sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O TRIVIUM

Título original: The Trivium, The Liberal Arts of Logic, Grammar, and Rhetoric
Autor: Irmã Miriam Joseph
Tradutor: Henrique Paul Dmyterko
Assunto: Educação Clássica
Editora: É Realizações
Edição: 1ª
Ano: 2008 (Original de 1937)
Páginas: 320

Sinopse: O livro guia o leitor através de um claro e rigoroso estudo de lógica, gramática e retórica. Uma apresentação da gramática geral, proposições, silogismo, entimemas[1], falácias, poética, linguagem figurativa e discurso métrico - acompanhado de gráficos facilmente compreensíveis e vivificados por exemplos de Shakespaeare, Milton, Platão e outros - fazem do Trivium um livro perfeito para professores, estudantes, pesquisadores e todos os que levam a sério o estudo da linguagem.
[1] [Do gr. enthýmema, pelo lat. enthymema.] S. m. Lóg. 1. Silogismo em que se subentende uma premissa; silogismo truncado, incompleto.


Prefácio


No Brasil nunca se comemorará em excesso o lançamento de uma obra fundacional como O Trivium, da irmã Miriam Joseph (1898-1982), já que não é todo dia que a indústria editorial nacional arrisca penetrar na pretensa selva escura do medievo. O desprezo da intelectualidade nacional pelos assuntos da Idade Média é a razão da esquelética oferta por aqui de obras escolásticas, comparadas por Erwin Panofsky[1] às próprias catedrais góticas, e a explicação do nosso tímido vol d´oiseau por sobre os fundamentos civilizatórios do Ocidente, entre eles a própria idéia de educação no sentido de Paidéia, de formação.

Curiosamente, nada deveria parecer mais enigmático ao cidadão brasileiro medianamente informado, que vive por aí a falar em idade das trevas, do que o escandaloso fiasco deste monstrengo chamado sistema nacional de ensino. No Brasil, depois de seqüestrarmos as crianças de suas casas pelo menos cinco horas por dia e gastarmos com elas um quarto do orçamento, descobrimos, oito anos depois, atônitos, que a maioria não sabe ler... E isto apesar de todas as siglas atrás das quais se esconde a bilionária incompetência pública.

O enigma da baixíssima eficiência do ensino, que não é fenômeno exclusivamente brasileiro, foi em parte resolvido na década de 1970 pelo padre austríaco Ivan Illich (1926-2002) que propôs a sociedade sem escolas tout court. A tese de Illitch, cujo mérito avulta na proporção direta do fracasso educacional geral, é que o sistema de ensino não tem por objetivo realmente educar, mas somente distribuir socialmente os indivíduos, por meio do ritual de certificados e diplomas. A escola formal, esta que Illitch deseja suprimir, não é um meio de educação, mas um meio de “promoção” social, fato que as pessoas humildes revelam perceber quando insistem com o Joãozinho: estude, meu filho, estude...

Como se vê, vamos decifrando o mistério à medida que desprezamos a falsa equação entre ensino e educação. O sistema de ensino não produz educação, porque está ocupado demais em produzir documentos. Educação terá de ser buscada preferencialmente alhures, fora do sistema. É claro, sempre haverá um professor ou outro que, valendo-se da apatia do sistema, dará por sua própria conta, aulas magistrais e educará de fato, contanto que seus alunos o desejem, o que, obviamente, nem sempre é o caso.

Temos aí uma espécie de lei geral com correlação inversa: a capacidade de educar alguém é inversamente proporcional à oficialidade do ato e diretamente proporcional à liberdade de adesão do educando. A educação prospera mais quando se a procura livremente. Este é o sentido da palavra “liberal” (de líber, livre) nas Sete Artes “liberais” da Idade Média, que eram ensinadas ao homem livre, por oposição às artes “iliberais”, ensinadas ao homem “preso”, controlado por guildas. Estas corporações de ofícios faziam grosseiramente o papel do sistema de ensino moderno, regulando privilégios econômicos e sociais.

Não só não existiu na Idade Média nenhuma obrigação estatal de ir à escola para aprender as Sete Artes, como ninguém imaginava usar este conhecimento como alavanca para forçar os ferrolhos do mercado de trabalho. Para ficar mais claro, com a licença da comparação, a diferença entre o ensino e a educação é a mesma que há entre a polícia e o detetive particular do cinema. A primeira tem a obrigação de desvendar o crime, por isso precisa parecer que o está resolvendo e, enquanto tem todo esse trabalho de fingir, só consegue esclarecer uns poucos casos pingados. O detetive resolve todos porque está aí para isso mesmo e vai até as últimas conseqüências, acabando sempre com o olho roxo.

Tamanha despretensão econômica certamente soa estranhíssima aos modernos, que julgam tudo sob o ponto de vista da quantidade e imaginam que entre a educação medieval e a moderna só exista uma diferença de quantum. Na verdade, a diferença é de tal dimensão qualitativa que, no contrapé desse engano, perdeu-se de vista a própria idéia de educação, hoje entendida como adestramento coletivo de modismos politicamente corretos (a tal da “escola cidadã”). Nos tempos das “trevas”, educação era simplesmente ex ducare, isto é, retirar o sujeito da gaiolinha em que está metido e apresentar-lhe o mundo. Como já se disse, nem sempre o que vem depois é melhor.

A primeira condição para entender O Trivium da irmã Miriam Joseph, editado pela primeira vez no Brasil na corajosa e esmerada tradução de Henrique Paul Dmyterko, é entender que ensinar gramática, retórica e lógica fazia parte de um verdadeiro projeto de educação de que não há equivalente no mundo moderno.

As Sete Artes liberais da Idade Média, divididas em trivium (gramática, retórica e lógica) e quadrivium (aritmética, música, geometria e astronomia), tomaram esta forma por volta do ano oitocentos, quando se inaugurou o império de Carlos Magno, primeira tentativa de reorganizar o Império Romano, e são o resultado de lenta maturação a partir de fontes pitagóricas e possivelmente anteriores, com decisivas influências platônicas, aristotélicas e agostinianas e complementações metodológicas de Marciano Capela (início do século V), Severino Boécio (480-524) e Flávio Cassiodoro (490-580), até chegar em Alcuíno (735-804), o organizador da escola carolíngia em Aix-em-Chapelle.

Como essas Sete Artes estão vinculadas a conhecimentos tradicionais, apresentam grandes simetrias com outros aspectos da estrutura da realidade, permitindo, por exemplo, analogia com o sentido simbólico dos planetas, relacionando a retórica com Vênus; a gramática com a Lua; a lógica com Mercúrio; a aritmética com o Sol; a música com Marte; a geometria com Júpiter e a astronomia com Saturno. Que ninguém pense, portanto, que haja arbitrariedade na concepção septenária do sistema, Simbolicamente, o sete representa, como ensina Mário Ferreira dos Santos,[2] “a graduação qualitativa do ser finito”, isto é, um salto qualitativo, uma libertação, como um sétimo dia de criação que abre um mundo de possibilidades. Como se poderia representar a educação melhor do que por esse simbolismo?

O estudante das Artes começava a vida escolar aos quatorze anos (tardíssimo para os padrões modernos, mas não era sem alguma sabedoria), participava de um regime de estudo flexível com grande liberdade individual e vencia em primeiro lugar os “três caminhos” do trivium, mais tarde descritos por Pedro Abelardo (1079-1142) como os três componentes da ciência da linguagem. Para Hugo de São Vitor (1096-1141), no Didascálicon, “a gramática é a ciência de falar sem erro. A dialética[3] é a disputa aguda que distingue o verdadeiro do falso. A retórica é a disciplina para persuadir sobre tudo o que for conveniente”.[4] A irmã Miriam Joseph, muito acertadamente, diz no primeiro capítulo que “o trivium inclui aqueles aspectos das artes liberais pertinentes à mente, e o quadrívium, aqueles aspectos das artes liberais pertinentes à matéria”. No entanto, ninguém expressou com mais contundência o valor das Artes como Honório de Autun (Ca. 1080-1156), com a famosa fórmula: “O exílio do homem é a ignorância, sua pátria a ciência (...) e chega-se a esta pátria através das artes liberais, que são igualmente cidades-etapas.”[5]

De fato, uma vez vencido o desafio da mente, o trivium, o estudante medieval passava ao quadrívium, o mundo das coisas, e, dele, lá pelos vinte anos, se pudesse e quisesse, para a educação liberal superior que, na época, se resumia a teologia, direito canônico e medicina, as faculdades das universidades do século XIII. As profissões de ordem artesanal, como construção civil, não eram liberais, mas associadas a corporações de ofícios, como a dos mestres-construtores, às vezes com conotações iniciáticas (maçons).

O trivium, de fato, funcionava como a educação medieval, ensinando as artes da palavra (sermocinales), a partir das quais é possível tratar os assuntos associados às coisas e às artes superiores. A escolástica, o mais rigoroso método filosófico já concebido, e que floresceria, sobretudo no século XII, foi construída sobre os alicerces do trivium: a gramática zela para que todos falem da mesma coisa, a dialética problematiza o objeto de discussão (disputatio) e a lógica é o antídoto certo contra a verborragia vazia, o conhecido fumus sine flamma.

