sábado, 10 de janeiro de 2009

BANQUETE

Título original: Symposion
Autor: Platão (427-348/47 a.C.)
Tradução: Jorge Paleikat
Assunto: Filosofia
Editora: Globo
Edição: não consta
Ano: 1945
Páginas: (109-184)

O “Banquete” ou “Symposion” é mais propriamente uma narração do que um diálogo. É a narrativa feita por Apolodoro a um ou mais amigos, do que ouvira a Aristodemo acerca do banquete que Agáton, poeta trágico de grande mérito, havia oferecido a alguns amigos mais íntimos no dia seguinte ao de uma grande festa em que comemorava um dos seus triunfos teatrais. A esse banquete haviam estado presentes, entre outras pessoas, o próprio Aristodemo, amigo e discípulo de Sócrates; Fedro, o jovem retórico, amigo e discípulo de do grande sofista Hipias de Élis; Pausânias, rico e corruto ateniense, o pedante Erixímaco, filho de Ecúmeno e médico como seu pai; Aristófanes, o comediante que nas “Nuvens” ridicularizara Sócrates e o estouvado Alcibíades – rico, belo, elegante – o político que conquistara com suas qualidades, e até com seus defeitos, a simpatia e a admiração da massa ateniense. Com eles estava também o velho Sócrates, o mesmo alegre conviva irônico de sempre, que não perdia a oportunidade para conduzir a conversação para as discussões filosóficas.
Os exageros cometidos na festa do dia anterior, sobretudo o excesso de bebidas, fatigara os convidados de Agáton. Pausânias propôs então que em lugar de beberem, como é costume num “symposion”, ficassem ali a conversar, a discutir ou que cada um fizesse um discurso. Este alvitre de Pausânias foi aceito por todos. Erixímaco lembrou que cada um dos convivas fizesse um elogio do Amor. O assunto deste diálogo é, pois, o Amor. Platão nele retoma algumas idéias que já esboçara no “Lísis”.
Poderíamos considerar o “Banquete” composto de três partes essenciais. Na primeira delas, incluiríamos os cinco discursos dos convivas de Agáton. O amor, diz Fedro, é o mais velho dos deuses, o que mais ama os homens e por ele é amado. É ele que inspira o bem e impede o mal. O devotamento de Alceste é um exemplo do que pode o amor. A tradição, a mitologia inspira a Fedro um discurso empolado e retórico, próprio de um jovem que se entusiasma com a glória literária. Pausânias é o segundo a falar. Distingue, no amor, duas espécies: O Amor Celeste e o Amor Vulgar. O primeiro próprio é das almas nobres; ao segundo só os homens grosseiros prestam culto. Erixímaco mostra, a seguir, utilizando para isso os seus conhecimentos médicos, que o amor não exerce apenas influência nas almas. É ele ainda que dá harmonia ao corpo. O bom médico deve procurar manter sempre essa harmonia, extirpando o vício e introduzindo o amor. Excelente médico é aquele que consegue conciliar os contrários, o que introduz a harmonia no corpo. Essa é a finalidade da medicina. Esta – assim como as demais artes – inspira-se também no amor. Aristófanes, o comediante piedoso e conformista, conta, por sua vez, um curioso mito relativo à origem do homem. Na origem, os homens eram dotados de órgãos duplos. Eram extremamente ágeis e ousados. De tanta ousadia, que resolveram, certa vez, atacar o próprio Olimpo. Os deuses, enfurecidos, resolveram vingar-se e os homens foram separados em duas metades. O amor nasceu daí: é a eterna procura, o eterno desejo que os homens sentem de procurar a outra metade que um dia perderam. Quanto alguém a encontra, encontra também a felicidade. Agáton, o anfitrião, é o último a elogiar o amor. Critica os oradores que o precederam pois eles elogiaram, de preferência, os benefícios do amor sem se darem ao trabalho de indagar qual a origem e a natureza do amor. Muito ao contrário do que pensa Fedro, o amor é o mais jovem dos deuses. Dotado de uma eterna mocidade, foge a tudo que é feio e velho. Visa exclusivamente a beleza. Sutil, penetra nos corações, sem que estes possam percebê-lo. A sua natureza não se dá bem com a violência e é por isso que todos a ele se submetem voluntariamente. Inspira as artes, dá àqueles que submete o dom da poesia. A própria vida é obra deste grande artista.
