domingo, 11 de dezembro de 2011

MEMÓRIAS DO SUBSOLO

Título original: Zapíski Iz Podpólia
Autor: Fiódor Dostoievski (1821-1881)
Tradução: Boris Schnaiderman
Editora: 34
Assunto: Novela
Edição: 5ª
Ano: 2004
Páginas: 152



Sinopse: Publicado em 1864 na revista literária Época, fundada por Dostoiévski e seu irmão Mikhail, a novela nos traz um homem desencantado, funcionário da baixa burocracia russa, que mora com o empregado Apólon num modesto apartamento no subsolo de um edifício. Angustiado e pessimista, esse homem sem nome nos revela, por sua própria voz, um absoluto desprezo pelo mundo a sua volta e, ao mesmo tempo em que escolhe a solidão, parece, em certos momentos, amargurar-se ainda mais com ela.

Sou um homem doente... Um homem mau. Um homem desagradável.

Aqui ressoa a voz do “homem do subsolo”, a personagem-narrador que, à força de paradoxos, investe ferozmente contra tudo e contra todos – contra a ciência e contra a superstição, contra o progresso e contra o atraso, contra a razão e a desrazão –; mas investe, acima de tudo, contra o solo da própria consciência, criando uma narrativa ímpar, de altíssima voltagem poética, que se afirma e se nega a si mesma sucessivamente.

Comentários: Memórias do subsolo inaugura uma nova fase na obra de Dostoiévski e na literatura ocidental. No âmbito circunscrito à produção do maior romancista russo de todos os tempos, essa narrativa singular antecipa a maturidade do escritor.

Até a publicação desta novela, Dostoiévski era um escritor dotado de aguda percepção social, cujos “ensaios fisiológicos” já traziam uma apreensão do caráter fantástico da realidade. Mas é nesta obra – traduzida pelo ensaísta Boris Schnaiderman – que o escritor materializa sua visão abissal dos conflitos morais, psicológicos e sociais, que se interpenetram caoticamente de modo a destacar, como única medida do mundo, o desejo humano de salvação diante da morte e da desrazão.

A novela é dividida em duas partes. Na primeira, “O subsolo”, o anônimo narrador destila amargura e escárnio contra as almas [almas no conceito russo são pessoas] idealistas de seu tempo, que confiam ingenuamente na subordinação do homem às leis da natureza como forma de alcançar um estado de harmonia social e espiritual. Para o homem subterrâneo, esses “palácios de cristal”, “essas sutilezas do belo e sublime” são quimeras do “homem de ação”, que reduz os anseios da alma ao bem-estar material, segundo o credo positivista. Por isso, ele preferirá sua existência de zombaria e torpeza, de tédio e inação, a “consciência hipertrofiada” de quem conhece a essência irredutível do ser humano.

O monólogo inicial de Memórias do subsolo proporciona ao leitor momentos impagáveis de humor negro e anarquismo metafísico. Mas a mensagem desse habitante das catacumbas da existência é clara: utopistas como Tchernichévski ou Fourrier (freqüentemente aludidos ao longo do texto) são, na verdade, avatares do “Grande Inquisidor” de Os Irmãos Karamazov, que oferece aos homens segurança e conforto ao preço do aniquilamento de seu livre-arbítrio e de sua torturada paisagem interior.

Em Memórias do subsolo, todavia, Dostoiévski ainda não atingira a dimensão apocalíptica e regeneradora da sua última fase. Assim, na segunda parte da novela, “A propósito da neve molhada”, a narrativa das peripécias do homem subterrâneo leva da galhofa à tragédia. A negatividade do narrador revela seu lado sinistro quando enreda a prostituta Liza em sua teia: o espetáculo da auto-degradação se transforma em crueldade; os anátemas contra o humanismo deságuam no desespero e no remorso. (Manuel da Costa Pinto)

No preâmbulo da obra, Dostoiévski nos explica a obra por meio de uma nota de rodapé:

“Tanto o autor como o texto destas memórias são, naturalmente, imaginários. Todavia, pessoas como o seu autor não só podem, mas devem até existir em nossa sociedade, desde que consideremos as circunstâncias em que, de um modo geral, ela se formou. O que pretendi foi apresentar ao público, de modo mais evidente que o habitual, um dos caracteres de um tempo ainda recente. Trata-se de um dos representantes da geração que vive os seus dias derradeiros. No primeiro trecho, intitulado 'O subsolo', o próprio personagem se apresenta, expõe os seus pontos de vista e como que deseja esclarecer as razões pelas quais apareceu e devia aparecer em nosso meio. No trecho seguinte, porém, já se encontrarão realmente 'memórias' desse personagem sobre alguns acontecimentos da sua vida.” [Nota de F.M. Dostoiévski]

Análise do sentido da história: Esta é uma história irônica, com conotações satíricas em boa parte da narrativa. Esta história, regra geral, foi muito mal interpretada, porque a ironia não fica evidente o tempo todo e as traduções mal feitas se encarregaram de estragá-la mudando o tom da história. Cada pessoa que lê esta obra tem a sua interpretação própria. Nietzsche, ao ler este romance pela primeira vez, achou-o maravilhoso porque na sua visão o que o “homem do subsolo” representa, é o “super-homem” de sua criação, que ele acha que poderia existir. Portanto, centenas são as interpretações do sentido desta novela de Dostoiévski. Otto Maria Carpeaux, num dos primeiros ensaios que publicou no Brasil, disse o seguinte: “Existem poucos escritores cuja obra tenha sido tão tenazmente mal compreendida como a de Dostoiévski”.

O primeiro passo para interpretação da história é perceber que o “homem do subsolo” tem uma consciência hiper-desenvolvida e mais aguçada do que as demais personagens da história. À primeira vista, parece ser uma coisa boa e positiva, mas quando se pensa um pouquinho melhor, começa-se a acreditar que essa consciência hiper-aguçada que o “homem do subsolo” tem, deve ter alguma coisa má, porque ele inviabiliza a própria possibilidade da vida humana. Ele, na medida em que não consegue fazer nada, não porque ele não queira, não porque esteja impedido por forças externas, ele se torna vítima de sua própria doença. A pior doença mental que existe é aquela que impossibilita viver. O sujeito que consegue trabalhar ou fazer alguma coisa, mesmo que de vez em quando, é uma pessoa normal assim como todos nós. A coisa começa ficar grave, quando o sujeito passa às 24 horas do dia olhando para a parede da casa dele. De certo modo é o caso aqui, o “homem do subsolo” porque ele é incapaz de fazer qualquer ação. Portanto, há alguma coisa errada com essa consciência aguçada do “homem do subsolo” que o paralisa.