A expressão universitária americana master-of-Arts guarda, até hoje, resquícios dessa graduação inicial, base dos estudos superiores, que convergiam para o doutorado (no sentido medieval, não no sentido moderno). A faculdade de Artes liberais, freqüentemente associada às universidades medievais, sem ser um curso superior propriamente dito, era o que lhe dava sustentação e de certo modo bastava-se a si própria. Explica Jacques Le Goff:

Lá (na faculdade de Artes) é que se tinha a formação de base, daquele meio é que nasciam as discussões mais apaixonadas, as curiosidades mais atrevidas, as trocas mais fecundas. Lá é que podiam ser encontrados os clérigos pobres que não chegaram até a licença, muito menos ao custoso doutorado, mas que animavam os debates com suas perguntas inquietantes. Lá é que se estava mais próximo do povo das cidades, do mundo exterior, que se ocupava menos em obter prebendas e em desagradar a hierarquia eclesiástica, que era mai vivo espírito leigo, que se era mais livre. Lá é que o aristotelismo produziu todos os seus frutos. Lá é que se chorou como uma perda irreparável a morte de Tomas de Aquino. Foram os artistas que, numa carta comovedora, reclamaram da ordem dominicana os despojos mortais do grande doutor. O ilustre teólogo foi num deles.[6]

Cada elemento do trivium contém potencialmente as habilidades filosóficas da vida intelectual madura. Esta é a razão pela qual o projeto educacional da irmã Miriam, profundamente influenciado pelo filósofo americano Mortimer Adler (1902-2001), foi concebido como preparação de estudantes para a vida universitária, fosse qual fosse o curso. Em 1935, quando incorporado ao currículo do Saint Mary´s College, o curso “The Trivium” era exigido de todos os calouros e durava dois semestres, com aulas cinco vezes por semana. Santo Agostinho (354-430), mil e setecentos anos antes, havia feito, a seu modo, a mesma tentativa de preparação intelectual com sua “Doutrina Cristã”, uma espécie de iniciação intelectual para estudar as Escrituras.

Na prática e salvo engano, no mundo moderno, a única tentativa de recuperar o espírito do trivium foi a parceria da irmã Miriam Joseph com Mortimer Adler. Este querendo restaurar a cultura clássica na universidade americana e aquela preparando o aluno para poder debater os conteúdos dos grandes autores com precisão gramatical e coerência, concordando com Heráclito,[7] que pregava a seus alunos a impossibilidade da retórica sem a lógica.

O mundo moderno, Brasil incluído, hipnotizado pelo esquema do ensino universal, perdeu completamente de vista a conotação individual e “iniciática” que é a alma da verdadeira educação e a essência do trivium. Mesmo nos Estados Unidos, a experiência da irmã Miriam Joseph ficou restrita a pequeno grupo de universidades católicas. Por aqui, quase não há interlocutores capacitados para debater o assunto.

Mesmo sem pretender tratar aqui o fenômeno tão complexo, registre-se que o sistema educacional tradicional entrou em declínio já no século XIV, lentamente minado por fora e por dentro, sob a orquestração do nascente “humanismo”, até desabar no Renascimento, pela mão do teólogo místico checo Jean Amos Comenius (1592-1670), que, na principal obra, Magna Didactica, não apenas faz pouco das Sete Artes como estabelece as bases pedagógicas modernas, desenhadas para fins de ensino e não de educação. Entre outras coisas, Comenius inventou a jardim da infância. Na advertência ao leitor, que abre sua Magna Didactica, o teólogo rascunha o plano mestre de seu admirável mundo novo pedagógico.

Ouso prometer uma grande didática, uma arte universal que permita ensinar todos com resultado infalível, de ensinar rapidamente, sem preguiça ou aborrecimento para alunos e professores; ao contrário, com o mais vivo prazer. Dar um ensino sólido, sobretudo não superficial ou formal, conduzindo os alunos à verdadeira ciência, aos modos gentis e à generosidade de coração. Enfim, eu demonstro tudo isso a priori, com base na natureza das coisas. Como de uma nascente correm os pequenos riachos que vão unir no fim num único rio, estabeleci uma técnica universal que permite fundar escolas universais.[8]

Mesmo uma análise rápida desta declaração descobrirá nela o DNA da pedagogia moderna nas suas características estruturantes: triunfalismo, epicurismo, massificação do ensino, uniformização do conteúdo, automatização da aprendizagem e insensibilidade às individualidades. A UNESCO, naturalmente, homenageia Comenius com sua maior condecoração. Se a miséria do ensino moderno tem pai, seu nome é Comenius. E se alguma coisa vai na direção contrária do trivium é esta “natureza das coisas” de onde vêm estas “escolas universais” e cujo resultado até agora pare ter se limitado a produzir milhões de indivíduos idiotizados.

Visto desta perspectiva histórica, O Trivium, este tesouro redescoberto pela irmã Miriam Joseph, é maus que um manual para desenvolver a inteligência, é uma luz brilhando na escuridão dos abismos em que atiramos a verdadeira educação.


José Monir Nasser


[1] Erwin Panofsky, Arquitetura gótica e escolástica. São Paulo, Martins Fontes, 1991.
[2] Mário Ferreira dos Santos, Tratado de Simbólica. São Paulo. É Realizações, 2007.
[3] Depois da redescoberta da “nova lógica” de Aristóteles, no séc. XII, passou a se denominar lógica.
[4] Hugo de São Vitor, Didascálicon. Petrópolis, Vozes, 2001.
[5] Em Jacques Le Goff, Os intelectuais na Idade Média. Rio de Janeiro, José Olympio, 2003, p. 84.
[6] Ibid., pp. 144-45.
[7] Em Ernesto Sábato, Heteredoxia. Campinas, Papirus, 1993, p. 120.
[8] Em Jean-Marc Berthoud, Jean Amos Comenius et les sources L´idéologie pédagogique. Tradução de José Monir Nascer.

A PALESTRA


sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

PROMETEU ACORRENTADO

Autor: Ésquilo (525 a.C. – 456 a.C.)
Tradução: Mário da Gama Kury
Assunto: Tragédia grega
Editora: Jorge Zahar Editor
Edição: 5ª
Ano: 2004
Páginas: 68

Sinopse: Zeus, rei dos deuses e dos homens, acabara de assumir o poder após a titanomaquia (luta que elevou os deuses olímpicos ao poder). Soberano despótico e parricida manda acorrentar Prometeu, seu antigo aliado, em um rochedo culpando-o de muitos "crimes" a favor dos mortais. O mais grave dentre eles foi o de roubar o fogo dos deuses para dá-lo aos homens.

Por isso Zeus ordena que Prometeu seja acorrentado por 30 mil anos a um rochedo, onde uma ave vem diariamente dilacerar-lhe o fígado, que se regenera noite. No entanto, apesar das súplicas que alguns deuses fazem a Prometeu para que ele vá se redimir humildemente com Zeus, ele se recusa, afirmando que o pai dos deuses ainda necessitará de sua ajuda. Prometeu diz que sabe de um segredo que ameaça o reinado de Zeus: o filho deste num casamento próximo o destronará e somente ele sabe como impedi-lo. Porém, recusando-se a revelar como, é condenado a um castigo ainda mais mais severo.

Personagens:

Todas as personagens são divinos: a tragédia é uma teomaquia, i.e., uma disputa entre os próprios deuses. Há um intenso conflito de personalidade entre Prometeu e Zeus, este ausente do palco.

- PROMETEU: Um titã filho Urano (o Céu) e Gaia (a Terra).
- HEFESTO: Deus do fogo, dos metais e da metalurgia; filho de Zeus, irmão de Hermes.

- CRATOS: Filho de Palas; personificação do poder de Zeus.
- CORO: As jovens Oceanides, filhas de Oceano e primas de Prometeu.
- OCEANO: Titã que personificava as águas primitivas que cercam o mundo; tio de Prometeu e pai das oceânides.
- : filha do rei Ínaco, amada por Zeus e perseguida por Hera esposa de Zeus (Io é a única personagem humana na história; todos os demais não são humanos, são deuses).
- HERMES: Mensageiro dos deuses, protetor dos viajantes e condutor das almas dos mortos ao Hades; filho de Zeus, irmão de Hefesto.
- FIGURANTE: Bias, irmão de Cratos.

A OBRA:

A ação do Prometeu acorrentado transcorre numa região desolada da Cítia[1], Hefesto, o Poder e a Força, divindades auxiliares de Zeus, chegam arrastando o titã Prometeu, vítima da ira deste último deus. Hefesto prega-o num rochedo, observado pelo Poder, que vigia o deus do fogo, constrangido com sua missão, e o anima com a alegação de que Prometeu se rebelara contra a vontade divina com o intuito de ajudar a humanidade primitiva. Cumprida a missão, Hefesto, o Poder e a Força retiram-se abandonando Prometeu em sua agonia solitária. Rompendo o silêncio, o titã filantropo proclama sua indignação diante do céu, do mar e da terra em sua volta. Este monólogo cessa quando se ouve um ruído de asas e em seguida aparecem as Oceanides, ninfas do mar quem constituem o coro (voz do povo), despertadas pelo ruído do martelo contra os cravos quando Hefesto prendia o titã ao rochedo. Elas tentam animar Prometeu, que lhes conta como Zeus, graças a ele, conseguiu derrotar os outros titãs e tornar-se o novo soberano dos deuses. Isto feito, Zeus consolidou seu poder absoluto e resolveu destruir a humanidade para criar uma nova raça. Prosseguindo em sua narração Prometeu diz que, por amor às criaturas humanas, conseguiu salvá-las da destruição e lhes deu o fogo por ele roubado do céu, permitindo assim o início da civilização.

