar suspeito: mas mesmo isso já é coisa muito suspeita. Faz o melhor que
pode; e, quando os marinheiros percebem que aquele não é o homem procurado,
deixam-no passar, e ele vai para o camarote.
“’Quem
está aí?’/ grita o Capitão, atarefado na escrivaninha, arrumando os papéis para
a Alfândega. – ‘Quem está aí?’ Oh! Como uma pergunta tão simples pode perturbar
tanto Jonas! Por um instante ele quase foge outra vez. Mas logo se reanima.
‘Procuro uma passagem neste navio para Társis; quando tenciona partir, senhor?’
Até então o atarefado Capitão ainda não tinha olhado para Jonas, embora o
tivesse bem diante de si; mas, quando ouve aquela voz cavernosa, lança-lhe um
olhar perscrutador. ‘Zarpamos com a próxima maré’. Respondeu lentamente, sem
tirar os olhos de Jonas. ‘Tão tarde, senhor?’ – ‘Cedo o bastante para um homem
honesto ir como passageiro.’ Ah, Jonas, outra punhalada! Mas ele procura
rapidamente despistar o Capitão. ‘Vou zarpar com o senhor’, - diz ele -, ‘A
passagem, quanto custa? – Pago já!’ Pois está escrito, companheiros de bordo,
como se fosse algo a não ser esquecido nessa história, ‘que ele pagou, pois,
sua passagem’ antes de a embarcação partir. E, naquele contexto, isso é muito
significativo.
“Ora,
o Capitão de Jonas, companheiro de bordo, era um daqueles homens cujo
discernimento detecta um crime onde houver, mas cuja cobiça e leva a denunciar
apenas os que não têm dinheiro. Neste mundo, companheiros de bordo, o
Pecado que pagar sua passagem pode viajar tranquilamente, e sem passaporte; ao
passo que a Virtude, se for pobre, é detida em todas as fronteiras. Por
isso, o Capitão de Jonas se prepara para avaliar o peso da bolsa de Jonas,
antes de julgá-lo abertamente. Cobra-lhe o triplo de uma passagem comum; e
Jonas, concorda. O Capitão sabe, então, que Jonas é um fugitivo; mas ao mesmo
tempo resolve ajudar uma fuga que deixa atrás de si moedas de ouro. Mas, quando
Jonas lhe apresenta a bolsa, suspeitas prudentes assolam o Capitão. Faz soar
cada moeda, para ver se não há nenhuma falsa. Não é um falsário, murmura,
inscrevendo Jonas no livro de bordo. ‘Mostre-me minha cabine, senhor’, diz
Jonas, ‘estou cansado da viagem; preciso dormir.’ ‘Bem se vê’, diz o Capitão,
‘o quarto é ali.’ Jonas entra, quer trancar a porta, mas não tem nenhuma chave
na fechadura. Ao ouvi-lo mexer ali, o Capitão ri baixinho para si mesmo e
murmura algo sobre a porta dos condenados nunca poder ser trancada pelo lado de
dentro. Vestido e empoeirado como está, Jonas se joga no leito e percebe que o
teto da pequena cabine quase bate em sua testa. O ar é estagnado. E Jonas está
ofegante. Então, naquele cubículo exíguo, abaixo do nível do mar, Jonas tem o
pressentimento do sufoco de quando a baleia o aprisionará em suas entranhas
mais estreitas. [grifos meus]
“Uma
lâmpada presa pelo eixo na parede balança um pouco no quarto de Jonas; e o
navio, adernando para o cais com o peso do último carregamento, a lâmpada,
chama e tudo mais, embora com mínimos movimentos, ainda mantêm uma obliquidade permanente
em relação ao quarto; embora, na verdade, mantendo-se reta, a lâmpada só
evidencie a inconstância dos planos entre os quais está suspensa. A lâmpada
intimida e assusta Jonas; o fugitivo, bem-sucedido até aquele momento, deitado
em seu leito, não encontra repouso para os seus olhos atormentados. Mas aquela
contradição da lâmpada o amedronta cada vez mais. O chão, o teto e a parede estão
errados. ‘Oh! É assim de mim, ela queima verticalmente; mas as cabinas de minha
alma estão todas tortas!’”