O problema do “homem do subsolo”, é que ele não consegue obter a devida retribuição social, da qual se considera merecedor, por conta de uma vaidade desmesurada que o faz acreditar que ele é muito mais do que verdadeiramente é. A sua consciência é uma espécie de ego fora de controle. Ele se considera superior a todos os outros. Está investido de soberba propriamente dita, que os gregos denominavam de Hübris que é o defeito mais grave que um ser humano possa ter: uma visão vaidosa e fantasiosa de suas próprias capacidades. Portanto, ele tem-se numa conta tão desmesuradamente alta, que ele vê no mundo uma incapacidade de retribuição que ele acredita ser merecedor.

Deixo no ar duas perguntas aos leitores: Quantos “homens do subsolo” estão a nossa volta? Qual a certeza que temos de não sermos, também, um “homem do subsolo”? Aristóteles dizia que, tirando as acidentalidades do ser humano, a essência humana é a mesma em todo lugar.

O “homem do subsolo” é prisioneiro da idéia de ser detentor de um atributo extraordinário que julga fazê-lo superior a todos os outros seres humanos. Esse é o problema central que dá início a nossa história.

O “homem do subsolo” acaba se tornando rancoroso porque o mundo é valorizado pelo homem de ação. Em contrapartida, há uma baixa valorização do homem de pensamento. Ele próprio, no enredo da história, relata que quando ia para a escola era isolado pelos colegas, porque ele sabia ler livros que os colegas não tinham a menor idéia do que tratavam. Ele tinha uma superioridade intelectual a de todo mundo e reconhece que tem culpa de ser mais inteligente do que os outros. Assim, ele não tem no mundo de ação o mesmo respaldo que a sua vaidade, inflada, espera que tivesse. Portanto, há aqui uma diferença de grau de reconhecimento. Essa é a origem do problema emocional do “homem do subsolo”.

Uma breve digressão dentro do contexto: O mundo real é o mundo das pessoas de ação. É o homem de ação que controla o mundo e age em função das aparências das coisas. Se perguntarmos às pessoas por que elas vivem, elas não têm a menor idéia disso. Elas têm uma idéia de que vivem de determinado modo, cumprindo as suas obrigações, indo para o trabalho, para o clube, freqüentando restaurantes, reservando algumas horas de laser, etc. Isso basta para elas. Não que isto seja moralmente errado, não se trata de censura às pessoas que são assim, mas a constatação um fato real e inegável. Tem gente que passa pela vida como o ônibus que não parou no ponto: direto. Não é todo mundo que tem a preocupação de compreender a vida e o mundo. Portanto, a maior parte das pessoas vive num grau de inconsciência muito grande. O homem de pensamento, por sua vez, vive num mundo completamente diferente desse. Ele tem a consciência da vida e da compreensão do mundo. O cuidado é não permitir ser dominado pela soberba.

Retornando. O “homem do subsolo” tem complexo de superioridade e que, logo em seguida, se transforma em complexo de inferioridade, porque ele que se acha grande coisa, mas é tratado pior do que os outros. Como ele tem a consciência hiper-aguçada, ele dá-se conta que existem limites à ação humana. Esses limites são as leis da natureza. Ora, se os homens fazem parte da natureza, é obvio que esses limites aplicam-se ao homem também. São limites de todos os tipos. Esses limites estabelecem que aquilo que fazemos na vida e, de alguma maneira, é programado pelas possibilidades naturais.

A diferença entre o homem de pensamento e o homem de ação está no fato de que o homem de ação age porque acha que não há limites e o homem de pensamento sabe que há limites. Este fato coloca a personagem no estado de tensão que se encontra. Ela pensa do seguinte modo: “Eu gostaria de fazer alguma coisa, mas tudo é inútil.

Se as leis da natureza [uso a frase como força de expressão, porque a natureza não tem leis; tem hábitos], ou seja, se os limites naturais estabelecem a regra de tudo, então não há mais culpa no ser humano, porque qualquer coisa que o ser humano faça, é como se fosse uma decisão que ele não tomou. O homem de ação não tem consciência disso, mas o homem de pensamento tem. Por isso que o homem de pensamento se recusa a fazer tudo, porque ele sabe que nada é possível, tudo é inútil e sem sentido, em última análise. Por isso que ele retarda as suas decisões e não faz nada de verdade. No entanto, ele gostaria de fazer alguma coisa. Esta contradição entre o que ele gostaria de fazer e a inutilidade de suas ações finais é o que o paralisa. Ele não sabe o que fazer.

No momento em que se decreta ou se admite que o comportamento humano é mecânico, automaticamente se destrói o livre-arbítrio, logo não há mais culpa. Não há possibilidade de justiça num contexto de falta de responsabilidade. Se não há responsabilidade pelos atos, não há mais justiça possível.

Essa idéia que a vida é uma coisa programada é a idéia que estava crescentemente em evidência no século XIX e é essa idéia que esse homem de “consciência maior” acaba incorporando a sua visão. Ele percebe esse desastre da existência humana, o fato que ela é determinada por forças que ele não controla, portanto o livre-arbítrio não é alguma coisa com a qual se possa contar ou que exista, em última análise.

O problema do homem de ação é que ele não tem a menor consciência disso, enquanto o outro tem consciência e está de algum modo desanimado e inviabilizado. Como o homem de ação não chegou a este ponto, ele consegue ser bobo à vontade, consegue ser auto-iludido o tempo todo. Por isso que o “homem do subsolo” o despreza e não quer ser o homem de ação; não que ser um bobo auto-iludido; mas, ao mesmo tempo, a alternativa que ele tem para si próprio é a alternativa de não fazer nada.

O “homem do subsolo” concentra o seu ataque nos “sonhos dourados” de Tchernichévski, um socialista utópico que dizia haver um palácio de ferro e outro de cristal, este representando metaforicamente a razão e o socialismo.

O “homem do subsolo” é contrário ao palácio de cristal da razão porque ele acha que o palácio de cristal é inútil. É contra a natureza humana, portanto não deve ser. Assim, o nosso homem é tecnicamente um anti-socialista, porque com a analogia que ele faz no livro, ser favorável ao palácio de cristal é ser favorável ao socialismo, e ele não quer isso, porque ele acha que isso não serve. Então, qual a alternativa? A alternativa que ele propõe é não fazer nada!

Portanto, estamos diante de dois males. Os dois males que Dostoiévski quer sanar nesta história maravilhosa é, de um lado, o niilismo de não fazer nada, e de outro, o socialismo revolucionário de Tchernichévski.