Aparece então Oceano, pai das Oceanides, um titã que se manteve afastado do conflito com Zeus. Ele deseja ver Prometeu livre de seus grilhões, e o aconselha a curvar-se diante do novo soberano. O prisioneiro ouve polidamente o conselho, mas não o aceita. O visitante retira-se, enquanto o coro comenta as lamentações de todos os mortais por causa do suplício de seu protetor. Em seguida Prometeu relembra as artes por ele inventadas para aliviar as misérias da condição humana. O coro pergunta se o titã acorrentado tem esperanças de libertar-se, e ele menciona vagamente uma possível queda de Zeus. Em seguida, celebra o poder soberano dos deuses e demonstra a estranheza diante da obstinação de Prometeu. Aparece então Io, uma mortal amada por Zeus, e, a pedido do coro, Prometeu revela o estranho infortúnio da moça: diante das investidas amorosas de Zeus contra ela, Hera, mulher dele, transformou Io em novilha e mandou que um moscardo passasse a segui-la por todos os caminhos da terra, picando-a incessantemente. Prometeu profetiza a continuação de suas caminhadas errantes, que iriam terminar no Egito, e fala com maior clareza na queda de Zeus, narrando ainda as andanças passadas de Io, concluindo com a profecia de que no Egito ela daria à luz um filho de Zeus chamado Épafo. Prosseguindo, Prometeu revela que um arqueiro corajoso (Heracles) o libertaria depois de decorridas várias gerações. Repentinamente, num acesso de desespero, Io sai correndo. O coro canta os perigos oriundos das uniões de mortais com divindades. Prometeu reitera a sua previsão de que Zeus será destronado por um filho dele.

Entra em cena Hermes, o deus mensageiro de Zeus, pedindo ao infeliz titã para revelar-lhe o segredo fatídico em relação à queda de Zeus. Tratado desdenhosamente por Prometeu, Hermes anuncia-lhe torturas ainda mais cruéis; a águia que devoraria a cada dia seu fígado, que se recomporia também diariamente, e um cataclismo que o lançaria no Hades. As Oceanides insistem para que Prometeu se submeta a Zeus, mas quando Hermes anuncia que se não se afastassem do titã elas também sofreriam, negam-se altivamente a dar-lhe ouvidos. Ocorre, então, o cataclismo, durante o qual prometeu desaparece juntamente com as Oceanides.

Comentários: Prometeu Acorrentado é a única tragédia que sobreviveu de uma trilogia que teria, na ordem de apresentação, Prometeu Acorrentado, Prometeu Libertado e Prometeu Portador do Fogo.
Prometeu (Prometheus em grego) significa "o que pensa antes".

A figura trágica de Prometeu constitui um dos mitos gregos mais presentes na cultura ocidental. Prometeu pertencia à estirpe dos Titãs, descendentes de Urano (o Céu) e Gaia (a Terra). O poeta Hesíodo relatou, em sua Teogonia, como Prometeu roubou o fogo escondido no Olimpo para entregá-lo aos homens. O fogo que Prometeu roubou simboliza a Inteligência. A razão dessa atitude consiste no seguinte: Epimeteu, irmão de prometeu fora encarregado da tarefa de dar a todos os animais uma autodefesa. Entretanto, Epimeteu esquece-se dos humanos. Prometeu para compensar o esquecimento do irmão, dá aos humanos o fogo que simboliza a inteligência, portanto, a única autodefesa que os humanos têm. Para castigá-lo, Zeus enviou-lhe a bonita Pandora, portadora de uma caixa que, ao ser aberta, espalharia todos os males sobre a Terra. Como Prometeu resistiu aos encantos da mensageira, Zeus o acorrentou a um penhasco, onde uma águia devorava diariamente seu fígado, que se reconstituía. Lendas posteriores narram como Hércules matou a águia e libertou Prometeu. Na Grécia, havia altares consagrados ao culto a Prometeu, sobretudo em Atenas. Nas lampadofórias (festas das lâmpadas), reverenciavam-se ao mesmo tempo Prometeu, que roubara o fogo do céu, Hefesto, deus do fogo, e Atena, que tinha ensinado o homem a fazer o óleo de oliva.

A cena se passa na Cítia, situada por Heródoto a nordeste do Mar Negro, território onde se situa atualmente a maior parte da Rússia. Segundo um antigo comentador da peça, Prometeu havia sido aprisionado por Zeus há mais de 30.000 anos...

Por ordem de Zeus, Hefesto, deus do fogo, prende Prometeu a uma rocha na inóspita Cítia; Cartos supervisiona seu trabalho. Prometeu lamenta-se, mas diz que previu tudo, sabe o que irá acontecer no futuro e que Zeus ainda precisará dele. O Coro (sempre representa a voz do povo) chega e lamenta a sorte de Prometeu, que volta a dizer que no futuro Zeus dependerá de seu auxílio.

Prometeu relata ao Corifeu a luta de Zeus contra os titãs, como evitou que a humanidade fosse destruída por ele, e os benefícios que obteve para os mortais. Oceano vem visitá-lo, exorta-o a dirigir-se com humildade a Zeus e diz que tentará interceder em seu favor, mas Prometeu o dissuade.

O Coro lamenta novamente o destino de Prometeu; ele conta que todas as artes vieram aos homens através dele: a construção de casas e navios, a domesticação de animais, a escrita, os números, os remédios, a adivinhação, etc. O Coro diz que é perigoso contrariar Zeus, e recorda as núpcias de Prometeu.

Chega a errante Ió, na forma de uma novilha, perseguida desde Argos pela incessante picada de um inseto enviado pela ciumenta Hera. Ela conta a Prometeu e ao Coro suas desventuras, e Prometeu revela as coisas que irão acontecer-lhe até chegar ao seu destino, o Egito, e que um de seus descendentes o libertará um dia. Ió foge, aguilhoada pela picada do inseto.

O Coro canta que "o bem supremo é a mulher se casar segundo a própria classe", e esperam que Zeus nunca olhe para elas.

Prometeu revela finalmente ao Corifeu que o filho gerado por Zeus em um casamento próximo o destronará, e que somente ele sabe como impedi-lo. Hermes aparece e interroga-o, mas Prometeu orgulhosamente recusa-se a revelar qualquer coisa. Hermes avisa que Zeus lhe dará novos castigos: um trovão o lançará no fundo da terra e, quando voltar à luz, uma águia virá diariamente comer-lhe o fígado. Prometeu recusa-se novamente, e diz que já ouve o trovão de Zeus aproximar-se... (a história é inconclusa).

A continuação da história provavelmente se encontra na obra Prometeu Libertado da qual, lamentavelmente, só se encontram alguns fragmentos. Especula-se que Prometeu se reconcilia com Zeus.

Sentido da história: A história representa o eterno conflito entre dois poderes: o Poder Temporal (Zeus) e o Poder Espiritual (Prometeu). Zeus representa o poder temporal porque, embora rei dos deuses e dos homens, não possuía a capacidade de prever o futuro, enquanto Prometeu sim.

Conclusão: O mundo manifestado vive o eterno conflito entre o Poder Temporal e o Poder Espiritual há mais de 2.500 anos. Considerando que o ser humano se encontra entre dois mundos: o Firmamento de Luzes (A Lei de Deus) e o Abismo de Trevas (A Lei dos Homens) a sua existência no mundo sensível, portanto real será eternamente conflituosa. Trata-se de um problema insolúvel para a humanidade, porque ambas as Leis são necessárias ao homem. A única saída possível é o respeito a hierarquia (ordem sagrada) do Poder Temporal ao Poder Espiritual. Em outras palavras: Enquanto a Lei dos Homens não considerar a hierarquia da Lei Divina, o conflito permanecerá eternamente.

Não será matando Deus, como o socialismo marxista fez, que a Paz e a Felicidade reinarão sobre a face da Terra. Em todo mundo, há exemplos fracassados de que não é possível realizar qualquer projeto humano sem considerar a possibilidade Divina.

[1] Região remota e deserta, corresponde à maior parte da atual Rússia na direção do oriente, cujos limites eram muito bem definidos. De suas montanhas podia-se ver o mar Negro (o antigo Ponto Euxino) e o mar de Azov (antigo Palos Meótis).

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A ILHA

Título Original: Island
Autor: Aldous Huxley
Tradução: Gisela Brigitte Laub
Editora: Globo
Assunto: Romance (Literatura estrangeira)
Edição: 1ª
Ano: 2001
Páginas: 443

Sinopse: A Ilha traz a história de um jornalista, Will Faranaby, e seu encontro com uma sociedade baseada na “liberdade”. Tal paraíso fica em Pala, uma ilha situada na Indonésia.

Aldous Huxley fala de uma sociedade idealizada tendo uma ilha fictícia como palco de uma civilização que persegue serenamente a felicidade. Lá a utopia da existência plena é possível.

A Ilha é o mundo criado pelas utopias psicoterapêuticas e orientalistas dos anos 50-60. Huxley captou antecipadamente a loucura por trás de tudo isso, e é precisamente essa antevisão que dá o tema deste romance.

Comentários: Escrito em 1962 é o penúltimo livro publicado por Aldous Huxley. Imagina-se, equivocadamente, que “A Ilha” encaixou como uma luva na atmosfera cultural americana da época, a fase hippie da contracultura, quando jovens de classe média, orientados por gurus como Timothy Leary, Allen Ginsberg, Robert Laing, Carlos Castañeda, Roberto Crumb, Herbert Marcuse (este marxista da Escola de Frankfurt), Jack Kerouac e Alan Watson, todos psicopatas congênitos como são os esquerdistas, questionavam os valores dominantes, como família, religião, moral e a guerra no Vietnã.