“Assim
como alguém que depois de uma noite bêbada de festa se apressa em ir para cama,
ainda cambaleante, mas com a consciência aflita, como as arremetidas de um
cavalo de corrida romano, quanto mais lhe fere o aço das esporas; assim como
alguém que nesse estado miserável ainda vira e revira em sua angústia
vertiginosa, pedindo a Deus para que o aniquile até que passe a crise; e enfim,
em meio a esse torneio de tormentos que sente, ele é acometido de uma letargia
profunda, a mesma que acomete um homem que se esvai em sangue, porque a consciência
é a ferida, e não existe nada que a estanque; assim, depois de penoso
debater-se no leito, o prodígio de tamanha desgraça arrasta Jonas para afoga-lo
nas profundezas do sono.
“E
agora a hora da maré chegou; o navio para Társis solta os seus cordames; e do
cais deserto, sem um adeus, ele desliza, inteiro inclinado, para o mar. Aquele,
meus amigos, é o primeiro navio de contrabandistas registrados que se conhece! O
contrabando era Jonas. Mas o mar se revolta; ele não suportará o fardo
perverso. Rebenta um temporal horrível, e o navio está prestes a afundar. Mas
agora que o contramestre chama a todos para esvaziá-lo; que caixas, pacotes e
frascos são jogados sobre a amurada; que o vento uiva, os homens gritam, e
todas as tábuas trovejam com os passos dos marinheiros sobre a cabeça de Jonas;
como toda essa turba enfurecida, Jonas dorme o seu sono abominável. Não vê o céu
negro e o mar em fúria, a madeira estalar não sente, e pouco escuta ou percebe
o avanço distante da poderosa baleia, que desde já, de boca aberta, singra os
mares em sua busca. Sim, companheiros de bordo, Jonas tinha descido para o
costado do navio – para um leito na cabine, como contei, e dormia
profundamente. Mas o mestre assustado vai para ele e grita em seu ouvido
inerte. ‘O que significa isso, ó, dorminhoco! Levanta-te!’. Arrancado de sua
letargia por esse grito horrível, Jonas põe-se de pé, e cambaleando até o convés
agarra-se a um brandal para observa o mar. Mas naquele momento, como se fosse
uma pantera saltando pela amurada rebenta sobre ele o vagalhão. Ondas e mais
ondas se atiram sobre o navio e, não encontrando escoamento ao rugirem de popa
a proa, quase afogam os marinheiros ainda a bordo. E, quando a lua branca
mostra seu rosto amedrontado por entre os sulcos profundos da escuridão acima,
Jonas vê aterrorizado o gurupés se
erguendo, apontando alto, para em seguida precipitar-se novamente em direção às
profundezas atormentadas.
“Terrores
e mais terrores dilaceram sua alma. Por todos os seus atos amedrontados, o
fugitivo de Deus é agora mais do que reconhecido. Os marinheiros observam-no;
suspeitam dele cada vez mais, e por fim, para terem uma prova da verdade,
submetendo toda a questão aos Céus, tiram a sorte para saber por causa de quem
esta tormenta tão poderosa foi lançada sobre eles. A sorte cai sobre Jonas;
enfurecidos, começam então a assalta-lo com perguntas. ‘Qual é a tua ocupação?
De onde vens? De qual país? De que povo?’ Mas observem, meus companheiros de
bordo, o comportamento do pobre Jonas. Os marinheiros ansiosos apenas lhe
perguntaram quem é ele e de onde vem; no entanto, eles não recebem apenas uma
resposta a tais perguntas, mas também a uma pergunta que não tinham feito; a
resposta não solicitada é forçada pela mão pesada de Deus, que cai sobre ele.
‘”’Sou um hebreu’, grita – e logo
depois – ‘Temo a Deus, Senhor do Céu, criador do mar e da terra.’ ‘Temes a
Deus, ó, Jonas? Bem podias ter temido a Deus antes! Sem demora, faz uma confissão
plena; apesar de os marinheiros estarem cada vez mais estarrecidos, mesmo assim
se apiedam. Pois quando Jonas, ainda sem suplicar a misericórdia de Deus, conhecendo
muito bem a obscuridade de sua deserção – pois bem, quando o desgraçado Jonas
lhes pede que o agarrem e o atirem ao mar, porque sabe que por sua causa a tempestade caíra sobre eles;
os marinheiros, com pena, se afastam dele e buscam um outro meio de salvar o
navio. Mas tudo em vão; o vendaval revoltante uiva ainda mais alto; então, com
uma mão erguida para invocar Deus, com a outra os marinheiros, não sem relutância,
seguram Jonas.