O “homem do subsolo” não tem valores morais ou consciência moral. Daí segue-se, segundo ele, que os homens temem a lei do determinismo, que estabelece que dois mais dois fazem quatro. O “homem do subsolo” teme a possibilidade de os humanos encontrarem esta razão, o palácio de cristal, porque neste caso não restaria nada para a humanidade procurar, nada mais para que lutar, nas mais para que viver. Ele explica a sua recusa em aceitar o palácio de cristal, pela simples razão de ele preferir viver no seu autodenominado subsolo.

O fim do fim, meus senhores: o melhor é não fazer nada! O melhor é a inércia consciente!”.

O objetivo de Dostoiévski é combater o niilista e o revolucionário socialista, tipos fortemente presentes na Rússia do século XIX e que mais tarde promoveram a Revolução Bolchevique de 1917.

O “homem do subsolo” representa o homem que não tem consciência moral. O que ele acredita, porque ele é inteligente, é que não é possível fazer o projeto do castelo de cristal. Isso, no entanto, não o transforma numa pessoa melhor. A não ser que ele, de alguma maneira, passasse pelo sofrimento moral. Ele passa pelo sofrimento moral, já no final da história, quando se dá conta da barbaridade que ele fez com a Liza. Esse sofrimento significa que neste momento começa a possibilidade de recuperação do homem.

Até o episódio da Liza ele não tem o sofrimento moral; ele tem uma raiva, uma implicância, etc. O sofrimento que ele tem até então é a sua vaidade ofendida. Ele é um “humilhado ofendido”.

Dostoiévski adora essa idéia do “humilhado ofendido”, porque ele sabe que a mente revolucionária nasce dessa gente. São os humilhados e ofendidos que fazem as revoluções. Basta lembrar os nossos tempos de faculdade: Quem dominava os diretórios acadêmicos? Eram invariavelmente os “humilhados ofendidos”. Essa era e ainda é a população média dos diretórios acadêmicos. Gente revolucionaria! Homens do subsolo.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

ULISSES

Título original: Ulysses
Autor: James Joyce
Tradução: Bernardina da Silveira Pinheiro
Editora: Alfaguara
Assunto: Romance
Edição: 1ª
Ano: 2007
Páginas: 912

 
Sinopse: O livro narra o dia em que Stephen Dedalus e seu amigo Leopold Bloom saem da Torre Martello para tocar a vida, sem pretensões, pelo menos sem grandes projetos. Dedalus, personagem surgido no romance anterior de Joyce (Um Retrato do artista quando jovem), é um sonhador, imerso em considerações filosóficas sobre a carreira. Para Leopold Bloom, entretanto, naquele dia o que mais o atormenta é uma possível traição de Molly, sua mulher, que é cantora e na tarde daquele 16 de junho de 1904 vai se encontrar com seu empresário Blazes Boylan.

Leopold Bloom, a personagem central da obra, foi definido pelo próprio Joyce como: — "filho, pai, amante, trabalhador e cidadão, é ainda uma pessoa bondosa, humana, prudente, equilibrada, submissa, tragicamente isolada, astuta, cética, simples, não-reprovadora, com um exterior aparentemente maleável, mas com uma essência íntima inflexível, de auto-suficiência".

Resumo da narrativa:
Escrita em 1922, a obra retrata um dia (16 de junho de 1904) na vida de Leopold Bloom, um corretor de anúncios vivendo em Dublin. Construída como paródia da obra “Odisséia” de Homero, a história reproduz, em dezoito capítulos, as cenas do retorno a Ítaca de Ulysses (Odisseu), dando-lhe um equivalente no cotidiano da vida de Bloom. O herói da primeira obra, Stephen Dedalus, que é o alter ego literário de James Joyce, interage com Leopold Bloom ao longo da obra.

Otto Maria Carpeaux resume a obra assim:

Ulisses é a Divina Comédia do nosso tempo. Pouco de Paraíso, mais do Purgatório e muitíssimo do Inferno. É, entre todas as obras modernas que conheço, a mais amarga, a mais desconsolada, a mais trágica – e, no entanto, não é uma tragédia: é um romance. Há em sua soberba ironia algo do espírito do arqui-romancista: de Cervantes. Não estão de todos errados aqueles que acreditam perceber, atrás da face trágica de Ulysses, o cerne cômico: a paródia do gênero do qual a obra é a obra-prima.

Comentários: Livremente inspirado na Odisséia, do grego Homero, Ulisses foi escrito pelo irlandês James Joyce. Na realidade a obra é uma paródia de Odisséia.

Joyce quis escrever simplesmente sobre tudo o que se passa na vida de um homem, em apenas um único dia. "Realmente tudo aconteceu naquele bendito dia 16 de junho de 1904", quando Leopold Bloom sai de casa para um enterro e irá percorrer Dublin durante um dia inteiro, visitando biblioteca, jornal, bordel e bares. No final ocorre o encontro com Stephen Dedalus, um jovem intelectual de Dublin e personagem central do livro "Um Retrato do Artista Quando Jovem", na verdade o alter ego de Joyce. O Sr. Bloom é o equivalente ao Ulisses (para os romanos) ou Odisseu (para os gregos), herói da "Odisséia" e Stephen, a Telêmaco, seu filho. Assim como na obra de Homero, o herói faz um grande caminho e retorna para casa, reencontrando no caminho o seu filho morto aos onze dias de idade e com isso recuperando a consciência simbólica do seu papel espiritual.

Interpretação da obra:
Leopold Bloom é um sujeito generoso, decente, conformado, pacato e completamente perdido quanto ao seu papel existencial. No conceito aristotélico simboliza o Espírito (ou Intelecto).

Stephen Dedalus é o vaidoso intelectual. Simboliza a Mente (Razão).

Molly é uma atriz de teatro volúvel e de tendências libidinosas que teve 25 casos fora do casamento. Simboliza o Corpo (Matéria).

Segundo a partição aristotélica da vida humana, Espírito, Mente e Corpo são as três possibilidades existenciais, ou seja, os valores considerados pelo ser humano.

Análise das personagens

Leopold Bloom:

- Não é capaz de compreender-se ontologicamente;

- Não tem consciência do seu papel espiritual;

- Não acredita no espírito;

- Não tem fé;

- Está perdido existencialmente;

- Sua ação sobre o mundo é nula.

O homem moderno é assim.

Stephen Dedalus

- Renega e abandona a pátria, a religião e a família.

- É a mente desvinculada do espírito.

O humanista típico é assim.

Molly

- Simboliza o mundo material e os prazeres carnais.

A Mente precisa do Espírito e ambos precisam do Corpo para existir concretamente.

Então, o que cada uma das personagens faz?

Bloom, que simboliza o Espírito (Intelecto), retorna à sua casa e retoma a consciência do seu papel espiritual. Ele já não serve mais o café na cama para a sua mulher Molly como o fazia desde o casamento. Agora é ela quem faz e isso tem um significado que será explicado mais adiante.