A sociedade da ilha de Pala, descrita na obra, foi recebida como uma síntese da sociedade utópica que estes jovens queriam opor à sociedade industrial de consumo que, paradoxalmente, havia tornado o cidadão americano médio rico como nunca. Acontece que, A Ilha, na verdade, é o mais temível inquérito sobre o auto-engano da geração que o aplaudiu. No ambiente de entusiasmo utópico da época, seria impossível que os leitores o compreendessem. Isso teria exigido deles um realismo cruel, que mesmo à distância de várias décadas ainda parece difícil de suportar, tão contaminados das ilusões e mentiras dos anos 60 permanecemos hoje. Daí que, deslizando sobre a superfície da narrativa, quase todos os leitores deixassem escapar os detalhes mais importantes, nos quais se esconde o sentido mesmo da última lição de um sábio.

O filósofo Olavo de Carvalho faz uma análise precisa desta obra que reproduzo a seguir:

Em primeiro lugar, a destruição de Pala não vem do exterior. É o próprio príncipe herdeiro, Murugan, quem atrai os estrangeiros para ajudá-lo no golpe militar destinado a romper o equilíbrio do paraíso agrícola e colocar o país, pela força, na modernidade industrial. Os ideais da “geração Woodstock”, com efeito, apenas usavam a linguagem do primitivismo agrícola como veículos de expressão de seu ódio à sociedade industrial, mas essa revolta era, ela própria, um fenômeno da intelectualidade urbana e universitária, e supunha uma dose de liberdade de expressão e meios de comunicação que seriam inconcebíveis em qualquer sociedade agrícola. Quando Murugan acusa os governantes de Pala de “conservadores e reacionários”, ele põe o dedo na ferida: os ideais que produziram Pala jamais poderiam ter surgido numa economia como a de Pala. A utopia não é destruída do exterior, mas explodida desde dentro, pela sua autocontradição congênita.

Em segundo lugar, os golpistas, tão parecidos com os militares do Terceiro Mundo nos seus métodos de modernização autoritária, nada têm de conservadores e tradicionalistas na sua ideologia. Murugan, bisneto do Velho Rajá, o fundador de Pala e autor do livro sapiencial em que se inspira o regime da ilha, acaba se voltando contra as tradições locais por influência de sua mãe, a rani Fátima, a qual durante sua formação cultural na Europa recebera a influência dos ensinamentos teosóficos de Helena Blavatsky, tornando-se devota dos “Mestres do Astral”, especialmente um tal Koot-Hoomi -- figura inconfundivelmente diabólica segundo todos os cânones da religião tradicional -- , em cima de cujas concepções se forma a aliança entre a família real de Pala e os militares de Rendang-Lobo. Ora, teosofismo e mensagens de Koot-Hoomi são elementos inconfundíveis da própria ideologia “New Age”. Embora já um tanto velhos na época, foram reaproveitados na onda geral de orientalismo pop com que o movimento dos jovens atacava e corroía as bases cristãs da sociedade Ocidental.

Os militares de Rendang-Lobo também não são, de maneira alguma, “a direita”. Estão ansiosos para fazer negócios com a Standard Oil só para poder comprar armas do bloco soviético e dar prosseguimento ao seu sonho macabro de “revolução permanente”. Seu chefe, o Cel. Dipa, é uma espécie de Chavez avant la lettre. Seu modernismo revolucionário representa a outra face da ideologia “jovem” dos anos 60: o lado brutal e sanguinário personificado pelos Black Panthers, por Ho-Chi-Minh e Fidel Castro. Pala não é destruída por seus inimigos, mas pela contradição interna da mais mentirosa ideologia de todos os tempos, a ideologia da esquerda norte-americana dos anos 60, que pretendia encarnar o espírito de “paz e amor” ao mesmo tempo que espalhava no mundo “um, dois, três, muitos Vietnãs”.

Ainda mais significativo é que a origem das concepções utópicas do regime de Pala remontasse à fusão de vagos remanescentes do budismo tântrico com as idéias de evolucionismo biológico trazidas, no século passado, por um médico escocês, meio sábio, meio charlatão, que adquirira prestígio na ilha curando uma misteriosa doença de seu governante por meio do “magnetismo animal”. Essa mistura de budismo heterodoxo, evolucionismo e magnetismo compõe a fórmula inconfundível do teosofismo de Madame Blavatsky. Assim, a raiz do utopismo anárquico de Pala e do modernismo autoritário de seu príncipe golpista é, rigorosamente, a mesma.

Para tornar as coisas ainda mais estranhas, o teosofismo de Blavatsky foi, notoriamente, um instrumento usado pelo imperialismo inglês para corroer as tradições religiosas autênticas das nações orientais e torná-las mais vulneráveis à dominação cultural estrangeira por meio de um entorpecente pseudo-espiritual fabricado em Londres por uma vigarista russa.

Pelo lado da ideologia palanesa, portanto, o lixo ancestral não é menos fedorento que o teosofismo explícito de Rendang-Lobo. Já no segundo capítulo do livro, o náufrago Will Farnaby, traumatizado pelo perigo recente, é curado de seus males pelo método freudiano da ab-reação no curso de uma psicoterapia improvisada... por uma garota de nove anos. Mary Sarojini MacPhail, a garota, neta do atual guru médico da ilha, resume na sua pessoinha os princípios de educação e ética ali vigentes: são os princípios do sincerismo, do “botar para fora”, que os “grupos de encontro” e as técnicas psicoterápicas de “sensibilização” e “liberação” disseminaram no mundo a partir de Esalen, Califórnia, e que marcaram inconfundivelmente a atmosfera dos anos 60. O festival de experimentos psíquicos e “liberações” desembocou no império mundial dos traficantes de drogas e na transformação da delinqüência juvenil (e infantil) numa catástrofe global de proporções incontroláveis. Na época, porém, prometia um novo mundo de espontaneidade e sanidade. Todas as crianças de Pala são versadas em “auto-expressão”, aquela confissão simplória e cínica dos próprios maus sentimentos que, teoricamente, os tornaria inofensivos. O fato é que a “auto-expressão”, ensinada em grupos-de-encontro por psiquiatras e psicoterapeutas “libertadores” nos conventos católicos, suscitou entre as monjas uma epidemia de lesbianismo e de casos amorosos com seus terapeutas, levando praticamente à destruição de várias ordens religiosas. De braços dados com o pseudo-orientalismo, a “libertação” psicoterápica abriu caminho para que milhões de jovens abandonassem o cristianismo e se entregassem às mais tirânicas manipulações psíquicas nas mãos de seitas delinqüenciais como “Love Family”, que, em nome da expressão espontânea das emoções, obrigava crianças de quatro anos de idade a submeter-se, junto com seus pais, à prática de sexo grupal. A imensidão dos danos psicológicos trazidos a essa geração jamais poderá ser medida exatamente. As tristezas e as vergonhas acumuladas são demasiado profundas para vir à tona. Documentos aterrorizantes acumulam-se, em pilhas, nos milhares de clínicas especializadas em tratamentos de egressos de seitas, sobretudo ao longo da Costa Oeste americana -- o lugar onde nasceria, segundo a promessa da época, a nova civilização de sanidade, paz e amor.

Os efeitos terrificantes, porém, não nasceram do mero acaso. Fruto e raiz têm sua continuidade lógica. Os “grupos-de-encontro” nasceram da pesquisa militar sobre guerra psicológica e controle comportamental. Um de seus pioneiros, Kurt Lewin, já na década de 40 havia chegado à conclusão de que a pressão sutil e disfarçada do grupo era o meio mais efetivo de produzir mudanças de comportamento. A lição foi bem aprendida por Carl Rogers, Fritz Perls, Abraham Maslow e outros criadores dos “grupos-de-encontro” da década de 60. A “liberação”, em suma, não passava de “engenharia do consentimento”. Lewin e seus sucessores haviam descoberto um tipo de controle comportamental infinitamente mais eficiente e irresistível do que todas as técnicas descritas no Admirável Mundo Novo. Como admitiu um dos praticantes do método, Robert Blake, ex-aluno de Lewin no Tavistock Institute de Londres (a principal academia inglesa de guerra psicológica), “não importa quanto o orientador desses grupos tente ser não-diretivo, ele será ainda sutilmente ditatorial e até mais ditatorial (por causa da sua sutileza) do que o mais rígido adestrador, porque todo o controle está escondido”.
Por uma coincidência que neste contexto adquire as dimensões de um símbolo, Blake dirigiu um desses grupos justamente na Standard Oil – a empresa com a qual o príncipe herdeiro Murugan está louco para fazer negócios.

Após presenciar uma sessão de “educação para o amor” das crianças de Pala, Will Farnaby, o visitante trazido pelo naufrágio, protesta: “Isto é puro Pavlov!”. O instrutor, com aquele ar beatífico de tantos lavadores de cérebros da década de 60, responde: “Pavlov usado exclusivamente com bom propósito. Pavlov para a amizade, para a confiança, para a compaixão.
Tanto pelas suas origens blavatskianas quanto pelos métodos de dirigismo sutil, a ideologia palanesa é irmã gêmea do autoritarismo de Rendang-Lobo. A Ilha não é a tragédia de um paraíso de liberdade destruído pela invasão de militares malvados: é a tragédia da autodestruição de uma utopia intrinsecamente má e mentirosa envolta em belas palavras.