“Vejam
agora Jonas, erguido como uma âncora, ser jogado ao mar; quando
instantaneamente uma calmaria untuosa vem do leste, e o mar fica imóvel,
enquanto Jonas afunda levando consigo o vendaval, deixando a água serena atrás
de si. Ele desce no coração rodopiante dessa comoção desgovernada e mal percebe
que cai em direção à boca escancarada que o aguarda; e a baleia cerra os dentes
de marfim, como inúmeros ferrolhos brancos, sobre sua prisão. Então Jonas orou
ao Senhor de dentro da barriga do peixe. Mas observem sua oração e aprendam uma
lição importante. Por mais que tenha pecado, Jonas não lamenta nem se lastima pedindo
sua libertação. Ele sente que seu terrível castigo é justo. Deixa que Deus
decida sobre sua libertação, contentando-se com isso, que apesar de toda a dor
e angústia ele ainda eleva o pensamento a Seu templo sagrado. Eis aqui,
companheiros de bordo, o genuíno e fiel arrependimento; sem clamor de perdão,
mas grato pelo castigo. E como a conduta de Jonas agradou a Deus, vê-se por sua
libertação do mar e da baleia. Companheiros de bordo, não ponho Jonas diante de
vocês para que lhe copiem o pecado, mas sim como modelo de arrependimento. Não
pequem; mas se o fizerem, arrependam-se como Jonas.”
Enquanto
proferia essas palavras, os uivos da clamorosa tempestade que desabava do lado
de fora pareciam acrescentar mais força ao pregador, que, descrevendo a tempestade
no mar de Jonas, parecia ele próprio atirado à tempestade. Seu peito arfava
como se num maremoto; seus braços agitados pareciam a fúria dos elementos; e os
trovões que saiam da sua fronte escura e a luz saltando de seus olhos faziam
com que todos os seus simples ouvintes olhassem para ele com um temor súbito,
que lhes era estranho.
Eis
que então seu olhar se aliviou, enquanto ele silenciosamente virava as páginas
do Livro outra vez; e, por fim, de pé, imóvel, de olhos fechados, por um
momento, pareceu comungar com Deus e consigo.
Mas
novamente se inclinou para a frente dirigindo-se às pessoas, baixou a cabeça, e
com um aspecto da mais funda porém digna humildade proferiu estas palavras:
“Companheiros
de bordo, Deus colocou apenas uma das mãos sobre vós; mas as duas pesam sobre
mim. Ensinei-vos, com a luz esfumaçada que pode meu entendimento, a lição que
Jonas ensina a todo pecador; portanto a vós, e ainda mais a mim, pois sou um
pecador maior que vós. Com que alegria eu desceria do alto deste mastro e me
sentaria aí nas escotilhas onde vós estais sentados, ficaria escutando como vós
ficais, enquanto um de vós recita para mim
a terrível lição que Jonas me ensina,
como um piloto do Deus vivo. Como sendo ungido piloto-profeta, ou orador das
coisas verdadeiras, e escolhido do Senhor para fazer soar essas verdades
indesejáveis nos ouvidos da vil Nínive, Jonas, temendo a hostilidade que
suscitaria, fugiu de sua missão e tentou escapar a seu dever e a seu Deus
embarcando em Jope. Mas Deus está em toda parte; a Társis ele jamais chegou. Como
vimos, Deus veio até ele na baleia e o engoliu, tragando-o nos golfos da perdição,
e arrastou-o por quedas rápidas ‘até o coração do mar’, onde redemoinhos das
profundezas o sugaram milhares de braças para baixo, e “as algas se enrolaram
em sua cabeça’, e todo o mundo marinho de infortúnios transcorreu sobre ele. Mas
mesmo então, além de qualquer sonda – ‘nas vísceras do inferno’ -, quando a
baleia encalhou nos ossos do fundo do oceano, mesmo então, Deus escutou o arrependimento
do profeta engolido quando ele gritou. Então Deus falou com o peixe; e da
frieza tiritante e do negrume do mar a baleia subiu na direção do agradável e
caloroso sol, e de todas as delícias do ar e da terra, e ‘vomitou Jonas na terra
firme’; quando a palavra do Senhor veio pela segunda vez; e Jonas alquebrado e
abatido – seus ouvidos, como duas conchas do mar ainda ressoando o inumerável
murmúrio do oceano -, Jonas cumpriu as ordens do Todo-Poderoso. E qual era a
ordem, companheiros de bordo? Pregar a Verdade diante da Falsidade! Isso mesmo!