Molly, que simboliza o Corpo (Matéria) se submete ao Espírito. Assim, é ela quem agora irá levar o café na cama para Bloom. A ordem foi restabelecida.

Stephen, que simboliza a Mente (Razão), sai da história para escrever o livro Ulisses.

Conclusão:

A obra nos mostra as três possibilidades existências para uma vida humana concreta: Corpo (Matéria), Mente (Razão) e Espírito (Intelecto ou Alma). Portanto, Molly quis se casar com Leopold porque o Corpo só é viável sob a sombra do Espírito.

O homem moderno não compreende isso, razão pela qual vive no caos existencial, protagonista de uma corrida desenfreada em busca da felicidade onde ela não está e onde jamais poderá ser encontrada: no mundo material dos prazeres carnais.

Sobre o Autor:

James Joyce em 1926
James Joyce (1882-1941) nasceu em uma abastada família católica, no subúrbio de Dublin, Irlanda. Educado em colégio jesuíta, estudou Filosofia e Línguas na University College. Já nos primeiros anos de faculdade, já publicava artigos na imprensa e começava a escrever os poemas líricos mais tarde reunidos no livro Câmara de música. Morou em Paris, em Trieste e em Zurique, onde a família viveu na pobreza, enquanto ele escrevia Ulisses.

É considerado um dos autores de maior relevância do século XX, e seus textos influenciaram, de uma maneira ou de outra, todos os escritores que lhe sucederam. Suas obras mais conhecidas são o volume de contos Dublinenses (1914) e os romances Um retrato do artista quando jovem (1916), Ulisses (1922) e Finnegans wake (1939). Os três últimos exerceram enorme impacto na literatura inglesa modernista. William Faulkner e Virginia Woolf são alguns dos grandes escritores cujas obras foram fortemente inspiradas pelas de Joyce.

Embora tenha vivido fora da Irlanda durante a maior parte da vida, suas experiências em seu país de origem são de grande importância para a compreensão de sua obra. O universo ficcional de Joyce enraíza-se fortemente em Dublin e reflete sua vida familiar e eventos, amizades e inimizades dos tempos de escola e faculdade.

O autor morreu em janeiro de 1941, dois meses depois de retornar com a família à Suíça. Todos os anos, sua vida é celebrada no dia 16 de junho. Conhecida como “Bloomsday”, a data é comemorada não apenas em Dublin, mas também em diversas outras cidades ao redor do mundo.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

DEMIAN

Título original: DemianAutor: Hermann Hesse (1877-1962)
Tradução: Ivo Barroso
Editora: Record
Assunto: Romance
Edição: 41ª
Ano: 2009
Páginas: 188

Sinopse: O livro relata o amadurecimento de um jovem a partir de sua estranha relação com um rapaz de personalidade misteriosa e sedutora, que muda sua vida para sempre.

O tema central do livro é o conflito entre a dualidade “mundo luminoso” (ideal) e “mundo sombrio” (real) por que tem de passar Sinclair para encontrar a sua personalidade.

Resumo da narrativa: O livro conta a história de um jovem -- Emil Sinclair, protagonista e narrador -- criado por pais muito piedosos que, de repente, se vê em um mundo bem diferente daquele pregado por seus pais e avós. Atormentado pela falta de respostas às perguntas que faz sobre sua existência, passa a procurar na introspecção suas respostas. Dividido entre o mundo ideal e o real, com suas interpretações (mundo claro e paternal, associado às idéias de seus pais e à residência destes, e o mundo sombrio e frio, externo à residência dos pais e com valores estranhos a estes), Sinclair experimenta ambos, através do confronto com suas próprias concepções, para tentar encontrar sua verdadeira personalidade. Percorrendo este caminho perigoso, influenciado por Max Demian, um colega de classe precoce e envolvente, ele prova do crime, da amizade e das incertezas -- surpresas que engendram as descobertas de sua vida adolescente. Sinclair, então, se rebela contra as convenções sociais e descobre não apenas o doce sabor da independência mas também seu poder de praticar o bem ou o mal. A relação de Sinclair e Demian atravessa toda a narrativa a partir do momento que os personagens se conhecem. Demian revela a Sinclair que existem filhos de Caim, pessoas que possuem a capacidade de exercer o bem e o mal; também apresenta a entidade Abraxas, divindade de características humanas -- também capaz de exercer o bem e o mal. A obra tem muitas referencias bíblicas, como o Sinal de Caim e o Gólgota[1], tornando dificil a leitura a quem não sabe muito sobre a religião cristã, mas também trata de misticismo e autoconhecimento, da busca da essência do Eu. A obra narra principalmente os conflitos internos que um indivíduo passa desde a infância, através da adolescência, até sua idade adulta. É possível afirmar que Demian trata-se de um romance iniciático, descrevendo os contatos de um indivíduo com aspectos existenciais e de sua personalidade.

Comentários: Considerada por muitos críticos a principal obra de Hesse, Demian mostra a influência que este sofreu dos escritos de Nietzsche [aqui está o grande problema de Hesse. Ele parte de um caminho falso!] e a aplicação de seus conhecimentos de psicanálise na elaboração do drama ético e da enorme confusão mental de um jovem que toma consciência de sua fragilidade diante da ausência total de compostura da moral sancionada pelos pais e pelo Estado e sai em busca da verdade e de si mesmo.

O livro reflete, obviamente, a tendência do introduzir na literatura a doutrina de Freud, que estava na ordem do dia, e da qual Hesse era um apaixonado estudioso. Daí a presença constante do onirismo[2] na obra, de um certo entrevelado complexo de Édipo (aqui exposto através de um sutil mecanismo de transferência), de permeio com reminiscência de estudos de ciências antigas e herméticas, hauridos na intimidade da biblioteca do avô materno.

Hermann Hesse era um homem atormentado espiritualmente e só encontra a sua verdadeira identidade no catolicismo magistralmente relatado na sua ultima obra “O Jogo das Contas de Vidro”.

À guisa de prólogo: “Para relatar a história de minha vida, devo recuar alguns anos. Se me fosse possível, deveria retroceder ainda mais, à primeira infância, ou mais ainda, aos primórdios de minha ascendência”.