No momento culminante da narrativa, Will Farnaby, finalmente rendido aos encantos da “religião sem dogmas” dos palaneses, resolve experimentar a moksha, a erva alucinógena ritual que, em vez de precipitar somente o consumidor num estado de apatetado bem-estar como o soma do Admirável Mundo Novo, lhe abriria as portas do conhecimento transcendental. Nos primeiros instantes, Will “vê a luz”, ou pelo menos pensa que vê. Mergulha num estado de beatitude indescritível e supõe ter conhecido o próprio Deus. De repente, a visão se transfigura. Abrem-se as portas do inferno: vermes horrendos aparecem misturados à figura de Adolf Hitler que gesticula e berra. A visão de Will mostra a verdadeira natureza da religião palanesa: uma religião de “experiências psíquicas”, incapaz de transcender a dualidade cósmica e elevar-se ao reino da eternidade. É a religião dos “grupos-de-encontro”, o substitutivo postiço que uma estratégia política oportunista quis substituir ao cristianismo. Tão logo Will emerge do transe, ele ouve os primeiros tiros do exército invasor: é a mentira essencial de Pala que se desfaz ao mesmo tempo que a falsa visão espiritual.

Poucos livros foram tão fundo na compreensão do auto-engano congênito da cultura contemporânea. Perto da pedagogia palanesa da ilusão, as técnicas de controle social do Admirável Mundo Novo parecem ingênuas e rudimentares, assim como perto da engenharia comportamental dos anos 60 o totalitarismo explícito da década de 30 parece coisa de orangotangos. O diagnóstico impiedoso do neototalitarismo mental dos anos 60 não pôde ser compreendido por seus contemporâneos. Eles estavam embriagados na mentira nascente, e a antevisão de Huxley passou léguas acima de suas cabeças. Mas, hoje, vivemos no mundo criado por aqueles malditos “jovens idealistas” dos anos 60. As técnicas de controle social e engenharia do consentimento já não são experiências limitadas, efetuadas na privacidade de grupos-de-encontro: são o dia a dia das escolas públicas, onde nossos filhos se encontram à mercê daquilo que Pascal Bernardin chamou “ministério da reforma psicológica”.
Tal como Mary Sarojini MacPhail, cada criança, submetida à pressão sutil do grupo, aí adota alegremente as condutas desejadas, sem ter a mínima idéia de possíveis alternativas. Nos EUA, os resultados da adoção maciça dessas técnicas no ensino já são patentes: os índices assustadores de consumo de drogas e a criminalidade infantil nas escolas públicas levam muitos pais a preferir educar seus filhos em casa, enquanto a Prefeitura de Nova York, admitindo-se incapaz de controlar a violência das crianças, privatiza suas escolas como quem entrega um fardo superior às suas forças. No Brasil, esse processo ainda está no começo, mas basta ler os “Parâmetros Curriculares Nacionais” do Ministério da Educação para perceber que a engenharia de comportamento aí predomina amplamente sobre a formação intelectual e a instrução moral honesta. O espírito dos “grupos de encontro” dos anos 60 tomou conta da pedagogia universal, firmemente decidido a “libertar” as crianças do legado da civilização cristã. Quando a “libertação” mostrar sua outra face, quando Pala revelar sua identidade com Rendang-Lobo, haverá choro e ranger de dentes. Mas, como aconteceu com a geração de 60, nenhum dos autores da tragédia reconhecerá suas culpas: cada um deles se proclamará um idealista traído pelos rumos imprevisíveis da História e, revigorado pelo sentimento de inocência, tirará da cartola um novo projeto de “mundo melhor”.

Conclusão:

1. As principais características da sociedade utópica de Pala e que a levaram a destruição são as que se seguem:
-­ Considerar que a natureza é sacrossanta. (Não é)

-­ O princípio de que todas as pessoas são boas. (Não são)

­- O princípio de que a mente do ser humano é capaz de produzir a realidade. (Não é capaz)

­- A revolta contra o cristianismo. (A única possibilidade do ser humano é via cristianismo. Não há outra).

­- A experiência humana desassociada da possibilidade de transcendência para o divino. (Ateísmo, Gnosticismo)

­- O antropocentrismo (do grego anthropos, "humano"; e kentron, "centro"), uma concepção que considera que a humanidade deve permanecer no centro do entendimento dos humanos, isto é, tudo no universo deve ser avaliado de acordo com a sua relação com o homem.

­- A tentativa de libertação do próprio destino.

­- A rebelião metafísica.

­- A tirania intrínseca com face humana.

­- A falta de liberdade individual.

-­ A destruição da liberdade.

­- A modificação da sociedade por meios subliminares.

-­ O controle da sociedade.

-­ O totalitarismo.

2. O moksha (erva alucinógena) faz a ligação com a própria condição humana (bom/mau). Uma “experiência psíquica”, incapaz de transcender a dualidade cósmica e elevar-se ao reino da eternidade. É a mentira essencial de Pala que se desfaz ao mesmo tempo em que a falsa visão espiritual.

3. Pala foi destruída pela própria utopia, pois a utopia não resiste a uma única noite frente à realidade.

-­ Não é possível produzir um ser humano ideal a partir de critérios humanos.

-­ Não se pode resolver os problemas humanos produzindo uma reengenharia humana, ou seja, mudando a própria natureza das pessoas.

-­ Não se pode assumir o lugar de Deus e construir um novo homem.

Finalizando:

“A Ilha não é a tragédia de um paraíso de liberdade destruído pela invasão de militares malvados: é a tragédia da autodestruição de uma utopia intrinsecamente má e mentirosa envolta em belas palavras”

Se o mundo não é perfeito, cabe ao homem promover atos perfeitos para viver melhor e não querer construir um mundo perfeito.

“Aldous Huxley escreveu este livro para nos advertir da culpa monstruosa que se oculta por trás da inocência dos idealistas”.


 
Estudo sobre Aldous Huxley

Prefácio a A Ilha, escrito para a reedição dessa obra pela Editora Globo, São Paulo, 2001.

Olavo de Carvalho


A Ilha

 
 Os críticos acusaram freqüentemente os personagens de Huxley de não ser propriamente seres humanos, mas apenas símbolos de idéias.

 
Contra essa censura posso levantar de imediato três objeções:

 
1) Mesmo que ela fosse certa, não bastaria para arrasar de vez a reputação de Huxley como ficcionista, de vez que crítica semelhante já se fez a Swift e Voltaire.

 
2) Ela não é propriamente uma censura, mas a definição mesma do gênero “sátira”, no qual se incluem, de algum modo (já veremos qual), as principais obras de Huxley. Não é possível satirizar os seres humanos naquilo que têm de pessoal e autêntico, mas só no que têm de exterior, de típico, de copiado e de mecânico.

 
3) Mas as histórias de Huxley escapam mesmo às limitações intrínsecas do gênero satírico. É verdade que Lenina Crowne ou Bernard Trotsky, em O Admirável Mundo Novo, assim como Will Farnaby, Robert MacPhail ou o embaixador Bahu, em A Ilha, não são realmente pessoas de carne e osso: são encarnações das utopias, sonhos e ilusões da intelectualidade ocidental. Mas se malgrado essa sua origem puramente intelectual seus destinos nos interessam e nos comovem como os de gente de verdade, é pelo fato de que, no século XX, o poder enormemente ampliado da mídia cultural fez com que as idéias passassem a ter uma influência formadora mais direta e decisiva sobre os corações humanos. Símbolos, frases-feitas, emoções e trejeitos mentais criados pelos intelectuais fincaram raízes tão profundas no subconsciente das pessoas, que se tornaram, em muitos casos, indiscerníveis das reações pessoais autênticas. É olhar e ver: muitas personalidades em torno de nós são realmente, literalmente, traslados de modas intelectuais. Esses tipos só são cômicos e artificiais quando vistos do exterior, e nossa reação perante eles é ambígua: não conseguimos nem compartilhar de seus sentimentos ao ponto de sofrer por eles, nem desidentificar-nos deles o bastante para torná-los definitivamente cômicos. Pois todos nós, uns mais, outros menos, macaqueamos as modas culturais, e este é um destino inescapável do homem moderno: nem possuímos mais aquele fundo comum de valores e símbolos que permitia ao camponês da Idade Média ser ele mesmo justamente porque era igual a todos, nem nos tornamos tão prodigiosamente individualizados que possamos inventar nossa própria linguagem. A única autenticidade possível ao homem moderno é um arranjo mais ou menos pessoal de modelos mais ou menos copiados.

 
É nessa zona indistinta entre o discurso coletivo e a emoção autêntica, entre a macaquice intelectual e a vida pessoal efetiva que Huxley colhe seus personagens. Daí sua maior originalidade como ficcionista – sua capacidade de fazer o leitor vivenciar o jogo das idéias estereotipadas como se fosse um drama humano de verdade. Por isso suas obras não podem rotular-se categoricamente como sátiras, já que participam, a um tempo, da sátira e do drama: sátira das idéias, drama dos erros e sofrimentos humanos que essas idéias geraram ao transformar-se em ações. É precisamente essa visão intermediária entre a sátira e o drama que o habilita a sondar com olhar profético o futuro que se gera no ventre das idéias. Cada um de seus romances é como aquele fantasma do poema de Heine que acordava um homem de madrugada e, de espada em punho, o ameaçava: “Eu sou a ação dos teus pensamentos.”