“Esta,
companheiros de bordo, esta é aquela outra lição; e ai do piloto de Deus vivo
que a desdenha. Ai de quem o mundo distrai do dever do Evangelho” Ai de quem
tenta verter azeite sobre as águas, quando Deus as fermenta em tempestade! Ai
de quem tenta agradar em vez de consternar! Ai daquele para quem um nome bom
significa mais do que a bondade! Ai de quem, neste mundo, não receia a desonra!
Ai de quem não for verdadeiro, mesmo que a falsidade seja a salvação! Sim, ai
de quem, como diz o grande Piloto Paulo, prega aos outros ao mesmo tempo em que
também está perdido!”
Por
uns instantes recolheu-se a uma reflexão; depois levantou o rosto novamente,
mostrando uma profunda alegria nos olhos, e proclamou com muito entusiasmo: “Mas,
oh! Companheiros! A estibordo [à direita] de todo infortúnio é certo que existe
uma alegria; e o ápice dessa alegria é tanto mais alto quanto mais profundo é o
infortúnio. Não são mais altos os topes de mastro do que profundas as quilhas?
A alegria – uma alegria elevada, elevadíssima, do coração – é para aqueles que
opõem sua inexorável personalidade aos deuses e aos comodoros orgulhosos deste
mundo. A alegria é para aquele cujos braços fortes o sustentam quando a nau
deste mundo traiçoeiro e ignóbil lhe afunda sob os pés. A alegria é para
aquele que não cede à mentira e que mata, queima e destrói o pecado, mesmo que
tenha que procura-lo sob as togas dos Senadores e Juízes. A alegria – a alegria
suprema – é para aquele que não conhece outra lei ou senhor a não ser Deus, nem
outra pátria que o céu. A alegria é para aquele a quem nem as ondas do mar nem
as turbulências da multidão conseguem desviar da Quilha dos Tempos. E a alegria
e a delícia eterna são para aquele que ao deitar-se pode dizer com seu último
alento – Ó, Pai! – que conheço especialmente por Tua verga – mortal ou imortal,
aqui eu morro. Esforcei-me para ser Teu, mais do que do mundo ou de mim próprio.
Contudo, isso não é nada: deixo a eternidade só para Ti; pois o que é o homem,
para viver tanto quanto seu Deus?”
Não
disse mais nada, mas, fazendo lentamente uma benção, cobriu seu rosto com as mãos
e assim ficou, de joelhos, até que todos partiram, deixando-o sozinho no local.
Texto
transcrito do livro “Moby Dick”, de Herman Melville,
tradução Alexandre Barbosa de Souza, editora Cosacnaify. (Anatoli
Oliynik)
JONAS
Este livro não é
uma profecia, mas a história de determinada missão de Jonas a Nínive. Ainda se
discute sobre seu gênero literário que parece ser didático: O Espírito Santo,
por meio do autor inspirado, narra uma história fictícia para ensinar que Deus
governa todas as criaturas inclusive os homens, mesmo quando estes não querem
obedecer, e que as profecias de castigos futuros visam principalmente a
conversão dos interessados mesmo que estes sejam pagãos, além de outros muitos
ensinamentos que vão aparecendo no desenrolar da história.
Jonas, 1
1.
A palavra do Senhor foi dirigida a Jonas, filho de Amitai, nestes termos:
Jonas é apresentado como verdadeiro
profeta, de modo que o não-cumprimento de suas ameaças contra Nínive vem
mostrar que essas predições feitas em nome de Deus em tom absoluto, na
realidade, estavam condicionadas por Deus à conversão ou obstinação dos
ninivitas.
2.