Os romancistas, quando escrevem suas obras, costumam proceder como se fossem Deus e pudessem abranger com o olhar toda a história de uma vida humana, compreendendo-a e expondo-a como se o próprio Deus a relatasse, sem nenhum véu, revelando a cada instante sua essência mais íntima. Não posso agir assim, e os próprios poetas não o conseguem. Minha história é, no entanto, para mim, minha própria história, e a história de um homem – não a de uma personagem inventada, possível ou inexistente em vivo. Hoje sabe-se cada vez menos o que isso significa, o que seja uma homem realmente vivo, e se entregam à morte sob o fogo da metralha a milhares de homens, cada um dos quais constitui um ensaio único e precioso da Natureza. Se não passássemos de indivíduos isolados, se cada um de nós pudesse realmente ser varrido por uma bala de fuzil, não haveria sentido algum em relatar histórias. Mas cada homem não é apenas ele mesmo; é também um ponto único, singularíssimo, sempre importante e peculiar, no qual os fenômenos do mundo se cruzam daquela forma uma só vez e nunca mais. Assim, a história de cada homem é essencial, eterna e divina, e cada homem, ao viver em alguma parte e cumprir os ditames da Natureza, é algo maravilhoso e digno de toda a atenção.

Sobre o autor: Contista, poeta, ensaísta e editor de obras importantes da literatura alemã, Hermann Hesse nasceu em 2 de julho de 1887 na pequena cidade de Calw, na Alemanha. Filho de um missionário, pregador pietista[3], Hesse passou a infância na sua cidade. Viveu na Basiléia de 1881 a 1886 e freqüentou, em 1890, a escola de latim em Goppingen, diplomando-se em 1891. Conseguiu escapar dos estudos de teologia ao fugir do seminário de Maulbronner. Começou a trabalhar cedo, empregando-se em uma livraria em Ebingen e mais tarde como antiquário. A partir de 1903, dedica-se exclusivamente à literatura.

Desencantado com a civilização européia, viajou para Índia em 1911 para conhecer a vida no Extremo Oriente. Partidário do pacifismo lutou contra “a loucura sangrenta da guerra”. Exatamente por protestar contra a Primeira Guerra Mundial, perdeu a cidadania alemã, tornando-se cidadão suíço. Hesse é um dos principais representantes dos escritores do século XX que procuraram manterem-se fiéis às tradições literárias românticas e clássicas, em contraposição à era folhetinesca e propagandística. Sua primeira grande obra, Peter Camenzind, foi lançada em 1904, e trata do melancólico desenvolvimento de um homem de origem modesta que, dotado de talento musical e espírito idealista, não consegue satisfazer as exigências práticas da sociedade.

A índole acentuadamente romântica e a tendência para a análise psicológica caracterizaram as primeiras obras de Hesse. Em 1919 ele publicou Demian, considerado seu melhor livro pelos críticos [Considero como o melhor livro “O jogo das contas de vidro”]; O último verão de Klingsor, em 1920; Sidarta, em 1922; O lobo da estepe, em 1927; Narciso e Goldmund, em 1930; O jogo das contas de vidro, em 1943; e muitas outras obras. Em 1946, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. Morreu em 9 de agosto de 1962 aos 75 anos.

[1] Gólgota [Do top. Gólgota] Lugar de suplício.

[2] Onirismo [De onir(o)- + -ismo.] 1. Psiq. Quadro alucinatório grave que se apresenta sob a forma de sonho vivido.

[3] Pietismo foi um movimento protestante nascido na Igreja Luterana alemã do séc. XVII como reação ao dogmatismo da Igreja oficial. Consiste em concentrar a prática religiosa a pequenos círculos de meditação e de oração. O criador é Philipp Jacob Spener (1635-1705) e o maior disseminador é o conde de Zinzerdorf (1700-1760), criador da Ordem do Grão de Mostarda [muito citado no livro: “Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister” de Goethe]. Anatoli Oliynik.

Abraxas (cs) [Do grego abraxás, poss. criptograma (= 'Que Deus proteja') de origem hebraica.] 1. Palavra simbólica entre os gnósticos, que exprime o curso do Sol nos 365 dias do ano. 2. Talismã gnóstico gravado com essa palavra.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

THOMAS MANN: Uma biografia

Título original: Thomas Mann A Life 
Autor: Donald Prater
Tradução: Luciano Trigo
Editora: Nova Fronteira
Assunto: Biografias
Edição: 1ª
Ano: 2000
Páginas: 672

Sinopse: Este livro revela os principais acontecimentos da vida familiar e profissional do maior romancista alemão do século XX. Suas lutas e ideais, seu amor pela arte, e os difíceis relacionamentos que manteve em família são relatados nesta obra, possibilitando um profundo conhecimento sobre a vida do vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1929. Interligando fatos, livros, amigos, filhos, amores e personagens, o livro apresenta a vida desse romancista que definiu o rumo da literatura alemã contemporânea e jamais deixou a ironia e os subentendidos o desviarem de seu estilo sóbrio e formal.
Autor de alguns dos maiores clássicos modernos da literatura universal, incluindo “A Montanha Mágica”, “Doutor Fausto”, “Morte em Veneza”, “Os Buddenbrooks”, Thomas Mann (1875-1955) destacou-se ao conjugar em seus livros a elaboração de suas dúvidas e inquietações existenciais com a representação dos conflitos de uma época de transformações profundas, característica que certamente lhe foi inspirada por uma ligação com a tradição idealista e romântica alemã, principalmente com Goethe, seu modelo maior tanto para a literatura como para a vida.
Mann viveu um mundo de contradições, tanto em relação à sua vida pessoal quanto no que se refere aos destinos da nação alemã. Logo no preâmbulo desta obra, ele deixa o seguinte registro:
“Não é fácil ser um alemão. (...) Este povo sofre com sua própria natureza até a repulsa. (...) Existe algo profundamente irracional em relação à alma alemã que, para a mente e o julgamento dos outros povos mais superficiais, parece perturbada, agitada, estranha, na verdade repelente e ofensiva.”
Thomas Mann, Gedanken im Krieg
Thomas Mann pertencia à elite de uma sociedade em degeneração e, ao invés de se deixar influenciar pelas idéias burguesas em ascensão e dedicar-se à administração, aos negócios e à indústria de guerra, voltou-se desde os tempos de escola, ao latim, ao grego e às letras, fazendo, já naquela época, sua opção pelo humanismo.
De forma atraente e elegante – interligando fatos, livros, amigos, filhos, amores e personagens –, Thomas Mann: uma biografia apresenta a vida desse romancista que definiu o rumo da literatura alemã contemporânea e jamais deixou a ironia e os subentendidos o desviarem de seu estilo sóbrio e formal. Numa abordagem privilegiada, repleta de referências sobre as relações pessoais e artísticas de Mann e de informações sobre a conjuntura internacional do século XX, este livro narra a saga de um “Goethe moderno” e faz o leitor mergulhar na história de um homem que se tornou seu próprio personagem.
Neste blog você encontrará a apresentação e os comentários de suas principais obras.