 
Muito do que Aldous Huxley escreveu é a dramatização satírica das idéias que se tornaram vida pessoal e tragédia pessoal entre os intelectuais midiáticos, aqueles seres meio cultos, meio ignorantes, que desfrutam do privilégio maior da mediocridade -- falar a linguagem média -- e que por isto dão o tom dos debates públicos, encarnando a personalidade das épocas. Essas criaturas são as testemunhas principais que o historiador das idéias interroga. Por exemplo, quem queira conhecer a mentalidade do século XVIII não irá sondar as profundezas abissais da ciência de Leibniz, mas deslizar sobre as superfícies brilhantes de Voltaire e Diderot. Os grandes espíritos não pertencem propriamente à sua época: uma parte do seu ser está mergulhada num passado imemorial, a outra projeta-se num futuro inalcançável, e só uma parcela ou recorte deles é visível a seus contemporâneos. Mas a mente do intelectual médio é o ponto de intersecção dos horizontes de consciência da sua época: o que aparece na sua tela interior é aquilo que todos vêem ao mesmo tempo, a coincidência de todos os recortes, a interconfirmação de todas as percepções e de todas as cegueiras. Por isto seu discurso é tão bem recebido por seus contemporâneos, e por isto é tão fácil, das suas palavras, deduzir o que “o público” pensava.

 
O intelectual médio é ao mesmo tempo o porta-voz e o eco das modas culturais. Mesmo quando as critica, não vai além delas, limitando-se a opor uma moda a outra moda, como aqueles que, hoje em dia, opõem ao socialismo a utopia neoliberal, ou vice-versa, sem ter a mínima idéia do parentesco que os une.

 
Huxley era um ouvido especialmente atento às conversações dos intelectuais médios, das quais ele não apenas captava com facilidade o “espírito da época”, mas inferia as mais espantosas e acertadas conclusões sobre o rumo que as coisas iriam tomar se aquelas idéias, em vez de esgotar-se como puras futilidades de salão, fossem levadas à prática como modelos do mundo futuro. O Admirável Mundo Novo é o mundo que teria resultado – e que de certo modo resultou – da aplicação das modas intelectuais da década de 30. A Ilha é o mundo criado pelas utopias psicoterapêuticas e orientalistas dos anos 50-60.

 
Aldous Huxley morreu antes de que essas idéias tomassem corpo na cultura da “New Age” e, partindo das esperanças utópicas de um novo mundo de sanidade e autoconhecimento, desembocasse na tragédia mundial das drogas, das seitas escravizadoras, das experiências psíquicas autodestrutivas. Não obstante, ele captou antecipadamente a loucura por trás de tudo isso, e é precisamente essa antevisão que dá o tema deste romance.

 
Publicado em 1963, este livro foi lido como uma espécie de antítese do Admirável Mundo Novo. Enquanto o romance de 1932 trazia o retrato de uma sociedade opressiva e mecanizada, da qual toda espontaneidade humana tinha sido extirpada em benefício da ordem e da produtividade, a ilha de Pala era como que a materialização dos sonhos de liberdade da geração flower power: amor livre, religiosidade sem dogmas, respeito às diferenças individuais, incentivo à expressão das emoções, tudo num ambiente ecológico de reverência pela natureza.

 
Sublinhava essa interpretação o fato de que a utopia fosse, no capítulo final, brutalmente destruída pelos tanques da vizinha ilha de Rendang-Lobo, encarnação de tudo o que a juventude dos anos 60 mais odiava: industrialismo, militarismo, religião tradicional, lei e ordem.

 
Compreendido assim, A Ilha não era senão a tradução ficcional de lugares-comuns da retórica esquerdista da época, mista de “New Age” e “New Left”. Daí o imenso sucesso do livro. Ele parecia dizer tudo o que a geração mais pretensiosa de todos os tempos queria ouvir. Mesmo a derrota da utopia, em vez de ter um efeito deprimente, parecia exaltá-la até às nuvens: Pala fôra destruída por ser boa demais para este mundo, como Che Guevara, derrotado pelo mais pífio exército sul-americano, transcendia no mesmo ato os julgamentos humanos e subia aos céus como um Ersatz comunista de Jesus Cristo.

 
Êxitos de livraria baseados em equívocos de interpretação não são raros na história da literatura. Na verdade, A Ilha é o mais temível inquérito sobre o auto-engano da geração que o aplaudiu. No ambiente de entusiasmo utópico da época, seria impossível que os leitores o compreendessem. Isso teria exigido deles um realismo cruel, que mesmo à distância de quatro décadas ainda parece difícil de suportar, tão contaminados das ilusões e mentiras dos anos 60 permanecemos hoje. Daí que, deslizando sobre a superfície da narrativa, quase todos os leitores deixassem escapar os detalhes mais importantes, nos quais se esconde o sentido mesmo da última lição de um sábio.

 
22/4/01

 

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

ILIADA

Autor: Homero
Tradução: Carlos Alberto Nunes
Editora: Ediouro
Assunto: Poesia épica (Literatura estrangeira)
Edição: 2ª
Ano: 2002
Páginas: 572.

Sinopse: Ilíada é um história de guerra que descreve tão somente os 51 dias do 9º ano de luta entre os gregos e os troianos. É o relato dos episódios da guerra de Tróia, travada entre gregos e troianos nestes cinqüenta e um dias. A epopéia narra um drama humano, o do herói Aquiles, filho da deusa Tétis e do mortal Peleu, rei da Ftia, na Tessalia.

Nove anos já se passaram desde o início da Guerra de Tróia, provocada pelo rapto da bela Helena por Páris. De cada lado da batalha, dois grandes guerreiros - por Tróia, Heitor, irmão de Páris; pela Grécia, Aquiles, um herói semidivino, quase imortal. Ilíada começa dramaticamente em um momento da guerra em que Crises, sacerdote de Apolo, tenta recuperar sua filha, então escrava do rei Agamémnon. Agamémnon devolve Criseide, mas toma a escrava de Aquiles, o que provoca a retirada deste da guerra. O desenrolar da Guerra de Tróia e o conflito entre Aquiles e Agamémnon trazem a esta grande epopéia dimensões humanas e emoções universais. Ira, orgulho, arrogância, beleza, harmonia e reconciliação são alguns dos elementos presentes na narrativa que espelham os dilemas do ser humano.

Ilíada, obra mais importante do que a Odisséia, é um poema constituído por 15.693 versos, em 24 cantos e de extensão variável. A métrica empregada é o hexâmetro, verso tradicional da épica grega. Além de símbolo da unidade e do espírito helênico, é fonte de ensinamento moral.

Comentários sobre a obra: Embora a Ilíada narre uma série de acontecimentos da guerra de Tróia e se refira a uma série de outros, seu tema principal é o ciclo da ira de Aquiles, da sua causa ao seu arrefecimento. Isto fica claro logo na primeira linha do poema. A palavra grega mēnin, ira, é a primeira do poema, cuja famosa primeira linha é "Menin aeide, Thea, Peleiadeo Aquileos". Em português seria “A ira canta, Deusa, de Peléio Aquiles” ou, adaptando, “Canta, Deusa, a ira do filho de Peleu, Aquiles”. Através da consumação dessa ira, é tratada a humanização do herói e semideus Aquiles, sempre conflitado por sua dupla natureza, filho de deusa e homem, portanto mortal.

A questão da escolha entre valores materiais, como a segurança e a vida longa, e valores morais, mais elevados, como a glória e o reconhecimento eterno, é tratada na escolha com que Aquiles se defronta: lutar, morrer jovem e ser lembrado para sempre, ou permanecer seguro e ser esquecido.

A soberba de Aquiles contrasta grandemente com a sobriedade de Heitor, também grande herói, que não busca a glória como Aquiles, mas luta pela segurança de sua família e de sua cidade, e a preservação de suas raízes troianas.

A condição humana é magistralmente trabalhada por Homero, mostrando os dilemas mortais, as interferências de instâncias superiores e suas conseqüências, personificadas nos deuses que tomam partido.

Amizade, honra e muitos outros temas abstratos também fazem parte da obra, compondo um belo painel da alma humana.

Orientações aos futuros leitores:

1. Recomenda-se ler o livro com se fossem fatos reais acontecidos e não como fatos mitológicos. Assim procedendo, é possível estabelecer a simetria do enredo com as possibilidades da vida humana.

2. O livro deve ser lido como uma novela, um poema e jamais como um ensaio ou um livro de conteúdo filosófico. Assim a leitura fica mais agradável e compreensível.

3. Deve-se interpretar a Ilíada sob a ótica do mundo antigo e não sob a ótica do mundo contemporâneo. Isso implica dizer que é preciso colocar a cabeça no mundo ao invés de colocar o mundo na cabeça.

4. O livro deve ser lido e simetrizado no seguinte aspecto: Que sentido a história que Homero nos conta tem com a nossa vida ou com uma situação concreta de nossas possibilidades enquanto seres humanos.

5. Os gregos utilizavam Ilíada no ensino das crianças, pois entendiam eles que as crianças que lêem muitas histórias, são mais inteligentes que as que não lêem. Este aspecto deveria ser mais explorado no mundo contemporâneo.

6. Mitologia não é assunto para pesquisa. É um instrumento para compreensão do mundo. É um instrumento de explicação dos dilemas humanos.

7. Mito de Cassandra: Cassandra tinha o poder de saber o futuro, mas em contrapartida foi-lhe tirada a credibilidade. Portanto, quando você tem o domínio da verdade, não tem credibilidade, ou seja, as pessoas não acreditam em você. Por essa razão há uma célebre fase que diz: O saber é solitário.

8. A história de Ilíada é uma mistura de atos humanos e atos divinos.

9. Na mitologia grega a Zeus pertencia o Céu; a Posidro (Poseidon), os mares; e a Hades, o inferno. Todavia, o inferno não tinha a conotação do mundo contemporâneo. Inferno era o reino dos mortos. Todos que morriam iam para o inferno, independente de terem sido bons ou maus, porque o inferno não era considerado um lugar de castigo, mas um lugar dos mortos.