Levanta-te, vai a Nínive, a grande cidade, e profere contra ela os teus
oráculos, porque sua iniqüidade chegou até a minha presença.
3.
Jonas pôs-se a caminho, mas na direção de Társis, para fugir do Senhor. Desceu
a Jope, onde encontrou um navio que partia para Társis; pagou a passagem e
embarcou nele para ir com os demais passageiros para Társis, longe da face do
Senhor.
Jonas, por um mesquinho espírito
nacionalista toma o caminho oposto para não pregar em uma cidade pagã, apesar
da ordem de Deus. Quantas vezes os nossos preconceitos e o respeito humano nos
tem levado a imitar este mau exemplo de Jonas desobedecendo a ordens claras de
Deus?
4.
O Senhor, porém, fez vir sobre o mar um vento impetuoso e levantou no mar uma
tempestade tão grande que a embarcação ameaçava espedaçar-se.
5.
Aterrorizados, os marinheiros puseram-se a invocar cada qual o seu deus, e
atiraram no mar a carga do navio para aliviarem-no. Entretanto, Jonas tinha
descido ao porão do navio e, deitando-se ali, dormia profundamente.
Profundo
sono: ótima imagem da insensibilidade do pecador que
foge de Deus e se coloca na atitude de não tomar conhecimento de advertência
alguma.
6.
Veio o capitão e o despertou: Dorminhoco! Que estás fazendo aqui? Levanta-te e
invoca o teu Deus, para ver se ele se lembra talvez de nós e nos livre da
morte.
7.
Em seguida disseram os marinheiros entre si: Vinde e tiremos à sorte para sabermos
quem é a causa deste mal. Lançaram a sorte e esta caiu sobre Jonas.
8.
E perguntaram-lhe: Tu, por quem nos acontecem estes males, dize-nos qual é a
tua profissão? De onde vens? A que país e a que raça pertences?
9.
Sou hebreu, respondeu ele. Adoro o Senhor, Deus dos céus, que criou o mar e
todos os continentes.
10. Ficaram então aqueles homens
possuídos de grande temor, e disseram-lhe: Por que fizeste isto? Pois tinham
compreendido, pela própria declaração de Jonas, que este fugia para escapar à
ordem do Senhor.
11. E disseram-lhe: Que te havemos de
fazer para que o mar se acalme em torno de nós? Porque o mar tornava-se cada
vez mais ameaçador.
12. Tomai-me, disse Jonas, e lançai-me
às águas, e o mar se acalmará. Reconheço que sou eu a causa desta terrível
tempestade que vos sobreveio.
13. Os homens remavam para ver se
conseguiam ganhar a costa, mas em vão, porque o mar se embravecia cada vez mais
contra eles.
14. Então invocaram o Senhor: Senhor,
disseram eles, não nos façais perecer por causa da vida deste homem, nem nos
torneis responsáveis pela vida deste homem que não nos fez mal algum. Vós, ó
Senhor, fizestes como foi do vosso agrado.
15. E, pegando em Jonas, lançaram-no às
ondas, e a fúria do mar se acalmou.
16. Tomada de profundo sentimento de temor
para com o Senhor, a tripulação ofereceu-lhe um sacrifício, acompanhado de
votos.
Jonas, 2
1. O Senhor fez que
ali se encontrasse um grande peixe para engolir Jonas, e este esteve três dias
e três noites no ventre do peixe.
2. Do fundo das
entranhas do peixe, Jonas fez esta prece ao Senhor, seu Deus:
3. Em minha aflição,
invoquei o Senhor, e ele ouviu-me. Do meio da morada dos mortos, clamei a vós,
e ouvistes minha voz.
4. Lançastes-me no
abismo, no meio das águas e as ondas me envolviam. Todas as vossas vagas e
todas as vossas ondas passavam sobre mim.
5. E eu já dizia: fui
rejeitado de diante de vossos olhos. Acaso me será dado ainda rever vosso santo
templo?!
6. As águas
envolviam-me até a garganta, o abismo me cercava. As algas envolviam-me a
cabeça.
7. Eu tinha descido
até as raízes das montanhas, até a terra cujos ferrolhos eternos (se fecharam)
sobre mim.
8. Quando desfalecia
a minha vida, pensei no Senhor; minha oração chegou a vós, no vosso santo
templo.
