quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

A MONTANHA MÁGICA

Título original: Der Zauberberg
Publicação original: 1924
Autor: Thomas Mann
Tradução: Herbert Caro
Assunto: Romance (Literatura Estrangeira)
Editora: Circulo do Livro (Nova Fronteira)
Edição: não disponível
Ano: não disponível
Páginas: 872

A obra começou a ser escrita em 1913, inspirada na estadia de sua mulher, Katja Mann, no Sanatório da Floresta em Davos, na Suíça, em 1912. A obra foi interrompida em 1914 com o início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918); retomada em 1919; concluída e publicada em 1924.

Sinopse: Hans Castorp vai ao sanatório de Berghof, na aldeia suíça de Davos-Platz, para visitar um primo, até que uma suspeita de tuberculose o obriga a passar três semanas e ele acaba ficando lá por sete anos. Neste período ele convive num ambiente doentio, repleto de tuberculosos desenganados definhando física e espiritualmente numa vida sem perspectiva. No sanatório conhece pessoas de várias raças, credos e diferentes personalidades, às quais procura analisar seus problemas, inquietações, sofrimentos de toda ordem, até que a montanha começa a operar sua mágica e Hans se transforma. Paulatinamente, vai percebendo o sentido da vida e do tempo. As personagens procuram em si, nos outros e no mundo que as rodeia um sentido que lhes explique a vida, o amor e a morte. Todas as tendências do pensamento, todos os conflitos morais, psicológicos, sociais e políticos estão aí representados pelos companheiros de tuberculose que formam uma espécie de microcosmo da humanidade.

Significado da obra:
Mann nos transmite a mensagem que a vida real humana acontece na planície, todavia, carece do concurso da montanha, porque somente a partir dela se pode perceber o sentido da vida, invisível pela perspectiva da planície. Assim, Hans Castorp precisa subir a montanha para compreender o mundo e descer à planície para vivê-lo. É nesta perspectiva que a obra deve ser interpretada.

Resumo da narrativa e interpretação da obra:
Hans Castorp é um jovem burguês, com a vida mais ou menos resolvida, mau estudante de engenharia naval, com preguiça de trabalhar no estaleiro, resolve passar três semanas com o primo Joachim nas montanhas e ao mesmo tempo dar uma melhoradinha na saúde dele.
No início tem algumas dificuldades de adaptação, todavia, vai aos poucos se acostumando com o clima que é diferente do clima da planície, e também com a mudança extraordinária que o tempo incrusta na vida daquelas pessoas.
O tempo não passa, ou passa muito rápido, pois o tempo não é igual ao da planície e aos poucos ele vai descobrindo coisas que eram completamente inéditas.
O Hans Castorp não tinha o menor interesse intelectual. Tinha sido um estudante desinteressado por esses assuntos, e por essa razão escolheu engenharia, que é uma profissão técnica por excelência, para estudar.
A partir de conversas que passa a ter, sobretudo com Settembrini e o professor Naphta, começa a fazer um esforço dialético entre dois extremos: o extremo da visão prometeica de Settembrini consubstanciada na idéia de que tudo que não é meramente humano é ilusório e, portanto, uma ambigüidade para dizer o mínimo, e a visão espiritualista do Naphta que vê no homem a necessidade absoluta e interativa de submeter-se até mesmo ao terror que é o destino natural da humanidade, sem o que não é possível purificar o espírito.
Settembrini e Kafka são os dois maiores contrapontos, no entanto, existem outras pessoas. O Dr. Behrens representa uma atitude de um cientificismo independente de questões humanísticas. Ele passa o tempo todo debochando dos próprios pacientes.
O Dr. Krokowski é um pesquisador em psicologia, um médico no sentido moderno da palavra, no sentido que procura ver a psicologia como fonte dos problemas físicos. Ele é nitidamente psicanalista na visão de Freud, embora nunca tenha dito isso com clareza.
O primo Joachim representa o militarismo dentro de uma visão alemã, disciplinado, capaz de ir à guerra para cumprir seu dever , sem nenhuma preocupação de saber das razões e motivos.
Essas coisas todas que existem na planície e Hans Castorp consegue compreender que elas existem. Há portanto aí uma idéia de que há uma iniciação de Hans Castorp que permite chamar o romance de “Bildungsroman” que significa que é preciso ser iniciado nos mistérios da vida para compreender a vida.
O Hans Castorp não teve neste romance falta de modelos intelectuais para seguir e, sobretudo deparou-se com o grande debate do século: O quanto a humanidade é independente e o quanto está associada a um poder maior.
O Naphta não representa esse modo de pensar, porque na verdade ele é um revolucionário, pois o mundo que ele propõe é o mundo da ditadura do proletariado.
Tomás Mann escreveu este livro no período em que aconteceu Primeira Guerra Mundial e a Revolução Bolchevique de 1917, portanto, não se trata de uma profecia do autor, mas de uma vivência real e concreta, pois o livro foi para a gráfica em 1924.
Há duas opções possíveis que estão na obra: a do Naphta e a do Settembrini. A opção do Settembrini é a da existência humana independente de qualquer espécie de transcendência, ou seja, o homem existe em si próprio numa visão materialista do ser humano, no sentido prometeico, auto referente. Do outro lado o terror que o Naphta é capaz de produzir, a ditadura total do irracionalismo contra o racionalismo absoluto que o Settembrini fornece. Essas duas opções não são possíveis.
A montanha é mágica no sentido que ela permite transformar aquele sujeito inconsciente num sujeito consciente. Os ares da montanha são capazes de alguma maneira esclarecer as brumas da planície. Ela é mágica porque ela destrói, modifica, mexe o cotidiano para que as pessoas possam ter uma outra vida.
O que tem a montanha de diferente da planície? Na montanha você enxerga mais longe por estar mais alto; na montanha você não está pressionado por aquelas circunstâncias da planície. Mas a montanha tem alguma coisa muito diferente da planície que a torna de alguma maneira insustentável: A montanha não tem vida, não tem realidade. A montanha não é real. Ela tem o poder de modificar as pessoas, mas não é um lugar onde você possa morar. Você não pode morar na montanha porque você não pode morar nas suas idéias. Você tem que morar no mundo real.