10. Os gregos utilizavam o poema épico da obra de Homero nas escolas como exemplos de heroísmo a serem ensinados as crianças. Uma espécie de Paidéia "processo de educação em sua forma verdadeira, a forma natural e genuinamente humana". O termo também significa a própria cultura construída a partir da educação. Era o ideal que os gregos cultivavam do mundo, para si e para sua juventude. Uma vez que o governo próprio era muito valorizado pelos gregos, a Paidéia combinava ethos (hábitos) que o fizessem ser digno e bom tanto como governado quanto como governante. O objetivo não era ensinar ofícios, mas sim treinar a liberdade e nobreza. Paidéia também pode ser encarada como o legado deixado de uma geração para outra na sociedade.

11. O gregos procuravam mostrar aos jovens o que há de melhor do comportamento humano. Portanto, a Iliada era a nossa “Bíblia” para os gregos.

Interpretação da Obra: A existência humana sempre tem um componente trágico independente do nosso comportamento bom ou mau. Logo, a obra retrata a tragédia humana apesar de todo o esforço e heroísmo humano!

O fim do ser humano será sempre trágico não importando o que ele faça, pois os seres humanos estão jogando o jogo da vida, cujas regras não foram por eles estabelecidas. Portanto, são regras que os humanos não dominam e não têm nenhuma ação sobre elas.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O HOMEM SEM QUALIDADES


Título Original: Der Mann ohne Eigenschaften
Autor: Robert Musil
Tradução: Lya Luft e Carlos Abbenseth
Editora: Nova Fronteira
Assunto: Romance (Literatura estrangeira)
Edição: 1ª
Ano: 2006
Páginas: 1280

Sinopse: O livro trata da decadência do Império Austro-Húngaro (1867-1918), na sua tentativa de acomodação das múltiplas nacionalidades que compreendia a Áustria, a Hungria, a Tcheco-Eslováquia e parte da Polônia, da Romênia, da Iugoslávia e da Itália por um lado, e a tentativa de construção de um Império Racial que culminou no surgimento do Nazismo, por outro. Trata-se, portanto da crônica de um momento histórico e a perda da espiritualidade do povo europeu criando uma espécie de vazio de sentido que precisava ser preenchido de alguma forma.

Robert Musil descreve, neste romance satírico-filosófico de idéias, o vácuo absoluto que o mundo Europeu produziu com a destruição dos valores antigos de espiritualidade (Reino da Qualidade) e que possibilitou a instalação da ruptura existencial (Reino da Quantidade), fruto dos três filhos bastardos produzidos pela Revolução Francesa: Liberté, Égalité e Fraternité.

Ulrich, personagem do livro, vive diversas experiências, viaja ao exterior e, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, retorna a Viena. Convive com os mais diversos tipos humanos. Este romance-ensaio mostra a decadência dos valores vigentes até o início do século XX, marcando a perda de posição da Europa na decisão dos rumos políticos e econômicos mundiais.

A constatação de que as ciências se transformaram no grande agente transformador da sociedade, ocupando de certa forma o lugar das artes, tomando para si o papel da vanguarda e impulsionando o homem a estabelecer uma nova relação com o mundo, trouxe às linguagens artísticas um novo desafio. A violência dos conceitos da física quântica, da relatividade, das descobertas da ciência genética colocou o homem diante de questões absolutamente novas, tendo que reformular sua ética, com novos princípios, uma mudança significativa das crenças, dos costumes, antes mesmo da tomada de consciência de uma mudança racional.

A observação que a modernidade vienense formulou perguntas e respostas até hoje válidas para a compreensão da nossa realidade contemporânea também procede para a obra-prima do escritor austríaco Robert Musil. Esse homem sem qualidades é considerado como protótipo para o mundo moderno, marcado pela erosão do singular, a "perda da individualidade" ou questionamento radical do sujeito. A alienação do indivíduo, o que já não existe mais em termos substanciais, também vale para a sociedade de massas como um todo. Esta visão da fragmentação das sociedades modernas, racionalizadas e funcionalizadas, implica a existência de definições contrárias e não compartilhadas da realidade; segue disso uma aporia da comunicação, decorrente da congruência insuficiente dos padrões básicos de interpretação e sistemas de relevância.

Fica, entretanto, a grande pergunta histórica: Como se explica o fenômeno do Nazismo dentro de uma nação que foi a Catedral da Civilização, que produziu quase a metade da filosofia contemporânea e da música clássica?


Sobre o autor:
Robert Edler von MUSIL (1880-1942) nasceu em Klagenfurt, na Áustria, e morreu pobre – quase esquecido e dependendo da ajuda de amigos – em Genebra, na Suíça, em plena II Guerra Mundial.

Aos dez anos Musil entrou para a Escola Militar em Eisenstadt, destinado à carreira de oficial. Estudou durante mais de cinco anos em instituições do exército até chegar à Academia Militar de Viena, em 1897. Um ano depois, Musil decidiu largar a carreira de oficial e passou a estudar Engenharia em Brünn, obtendo o diploma da graduação em 1901. Depois de uma temporada em Stuttgart, cursou Filosofia e Psicologia experimental na Universidade de Berlim, doutorando-se em 1908 com tese sobre Ernst Mach (1838-1916),[1] físico e filósofo austríaco. Os estudos de Mach sobre o fenômeno da descontinuidade e da dissociação, assim como suas teses a respeito do “eu condenado” (unrettbares Ich), seriam decisivos na formação de vários escritores vienenses, entre eles Arthur Schnitzler e o próprio Musil.

De 1914 a 1918, Musil participou ativamente da I Guerra Mundial na condição de oficial de Infantaria do exército austríaco. Ao final dos combates chegou a capitão, condecorado com a principal ordem de guerra do moribudo império (Ritterkreuz des Franz-Josephs-Ordens). Só a partir de 1923, e já morando em Berlim, é que Musil passaria a viver exclusivamente de sua condição de escritor.

A ascensão do nazismo, em 1933, obrigou o autor a se mudar para Viena e, mais tarde – depois de se sentir numa ratoeira, conforme ele mesmo chegou a escrever em seu diário –, para Genebra, aonde veio a falecer em 15 de abril de 1942.

[1] Ernst Mach inventou também aquele que conhecemos por “número de Mach” ou “número Mach”: o quociente da velocidade dum corpo que se move num fluido pela velocidade do som no mesmo fluido.

sábado, 7 de novembro de 2009

A MORTE DE VIRGÍLIO

Título original: Der Tod des Vergil
Autor: Hermann Broch
Tradução: Herbert Caro
Editora: ARX
Assunto: Romance (Literatura estrangeira)
Edição: 2ª
Ano: 2002
Páginas: 439

Sinopse: A história narra as últimas dezoito horas de vida do poeta Virgílio (70 a.C. – 19 a.C.), que havia sido trazido da Grécia por Augusto[1] para morrer na sua terra, Andes, perto de Mântua. É muito tarde para ir até o norte da Itália, contudo, a reflexão e morte do grande poeta mantuano aconteceria ali mesmo em Brindisum (hoje Brindisi). A obra está dividida em quatro partes: Água (a chegada), Fogo (a descida), Terra (a expectativa) e Éter (o retorno), o que faz da narração uma espécie de caminho iniciático.

Comentários: Foi durante a prisão pela Gestapo, em 1938, quando os alemães ocuparam a Áustria, que Hermann Broch começou a conceber aquele que seria um marco na narrativa de ficção do século XX: "A Morte de Virgílio".

As cinco semanas de cárcere em Altausse levaram o autor a um intenso debate interior sobre a função e a utilidade da arte em uma época de crise, às portas da Segunda Guerra Mundial. Esse acerto de contas com a própria (in) consciência deu-se pela recriação das últimas 18 horas de Virgílio.

O conflito psicológico do poeta latino, que culmina com o desejo de destruir Eneida, é paralelo ao vivido por Broch: a autenticidade ou inautenticidade moral da vida; a justificativa ou não do trabalho poético a que sua existência foi consagrada.

A comunhão de um homem que encarna a cultura de um mundo com a sua própria biografia e com o cosmo é apresentada na forma de monólogo interior, narrado na terceira pessoa, num extraordinário romance-poema.

A agonia de Virgílio afirma a participação de uma alma em todas as formas da presença espiritual do homem. A iminência da morte, no entanto, confunde atos e lembranças, embaralha as linhas do tempo, que resultam no plano único do não-tempo.

A simultaneidade absoluta é traduzida por uma composição de natureza musical, em que motivos e temas se entrecruzam.

Para alcançar esse resultado, Broch lançou mão de seus conhecimentos de filosofia, matemática e psicologia.

A primeira versão de "A morte de Virgílio" foi publicada nos Estados Unidos, em 1945, e somente dois anos depois foi editada em alemão. O texto que a Editora ARX apresenta traz o trabalho primoroso do tradutor Herbert Caro, responsável também pelas versões em português de outros romances notáveis como "A montanha mágica" e "Doutor Fausto", de Thomas Mann.

Sobre o autor:
Hermann Broch nasceu em 1º de novembro de 1886, em Viena, Áustria. De família abastada, formou-se no curso de engenharia têxtil, desejo da família, mas matricula-se também em cursos de filosofia, matemática e física e mais tarde abraçou a carreira literária. O reconhecimento veio com a trilogia "Os sonâmbulos", escrita entre 1931 e 1932.