Leia a sinopse de "A MONTANHA MÁGICA" clicando no link a seguir:

http://anatoli-oliynik.blogspot.com/2009/01/montanha-mgica.html


Casa de Thomas Mann em Munique (1909-1917)

domingo, 14 de agosto de 2011

O NOME DA ROSA


Desmascarando um farsante!


 
Título original: Il nome della Rosa
Autor: Umberto Eco
Tradução: Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade
Editora: Record
Assunto: Romance
Edição: 2ª
Ano: 2010
Páginas: 573

Sinopse: O ano é 1327 e o local é um mosteiro franciscano da Itália medieval. Neste mosteiro paira a suspeita de heresia, e, para a investigação, é enviado o frei Guilherme de Baskerville. Porém, a delicada missão é interrompida por sete excêntricos assassinatos. Esses crimes fazem frei Guilherme atuar como um detetive. Ele busca provas, decifra símbolos secretos e manuscritos em códigos e trabalha arduamente no misterioso labirinto do mosteiro onde os eventos extraordinários ocorrem durante a madrugada.
Utilizando sua brilhante capacidade de dedução, o monge franciscano Guilherme de Baskerville, auxiliado pelo noviço Adso, se empenha para desvendar o mistério. Mas antes que Guilherme possa completar sua investigação, o monastério é visitado pelo seu antigo desafeto, O Inquisidor Bernardo Gui. O poderoso Inquisidor está determinado a erradicar a heresia através da tortura e se Guilherme, o caçador, persistir na sua busca, também se tornará caça. Mas a medida que Bernardo Gui se prepara para ascender a fogueira da Inquisição, Guilherme e Adso voltam à biblioteca labirintesca e descobrem uma extraordinária verdade..." (que não passa de uma mentira de Umberto Eco, autor do romance deste livro).

Comentários: Esta obra não merece figurar entre as obras publicadas neste blog. Só o fazemos para esclarecer aos leitores que seu autor é um mentiroso e farsante intelectual. Não significa que os leitores não devam ler a obra, mas ao lê-la devem saber por antecipação que se trata de uma obra onde seu autor sub-reptíciamente agride uma Instituição religiosa e cristã com uma mentira grotesca de provocar engulho nos leitores e literatos esclarecidos.

Este livro é uma caricatura monstruosa que o refinado hipócrita e marxista militante, Umberto Eco, faz da Igreja na Idade Média. Eco é um mentiroso, farsante, cinico e dissimulado: Como é possível falar da descoberta da 2ª parte do livro “Poética” de Aristóteles que tratava da Comédia [pág. 538], se nem se sabia da existência da 1ª primeira parte que tratava da Tragédia na época que transcorre o romance? A “Poética”, que Eco cita no enredo da história, só foi descoberta em 1548 pelo italiano Francesco Francisci Robortelli e o romance transcorre no ano de 1327, ou seja, 221 anos antes da descoberta original da "Poética" de Aristóteles. Umberto Eco sabia disso devido sua formação em Estética Medieval, e mesmo assim produziu essa mentira. (Anatoli Oliynik).

terça-feira, 12 de julho de 2011

A LINHA DE SOMBRA

Título original: The Shadow-Line
Autor: Joseph Conrad
Tradução: Maria Antonia van Acker
Editora: Hemus (O Globo)
Assunto: Romance
Edição: 1ª
Ano: 2003
Páginas: 159