Conclusão:
Há muitas interpretações da obra porque o livro é complexo. Essa é apenas uma delas.
Thomas Mann nos transmite a mensagem que a vida real humana acontece na planície, todavia carece do concurso da montanha para se realizar, porque somente a partir dela se pode perceber o sentido da vida, invisível pela perspectiva da planície.
Não é para ficar nas nuvens (mundo das idéias), é para vir para a terra (mundo real) e trabalhar com aquilo que você aprendeu nas nuvens (com as idéias).
Nós estamos proibidos de viver com valores (humanistas) da planície, mas temos que viver na planície com os valores (divinos) da montanha.
A vida humana só é possível se você puder trazer da montanha os conteúdos com os quais você vai organizar a planície.
O romance se tornará mais compreensível na medida em que você comparar a vida de Hans Castorp com a sua própria vida. Não é para debater se o Settembrini ou o Naphta tem razão, pois ambos estão errados.

Sobre o autor:

Thomas Mann - 1937
Thomas Mann nasceu em Lübeck, norte da Alemanha, no dia 6 de junho de 1875 e teve como berço uma tradicional família de aristocratas. Sua mãe, Julia da Silva Bruhns, era brasileira, nascida na fazenda Boa Vista, em Angra dos Reis, e transferida com a família para a Alemanha durante a adolescência. Com apenas 26 anos, ele foi descoberto para o mundo através da publicação de Os Buddenbrooks, seu segundo livro, que narra a decadência em quatro gerações de uma família burguesa tradicional, inspirada em seu próprio clã.
Thomas Mann se tornou vítima das contradições do seu tempo, marcado por extremos ideológicos brutais. Para a esquerda, era um nacionalista ferrenho, que pregou a superioridade germânica em seus primeiros livros. Para a direita - sobretudo na época da caça às bruxas do Macarthismo nos EUA -, ganhou a pecha de comunista. Mann nunca transitou entre os dois extremos. Foi, acima de tudo, um anti-radical, que desprezou com todas as forças a mácula do nazismo, numa indignação que pode ser mensurada numa frase: “Falo de nossa vergonha. A Alemanha inteira, o espírito alemão, o pensamento alemão, a palavra alemã são atingidos por essa desonra”. Faleceu na Suíça em 1955.