De 1934 a 1936, escreveu "O tentador", parábola antialemã que lhe rendeu a prisão pela Gestapo, em 1938. Após ser libertado, Broch emigrou para Londres, onde começou a escrever "A morte de Virgílio", depois seguiu para os Estados Unidos e lá finalmente publicou, em 1945, a primeira versão da obra em inglês com tradução de Jean Sparr Untermeyer, que trabalhou cinco anos na tradução.
Morreu em 30 de maio de 1951, em New Haven, Connecticut.
Hermann Broch é considerado um dos maiores ficcionistas da língua alemã, ao lado de Thomas Mann, Robert Walser, Robert Musil e Franz Kafka.

[1] Caio Júlio César Octaviano Augusto (63 a.C. – 14 d.C.)

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

MÊNON ou MENÃO

Título original: MENΩN
Autor: Platão (427-348/47 a.C.)
Tradução: Jorge Paleikat
Assunto: Filosofia
Editora: Globo
Edição: não consta
Ano: 1945
Páginas: Diálogos – Biblioteca dos Séculos (63-106)

O problema estudado neste diálogo é a Virtude. Platão examinara este tema em Protágoras, voltando a tratar dele, embora sob outro aspecto, no Górgias.

No Mênon, desde o preâmbulo, trata-se de saber se a virtude pode ou não ser ensinada. Parece que essa questão preocupou bastante os pensadores gregos da época de Platão. Esquines e Antístines se detém no exame desse mesmo problema.

Há algumas perguntas daquela época, são atuais até os dias de hoje: A virtude é suscetível de ser ensinada? Haverá, por acaso, uma “ciência” da virtude? Será que a virtude é um dom da natureza? As conclusões a que chegam as duas personagens deste diálogo, aparentemente parecem confirmar que a virtude não é suscetível de ensino, que não há uma “pedagogia” que lhe seja própria. Todavia, examinadas mais profundamente as cousas, não nos é possível tomar, com demasiado rigor essas conclusões. Verificamos, ainda neste diálogo, como em outros de Platão em que Sócrates é a figura central, que ele permite margem à dúvida. Dúvida na qual se originam novos problemas. Basta atentar no desfile de “definições” da virtude que Sócrates e Mênon apresentam. Passam diante de nós os mais diversos aspectos das virtudes, todos eles rejeitados, todos eles esboçando novos caminhos, à discussão do que é a virtude. Nisto consiste, talvez, a primeira lição de filosofia deste diálogo. Fica bem marcado aqui que a inquietação do saber é um dos caracteres fundamentais da filosofia.

Dom da natureza ou suscetível de ser aprendida, pouco importa. O que é certo é que a virtude existe. Existiu no passado, há de existir e existe no presente. Todavia, nem mesmo os sofistas que sempre se apresentaram como mestres de virtude, sobretudo de virtudes políticas, -- que outra cousa não são porém do que virtude oratórias destinadas ao preparo e formação de demagogos, -- podem dizer o que ela é. De que modo, pois, podemos nós procurar, investigar naquilo que não conhecemos? -- indaga o ingênuo Mênon. -- Há, porém, homens, homens honestos e justos, responde o velho Sócrates, que, honesta e utilmente, guiados pela justiça e pela santidade, conduzem suas existências. São virtuosos. Não os norteia uma “ciência”, nem eles andam à procura dela. Guia-os, a opinião verdadeira, uma espécie de retidão do espírito que, se não chega à certeza e à solidez da ciência, parece, todavia, produzir resultados práticos que se assemelham muito àqueles que derivam de uma ciência. Já neste ponto, bem se vê, no diálogo não se resolve o problema da virtude. Abre-se outro, não menos profundo e não menos belo do que aquele que a virtude, considerada como ciência, poderia propor.

Entretanto, como será possível o saber, a própria opinião verdadeira? É neste ponto do diálogo que Platão volta a apresentar a sua famosa teoria da reminiscência. O saber, a retidão do espírito são simplesmente reminiscência. E ensinar, saber interrogar é acordar, na alma daqueles que chamamos de ignorantes, as idéias que aí estavam adormecidas. É certo que, neste diálogo, a referência à teoria da reminiscência não é muito precisa e nem indica, de uma maneira adequada, a relação que as idéias mantém entre si. Há apenas uma referência muito rápida às condições da nossa vida anterior, ao problema da contemplação das idéias puras.

Recorrendo à teoria da reminiscência é possível a Sócrates demonstrar a Mênon que um escravo de sua comitiva é também capaz de encontrar, de descobrir, por si, um certo número de verdades relativas à geometria. A opinião verdadeira, assim como a ciência, são uma vaga recordação das Verdades Eternas que um dia a nossa alma contemplou. Ciência e opinião verdadeira derivam dessa recordação. Uma vez ainda, cremos, Platão utiliza o mito para contornar uma dificuldade e para ilustrar o seu pensamento. A reminiscência, resíduo de pitagorismo na filosofia platônica, tem neste diálogo apenas o valor de símbolo de uma realidade que não pode ser demonstrada: é simplesmente uma hipótese instrutiva e útil. “Aqueles que pagaram a Perséfone o devido tributo, ela envia, por nove anos, no salto do sol. E dessas almas se elevam reis ilustres, homens poderosos pela força e pelo saber que são honrados como heróis pelos mortais”. É nesta imagem poética de Pindaro que Sócrates resume o complicado problema da reminiscência neste diálogo. É mister não esquecer que a doutrina da reminiscência passa, como outras que a fantasia de Platão criou, por várias vicissitudes em toda a sua longa obra filosófica. Acusaram-no, por isso, de contradição. Como se os sistemas filosóficos não se apresentassem, freqüentemente, como tecidos de ricas e fecundas contradições!

As personagens do diálogo são quatro. Mênon, que dá seu nome ao diálogo, é um rico habitante de Larissa, na Tessália. Da nobre família dos Aleudes, que tiveram a triste honra de ser “hospedes do Grande-Rei”, Mênon viaja para se instruir. Fora discípulo do sofista Górgias quando este andara pela Tessália e dedica-se, por simples gosto, à matemática ou, mais exatamente, à geometria. É perceptível, principalmente no início do diálogo, o vício de sua formação sofística. Mênon revela uma indisfarçável tendência para a eloqüência. Não denota, porém, aquela empáfia tão característica dos maus sofistas. Ao contrário, como se verá no diálogo, ouve atentamente as palavras de Sócrates e não tenta, salvo por duas vezes, de modo aliás bastante ingênuo, embasbacar com a superficial ciência que aprendera com os sofistas o velho dialético que é Sócrates.

Sócrates apresenta-se ainda neste diálogo cheio de ironia, refutador terrível das idéias feitas no mercado dos sofistas. É bem a tremelga que enfeitiça os que dela se aproximam, a que se refere Mênon em um dos trechos do diálogo. Rebatendo idéias falsas, iluminando o espírito e abrindo novos caminhos no raciocínio, leva os seus interlocutores a praticar a maiêutica, a trazer à luz não somente novas verdades, mas ainda se revelarem tais como são. É a sua arte que enfurece Anito e que encanta Mênon. Revelando novos caminhos à inteligência, Sócrates mostra que certas verdades que ele ajuda a partejar encerram, por sua vez, novas dúvidas que são, por sua vez, novas condições para que prossiga sempre o esforço da eterna busca que caracteriza a filosofia. Porque esta, será sempre assim, eterna e inquieta investigação do que é o mundo e o homem. Para que progrida é mister haver insatisfação, é preciso que o homem não se satisfaça no limitado redil dos sistemas e nos dogmatismos. Eterna representação de problemas, a filosofia não se dá bem com o acabado e o definitivo.

A terceira personagem deste diálogo é um escravo. E os escravos não costumam deixar os seus nomes na história: são simplesmente escravos. Um ou outro distinguiu-se e a história, espantada, anotou o seu nome. Sabemos apenas que o escravo de Mênon era grego e que fora criado em casa deste rico e nobre discípulo dos sofistas. É fácil perceber que Sócrates simpatiza com ele. “Se interrogarmos freqüentemente o escravo, diz Sócrates a Mênon, e de várias maneiras, tu podes estar certo, Mênon, que ele acabará tendo consciência tão exata quanto aquela de um homem de sociedade” .

Personagem tenebrosa, agourenta é a última figura do diálogo: Anito. Político fanático, pouco lhe interessam as discussões sobre a virtude. Virtude ele só a vê nos chefes do povo. Desdenha os intelectuais, os agitadores de idéias. Os sofistas são perturbadores da tradição, fermentos da dissolução das sociedades e por isso Anito os odeia e especialmente a Sócrates que o irrita e a quem, ao findar o diálogo, ameaça e previne. Nas poucas mas vivas e dramáticas páginas em que Platão retrata a tenebrosa figura de Anito, do político que se satisfaz apenas com o prazer do poderio, há um exemplo digno da meditação dos contemporâneos. Nos políticos medíocres, em que a habilidade passa, infelizmente, como índice de inteligência, há um indisfarçável ódio contra a inteligência verdadeira, que é sincera, honesta e justa. Os que, como Anito, apenas desejam o poder pelo prazer de exercê-lo, não amam a filosofia. Desdenham dela para mais fácilmente escarnecer e esmagar a Liberdade.

Pouco se sabe sobre a data em que foi escrito o diálogo. Pensam alguns autores que ele foi redigido, mais ou menos, ao findar a guerra do Peloponeso. Outros pesquisadores apontam para o ano 402 a.C., três anos antes da morte de Sócrates. A verdade é que nunca saberemos. O que este pequeno diálogo de Platão nos abre, na sua simplicidade, é, porém, uma interessante perspectiva para a compreensão de sua filosofia. É um dos mais fáceis e é o que melhor nos dirige para a compreensão da filosofia platônica.