Sinopse: Escrita em 1917, esta obra conta a história de um jovem oficial da marinha mercante que, sem nenhum motivo aparente resolve abandonar a sua carreira e voltar para casa. Entretanto, surge uma última missão e o jovem assume o comando de um velho navio atracado em Bancoc (Tailândia), cujo capitão morrera recentemente, em circunstâncias misteriosas.
Em seu primeiro comando de um navio, o nosso herói enfrenta duas crises: sua tripulação está moribunda por causa de uma violenta epidemia de febre e uma interminável falta ventos para navegar. Nesta dramática situação envolvendo uma sensação ameaçadora de aniquilamento, o jovem capitão tenta conduzir o navio ao seu destino, ao mesmo tempo em que se deixa levar pelas histórias estranhas contadas pelo seu imediato, já consumido pela febre, sobre o capitão que morrera recentemente no comando que agora pertencia ao jovem capitão.
Para escapar desse beco sem saída, o jovem capitão terá de cruzar a tal linha de sombra que separa toda experiência-limite.
Resumo da narrativa: Um jovem imediato da marinha mercante inglesa decide abandonar a sua carreira no mar e voltar para casa. Assim que o seu navio atraca em Bancoc (Tailândia), ele se hospeda em uma estalagem destinada apenas aos homens do mar. Lá conhece o capitão Giles que convence o jovem imediato a ir tirar satisfações com dois homens que parecem discutir sobre a existência de uma vaga como capitão de um navio, já que o antigo capitão morrera de uma forma bem estranha. O jovem imediato assume a vaga de capitão sendo bem recebido pela tripulação, exceto pelo seu imediato, o Sr Burns. Antes de zarparem, a tripulação foi acometida por uma febre que obrigou o navio a permanecer atracado por mais alguns dias. O Sr Burns precisou ficar acamado e fez o novo capitão prometer que não seria deixado em terra firme, assim que o navio partisse. O capitão acreditava que no mar, com o ar purificado, a febre iria embora e decide partir levando o Sr. Burns conforme prometera. Burns conta ao capitão como seu antecessor (um homem muito mau e meio amalucado) morrera. Contou que ele tocava violino o tempo todo em sua cabine e que um dia teve um ataque (barulhento, por sinal) e foi encontrado morto sentado numa cadeira em sua cabine. Sr Burns o sepultou no mar e parecia acreditar que o espírito do velho capitão ainda sondava o navio. Após a partida o navio se defronta com uma calmaria assustadora. E, para piorar, a febre volta a assolar a tripulação. Todos os homens estão fracos e imprestáveis, menos o capitão e o cozinheiro Ransome de quem o capitão se torna amigo. Passaram-se duas semanas no mar na mais completa e angustiante calmaria! Nada acontecia. O capitão tenta medicar seus homens, mas descobre que os vidros de remédio haviam sido esvaziados misteriosamente e preenchidos com um pó imprestável. Esta situação por um lado, e Burns a dizer que tudo era obra da alma do velho capitão em busca de sua tripulação por outro, começa a perturbá-lo e o deixa assustado! Seu único companheiro com saúde, o cozinheiro Ransome, apesar de ter problemas cardíacos, o ajudava em tudo que podia e tornou-se imprescindível ao capitão. Depois de dezessete dias de calmaria, o tempo melhora e o capitão, com a ajuda de alguns homens, prepara todo o navio para seguir seu destino, assim que o vento retornasse. O Sr Burns que havia deixado sua cabine para ver o que se passava, começa a gritar e a amaldiçoar o velho capitão do navio ao mesmo tempo em que soltava uma gargalhada medonha e provocativa, dando a entender ao falecido capitão que ele já não tinha mais poder nenhum sobre o navio. Sua intenção ao enfrentar o suposto fantasma era tirar o navio de sua influência maléfica.
No dia seguinte, o vento retorna e eles prosseguem a viagem. Depois de alguns dias, o navio chega ao seu destino. Ransome pede permissão ao capitão para permanecer em terra, estava com receoso com que poderia acontecer com seu coração. O capitão se encontra com capitão Giles e eles conversam sobre a experiência recém-vivida pelo jovem capitão. Ao final, chegam à conclusão de que o jovem capitão havia deixado de ser um jovem para se tornar um adulto. Acabara de atravessar sua linha de sombra. Depois de tudo isso, nosso capitão não volta para sua casa, mas para seu navio e segue seu destino no mar.
Trecho da obra:
“Apenas os jovens têm tais momentos. Não me refiro aos muito jovens. Não. Os muito jovens não têm, a bem dizer, momento algum. É um privilégio do começo da juventude viver adiante de seus dias, em toda a bela continuidade de esperança que não conhece pausas ou interrupções. Fecha-se atrás de si o pequeno portão da mera meninice - e adentra-se um jardim encantado. Até as sombras aqui resplandecem cheias de promessas. Cada curva da vereda tem suas seduções. E não porque se trate de um país desconhecido. Sabe-se muito bem que a humanidade toda já trilhou aquela senda. É o encanto da experiência universal, da qual se espera extrair uma sensação incomum ou pessoal – um algo que seja só nosso. Vai-se reconhecendo os marcos dos predecessores, excitado, divertindo-se, aceitando a boa como a má sorte – as rosas e os espinhos, como se costuma dizer -, o pitoresco lote padrão, que guarda tantas possibilidades para os merecedores, ou talvez para os afortunados. Sim. Vai-se adiante. E o tempo, também, caminha - até que se percebe logo adiante uma linha de sombra avisando-nos que também a região da mocidade deverá ser deixada para trás. Este é o período da vida no qual os tais momentos de que falei costumam aparecer. Que momentos? Ora, os momentos de tédio, de desânimo, de insatisfação. Momentos temerários. Quero dizer, momentos em que os ainda jovens estão propensos a cometer gestos temerários, como casar-se de repente ou então abandonar um emprego sem motivo algum. Esta não é uma história de casamento. Não foi assim tão ruim comigo. Meu gesto, temerário que foi, teve mais a natureza de um divórcio - quase uma deserção. Sem motivo algum que uma pessoa razoável pudesse apontar, larguei meu emprego - descartei o meu posto -, deixei o navio do qual o pior que se poderia dizer era que, sendo um navio a vapor, talvez não fizesse jus àquela lealdade cega que... Entretanto, de nada adianta dourar uma pílula que, já naquela época, eu mesmo quase suspeitava ser um capricho. Era um porto oriental. Ele era um navio oriental porquanto pertencesse, então, a um porto oriental. Ele comerciava pelas ilhas escuras sobre um mar azul rasgado por recifes, com a bandeira vermelha da marinha mercante inglesa sobre a grinalda de popa e, no calcês, a bandeira da companhia de navegação, também vermelha, mas com beiradas verdes e uma lua crescente. É que o proprietário era árabe e, aliás, da nobreza muçulmana. Ele era o cabeça de uma grande estirpe de árabes das colônias britânicas, mas um súdito tão fiel do complexo império britânico quanto era possível encontrar a leste do canal de Suez. Política internacional não o preocupava nem um pouco, mas ele tinha um grande poder oculto entre os de seu povo. Para nós pouco importava quem era o proprietário do navio. Ele tinha que empregar homens brancos na parte de navegação do seu negócio, e muitos daqueles que empregava nunca puseram olhos nele do primeiro ao último dia. Eu mesmo o vi apenas uma vez, por mero acaso, num cais - um velho e escuro homenzinho, cego de um olho, vestindo uma túnica alva e sapatas amarelas. Sua mão estava sendo impiedosamente beijada por camponeses malaios a quem ele havia feito algum favor em forma de comida e dinheiro. Sua caridade, ouvi dizer, era praticada extensivamente, abrangendo quase todo o arquipélago. Pois não se diz que: "O homem caridoso é amigo de Alá"? Excelente (e pitoresco) proprietário árabe, sobre o qual não se precisava dar tratos à bola; um realmente excelente navio escocês - pois é isto o que era da quilha até em cima -, excelente embarcação marítima, fácil de conservar limpa, muito prática em todos os sentidos, e, não fosse pela sua propulsão interna, digna do amor de qualquer homem. Eu cultivo até os presentes dias um enorme respeito pela sua memória. Quanto ao ramo de comércio em que ela atuava e o caráter