Excertos da obra:

"Queremos narrar a vida de Hans Castorp - não por ele, a quem o leitor em breve conhecerá como um jovem singelo, ainda que simpático, mas por amor a esta narrativa, que nos parece em alto grau digna de ser relatada. A favor de Hans Cartorp convém, entretanto, mencionar que esta é a sua história, e que há histórias que não acontecem a qualquer um. Os fatos aqui referidos passaram-se há muitos anos já. Estão, por assim dizer, recobertos pela pátina do tempo, e em absoluto não podem ser narrados senão na forma de um remoto passado.

Isso talvez não seja um inconveniente para uma obra deste gênero, mas antes uma vantagem; é necessário que as histórias já se tenham passado. Poderíamos até dizer que, quanto mais se distanciam do presente, melhor correponderão à sua qualidade essencial e mais adequadas serão ao narrador, este mago que evoca o pretérito. Acontece porém com a história o que hoje em dia também acontece como os homens, e entre eles, não em último lugar, como os narradores de histórias: ela é muito mais velha que os seus anos; sua vetustez não pode ser medida por dias, nem o tempo que sobre ela pesa por revoluções em torno do sol. Numa palavra, não é propriamente ao tempo que a história deve o seu grau de antiguidade - e com essa observação feita de passagem queremos aludir ao caráter problemático e à peculiar duplicidade desse elemento misterioso.

Mas, para não obscurecer artificalmente um estado de coisas claro em si, seja dito que a idade sumamente avançada de nossa história provém do fato de ela se desenrolar antes de determinada peripécia e de certo limíte que abriram um sulco profundo na nossa vida e na nossa consciência...

Desenrola-se ou -- para evitarmos propositadamente qualquer forma de presente - desenrolou-se numa época transata, outrora, nos velhos tempos, naquele mundo de antes da Grande Guerra, cujo deflagar marcou o começo de tantas coisas que ainda mal deixaram de começar. Passa-se, pois, antes desse período, se bem que não muito antes. No entanto, não será o caráter de antiguidade de uma história tanto mais profundo, perfeito e lendário, quanto mais próxima do presente ela se passar? Além disso, poderia ser que também sob outros aspectos a nossa história, pela sua natureza íntima, tenha isto e aquilo em comum com a lenda.

Narra-la-emos pormenorizadamente, com exatidão e minúcia, já que a sua natureza cativante ou enfadonha jamais depende do espaço ou do tempo que ela exige. Sem medo de sermos acusados de meticulosidade, inclinamo-nos, pelo contrário, a opinar que realmente interessante só é aquilo que tem bases sólidas.

Não será, portanto, num abrir e fechar de olhos que o narrador terminará a história de Hans Castorp. Não lhe bastarão para isso os sete dias de uma semana, nem tampouco sete meses. Melhor será que ele desista de computar o tempo que decorrerá sobre a Terra, enquanto esta tarefa o mantives enredado. Decerto não chegará -- Deus me livre -- a sete anos.

Dito isto, comecemos."
Thomas Mann

A chegada

"Um jovem singelo viajava, em pleno verão, de Hamburgo, sua cidade natal, a Davos-Platz, no cantão dos Grisões. Ia de visista, por três semanas.

Mas de Hamburgo até essas alturas a viagem é longa, demasiado longa, na verdade, para uma estadia tão curta. É preciso atravessar diversos Estados, subindo e descendo, do planalto da Alemanha meridional até a beira do lago de Constança, cujas ondas saltitantes são transpostas de navio, por sobre abismos outrora considerados insondáveis.

A partir dali torna-se demorada a viagem que até esse ponto se realizava rapidamente, em linha quase reta. Há delongas e complicações. Na localidade de Rorschach, já em território suíço, voltamos a confiar-vos à viação férrea; mas por enquanto não se progride além de Landquart, pequena estação alpina, onde se precisa fazer baldeação. É um trem de bitola estreita o que ali tomamos depois de prolongada espera numa paisagem varrida pelo vento e desprovida de encantos. No momento em que se põe em movimento a locomotiva de pequeno porte, mas evidentemente de extraordinária força de tração, começa a parte deveras aventurosa da viagem, uma escalada brusca e penosa que parece não ter fim. A estação de Landquart acha-se situada a uma altura relativamente moderada. A partir dela, porém, entra-se na própria montanha, por uma estrada rochosa, áspera, angustiante.

..."

 

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