9. Os que servem a
ídolos vãos abandonam a fonte das graças.
10. Eu, porém,
oferecerei um sacrifício com cânticos de louvor, e cumprirei o voto que fiz. Do
Senhor vem a salvação.
11. Então o Senhor
ordenou ao peixe, e este vomitou Jonas na praia.
Jonas, 3
1. A palavra do Senhor
foi dirigida pela segunda vez a Jonas nestes termos:
2. Vai a Nínive, a
grande cidade, e faze-lhe conhecer a mensagem que te ordenei.
3. Jonas pôs-se a
caminho e foi a Nínive, segundo a ordem do Senhor. Nínive era, diante de Deus,
uma grande cidade: eram precisos três dias para percorrê-la.
4. Jonas foi pela
cidade durante todo um dia, pregando: Daqui a quarenta dias Nínive será
destruída.
5. Os ninivitas creram
(nessa mensagem) de Deus, e proclamaram um jejum, vestindo-se de sacos desde o
maior até o menor.
6. A notícia chegou
ao conhecimento do rei de Nínive; ele levantou-se do seu trono, tirou o manto,
cobriu-se de saco e sentou-se sobre a cinza.
7. Em seguida, foi
publicado pela cidade, por ordem do rei e dos príncipes, este decreto: Fica
proibido aos homens e aos animais, tanto do gado maior como do menor, comer o
que quer que seja, assim como pastar ou beber.
8. Homens e animais
se cobrirão de sacos. Todos clamem a Deus, em alta voz; deixe cada um o seu mau
caminho e converta-se da violência que há em suas mãos.
9. Quem sabe, Deus se
arrependerá, acalmará o ardor de sua cólera e deixará de nos perder!
10. Diante de uma tal
atitude, vendo como renunciavam aos seus maus caminhos, Deus arrependeu-se do
mal que resolvera fazer-lhes, e não o executou.
Jonas, 4
1. Jonas ficou profundamente
indignado com isso e, muito irritado, dirigiu ao Senhor esta prece: Ah, Senhor,
era bem isto que eu dizia quando estava ainda na minha terra! É por isso que eu
tentei esquivar-me, fugindo para Társis,
Jonas
se angustiou ...: pois temia passar por falso profeta ou
que a palavra de Deus caísse e descrédito.
2. porque sabia que
sois um Deus clemente e misericordioso, de coração grande, de muita benignidade
e compaixão pelos nossos males.
3. Agora, Senhor, toma
a minha alma, porque me é melhor a morte que a vida.
4. O Senhor
respondeu-lhe: (Julgas que) tens razão para te afligires assim?
5. Então saiu Jonas da
cidade e fixou-se a oriente da mesma cidade. Fez uma cabana para si e lá
permaneceu, à sombra, esperando para ver o que aconteceria à cidade.
6. O Senhor Deus fez
crescer um pé de mamona, que se levantou acima de Jonas, para fazer sombra à
sua cabeça e curá-lo de seu mau humor. Jonas alegrou-se grandemente com aquela
mamoneira.
7. Mas, no dia
seguinte, ao romper da manhã, mandou Deus um verme que roeu a raiz da mamona, e
esta secou.
8. Quando o sol se
levantou, Deus fez soprar um vento ardente do oriente, e o sol dardejou seus
raios sobre a cabeça de Jonas, de forma que o profeta, desfalecido, desejou a
morte, dizendo: Prefiro a morte à vida.
9. O Senhor disse a
Jonas: (Julgas que) fazes bem em te irritares por causa de uma planta? Jonas
respondeu: Sim, tenho razão de me irar até a morte.
10. Tiveste compaixão
de um arbusto, replicou-lhe o Senhor, pelo qual nada fizeste, que não fizeste
crescer, que nasceu numa noite e numa noite morreu.
11. E então, não hei
de ter compaixão da grande cidade de Nínive, onde há mais de cento e vinte mil
seres humanos, que não sabem discernir entre a sua mão direita e a sua mão
esquerda, e uma inumerável multidão de animais?..
Embora conhecesse a misericórdia divina,
não conseguiu compreender o perdão concedido, até que Deus lhe explicou por
meio do crescimento e morte da hera (vv. 9-11)
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O FILME