dos meus companheiros de bordo, eu não poderia ter sido mais feliz se tivesse a vida e os homens feitos sob encomenda para mim por um benevolente Feiticeiro. E subitamente abandonei tudo isto. Eu abandonei tudo daquele modo, para nós, inconseqüente, pelo qual um pássaro voa para longe de um galho confortável. Era como se, todo incompreensão, eu tivesse ouvido um sussurro ou visto algo. Bem - quem sabe! Num dia eu estava perfeitamente bem, no outro tudo me havia fugido - encanto, sabor, interesse, alegria, tudo. Era um daqueles momentos, você sabe. O verde mal do fim da juventude desceu sobre mim e levou-me embora. Levou-me embora daquele navio, é o que quero dizer. Éramos apenas quatro homens brancos a bordo, com uma tripulação grande de marinheiros malaios, e dois contramestres malaios. O Capitão encarou-me como se tentasse adivinhar o que me afligia. Mas ele também era marinheiro, e ele também fora jovem certa época. Logo um sorriso insinuou-se por baixo de seu bigode farto, cinza-aço, e ele observou que, é claro, se eu achava que tinha de ir, ele não iria reter-me pela força. E ficou arranjado que eu receberia baixa na manhã seguinte. Enquanto eu saía do camarim de navegação ele acrescentou subitamente num tom peculiar, ansioso, que esperava que eu encontrasse aquilo por que estava tão ansioso para sair e procurar. Uma frase suave, enigmática, que pareceu alcançar mais fundo do que qualquer ferramenta com ponta de diamante poderia chegar. Eu sinceramente creio que ele entendeu o meu caso. Mas o segundo engenheiro atacou diversamente. Ele era um jovem e robusto escocês, com rosto sereno e olhos claros. Seu semblante honesto e vermelho emergiu da gaiúta da escotilha da sala das máquinas, e logo depois o robusto indivíduo inteiro, de mangas arregaçadas, lentamente limpando os maciços antebraços com um chumaço de estopa. E seus olhos claros exprimiam amargo desgosto, como se nossa amizade tivesse sido reduzida a cinzas. Ele falou dando peso às palavras: - Ah! Sim! Eu já estava mesmo pensando que era tempo de você correr para casa e se casar com alguma menina tonta. Tinha-se por entendimento tácito no porto que este John Nieven era um misógino feroz; e o caráter absurdo do chiste convenceu-me de que sua intenção fora ser maldoso - muito maldoso -, ele quis realmente dizer a coisa mais arrasadora em que conseguisse pensar. Meu riso soou suplicante. Ninguém a não ser um amigo ficaria assim tão zangado. Eu fiquei um pouco aborrecido. Nosso maquinista chefe também viu meu gesto de um modo característico, mas num espírito mais gentil. Ele era jovem também, mas muito magro, e com uma névoa fofa de barba marrom em volta do rosto descarnado. O dia todo, no mar ou no porto, ele poderia ser pego andando apressadamente para cima e para baixo no tombadilho, adotando uma expressão intensa de enlevo espiritual, que era causada por uma perpétua consciência de desagradáveis sensações físicas em sua economia interna. Pois ele era um dispéptico inveterado. O modo como via meu caso era muito simples. Declarou que não era nada mais do que disfunção hepática. É óbvio! Ele sugeriu que eu ficasse para mais uma viagem e no meio tempo me medicasse com um certo remédio garantido, no qual ele mesmo tinha absoluta confiança. - Digo a você o que farei. Compro-lhe dois vidros do meu próprio bolso. Aí está. Não existe proposta mais justa do que essa, ou existe? Creio que ele teria perpetrado a atrocidade (ou generosidade) ao menor sinal de amolecimento da minha parte. Entretanto, eu estava naquela época mais descontente, mais desgostoso e intratável do que nunca. Os dezoito meses que haviam se passado tão cheios de novas e variadas experiências pareciam-me um enfadonho e prosaico desperdício de dias. Eu sentia - como poderei expressá-lo? - que não havia uma verdade a ser extraída deles. Que verdade? Eu me veria numa situação bastante difícil se fosse obrigado a explicar. Provavelmente, se pressionado, teria simplesmente começado a chorar. Eu era jovem o suficiente para tanto.”
Comentários: Esta última obra-prima de Joseph Conrad marca o limite – tão indefinível e incompreensível, quanto inquietante e doloroso – que num determinado momento da vida configura, de modo irrevogável, o fim da juventude. Para o protagonista deste romance intenso, a ultrapassagem dessa fronteira coincide com uma experiência excepcional e dramática: oficial da marinha mercante, em seu primeiro comando se defronta com uma interminável calmaria no clima insalubre dos mares do Sudoeste Asiático, enquanto vê sua tripulação ser dizimada por uma violente epidemia de febre.
À imobilidade cada vez mais ameaçadora e sinistra do navio contrapõe-se a intensificação, nos homens que o deveriam conduzir, de uma angústia e de um medo que deixam o comandante na desolada solidão de sua responsabilidade e de sua impotência. Nos dezessete dias de calmaria – metáfora de um tempo e de um espaço espantosamente concentrados –, ele parecerá atravessar todas as fases de uma existência, descobrindo a maravilha do terror, a ânsia irremediável nos sobressaltos de alegria ou ainda a sutil sensação de derrota que permeia um episódio de libertação.
Quando vencer essa situação, o comandante exibirá o traço indelével de uma ferida da alma, no fundo da qual encontrará confusa e corajosamente a consciência definitiva da condição humana.
Com domínio total da psicologia das personagens e da situação-limite que vivem, Joseph Conrad (1867-1924) reflete nesta novela, a partir de elementos de sua própria biografia, sobre o rito de passagem entre a juventude e a idade madura - passagem que ele mesmo experimentou ao abandonar a relativamente autônoma vida marítima pela incerta experiência literária.
Lançado ao mar para realizar uma travessia, a da juventude à vida madura. Não há cenário melhor do que o mar para se deixar de ser jovem, daquela maneira descuidada e ardente, nas palavras do autor, e tornar-se adulto, mais autoconsciente e pungente. O mar força a ação, querendo ou não, deve-se agir. Lidar com o vento, com a tripulação e com a própria consciência - inquiridora recorrente quando se está no meio de um oceano - são "momentos de precipitação" oportunos nesse caminho do qual se pode afastar-se, mas não escapar. Dele não fugiu um rapaz polonês, que aos 21 anos já perdera os pais, tentara o suicídio e se aventurara em navios mercantes. Essa não é descrição de mais uma personagem, mas sim do próprio autor. Conrad esteve nos lugares que descreve tão bem; conheceu figuras enigmáticas, como o capitão Gilles, paranóicas, como Mr. Burns e prestimosas, como Gambril. E, como muitos de seus heróis, rearrumou a memória e narrou o que viu, ouviu e viveu.
Concluindo: A linha de sombra é um daqueles romances cuja compreensão depende de uma percepção da vida dificilmente acessível aos mais jovens, posto que (palavras de Conrad): "É um privilégio do começo da juventude viver adiante de seus dias, em toda a bela continuidade de esperança que não conhece pausas ou interrupções." Privilégio que não se pode prorrogar, sob pena de fazer da vida uma simulação, uma tentativa de congelar o que já não existe, já passou.
Sobre o autor: Joseph Conrad, cujo verdadeiro nome era Teodor Józef Konrad Korzeniowski, nasceu em 1857, na Ucrânia, numa família polonesa, e morreu em Bishopsbourne, Inglaterra, em 1924. Aos 17 anos, abraçou o ofício de marinheiro, tendo embarcado para Marselha e dali passou a viver nos mares em navios franceses e, mais tarde, ingleses.
Em 1884, obteve licença de comandante de longo curso e naturalizou-se inglês, com o nome de Joseph Conrad. Cumpriu toda a carreira de oficial da marinha mercante, atravessando os oceanos do mundo todo, sobretudo na Ásia, na África e na Oceania.
Em 1894, abandonou o mar e fixou-se na Inglaterra, dedicando-se à literatura após o sucesso de seus primeiro romance, A Loucura de Almayer (1895). Em sua vasta produção literária (ao todo, 23 volumes de romances, novelas e contos), destacam-se O Negro do Narciso (1898), Lord Jim (1900), O Coração das Trevas (1902), Tufão (1903), Nostromo (1904), O Agente Secreto (1907), A Linha de Sombra (1917) e A Flecha de Ouro (1919).