O discurso de Sócrates, - que resume a simbólica história de Diotina – ocupa a segunda parte do diálogo. Finalmente, na terceira parte do diálogo, vem o discurso de Alcibíades que é um elogio de Sócrates.
Nos cinco discursos da primeira parte do diálogo, Platão parodia o pensamento e a maneira de cada um dos convivas do banquete, demonstrando com isso ser um grande artista e um digno discípulo do irônico Sócrates. Na segunda parte, quando Sócrates narra a história que lhe contara a misteriosa mulher de Mantinéia, Platão expressa a sua prórpia maneira de julgar o amor. Todos os outros convivas consideram o amor como um deus. Diotina ou Sócrates – ou mais exatamente, Platão, – pensam que o amor é simplesmente um desejo, uma privação. Desejo e privação não condizem com o que é perfeito e belo. O amor não pode, pois, ser um deus; é simplesmente um “meio termo” entre as qualidades herdadas do pai, Poros – o espírito de cobiça – e da mãe, Penia, – o espírito do desespero. É um “intermediário”, um grande gênio ao qual cabe transmitir aos homens as ordens dos deuses e aos deuses as preces dos homens.
Deste modo, o amor não é um bem em si mesmo. Vale apenas por aquilo a que tende e só tem sentido quando submetido à inteligência, à razão. Um elogio do amor não deve, pois, consistir – diz Sócrates – em dizer belas cousas e em dispô-las com arte. O amor não deve ser assunto de retórica. O que se deve dizer sobre o amor, como aliás sobre as demais cousas relativas aos homens, é a verdade. Devemos procurar saber o que ele é, conhecer-lhe a origem, acompanhá-lo nas suas vicissitudes, investigar-lhe as grandezas e as misérias.Rompendo com modo pelo qual falaram os outros oradores, Sócrates narra então o que lhe contara a Estrangeira de Mantinéia. Afirma com Diotina que a principal função do amor é a de criar a virtude através da beleza, isto é, a de ensinar virtudes às almas dos homens. E a mais alta de todas as virtudes é o saber. Platão retoma, assim, um tema já tratado no “Górgias”, no “Protágoras” e no “Menon”.
No diálogo “Banquete”, há constantemente referência à pederastia. De fato, é historicamente exato que a sociedade grega do tempo de Platão se encontrava num deplorável estado de corrução e de depravação. Foi com o fito de levá-la a vida mais nobre e mais pura que Sócrates e Platão se dedicaram à filosofia. O discurso de Alcibíades que fecha o presente diálogo, revela qual a pureza de costumes de Sócrates e qual a ação benéfica, forte e viril, que ele exercia sobre os jovens do seu tempo. Verifica-se, assim, que Sócrates não foi, como o acusaram, um corrutor dos costumes da juventude ateniense. Corrutos eram os santarrões como Aristófanes que, impregnados de falsa piedade, clamando pelo retorno da “boa tradição”, tinham, porém, a alma enlameada e vil. Sócrates foi um pregador da virtude. Identificava essa pregação com o amor e é esse o sentido que tem, neste diálogo, a palavra pederastia. “A identificação do amor com o ensino da virtude, - escreve Victor Brochard num excelente estudo sobre o “Banquete” – tem alguma cousa que nos surpreende, e que colide com os nossos hábitos modernos. Não obstante, ela está conforme com o espírito e com a letra do platonismo e é fácil compreender a sua verdadeira significação. Não é com fórmulas abstratas, não é com demonstrações secas nem com processos puramente dialéticos que nos elevamos à virtude. A dialética deve ser viva, o pensamento deve ser acompanhado pelo calor que nos anima e vivifica a alma, deve andar ligado à convicção que persuade, ao entusiasmo que impele e à inspiração que ilumina”.
O amor platônico ou filosófico é um impulso apaixonado da alma para a sabedoria e esta é, ao mesmo tempo, ciência e virtude. O filósofo não pode gozar sozinho da contemplação. Deve comunicar e espalhar esse gozo a todas as almas. A filosofia não é apenas uma técnica. É virtude, política, é a mais humana de todas as ciências do homem. (Comentários de Jorge Paleikat)

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