sábado, 1 de dezembro de 2012

NOTAS PARA A DEFINIÇÃO DE CULTURA

Título original: Notes towards the definition of culture
Autor: T. S. Eliot
Tradutor: Eduardo Wolf
Assunto: Ensaio filosófico
Editora: É Realizações
Edição: 1ª
Ano: 2011
Páginas: 144

Sinopse: “Tenho observado com crescente ansiedade a trajetória da palavra cultura nos últimos anos. Pode nos parecer natural e significativo que, durante um período de destruição sem paralelo, essa palavra viesse a ter uma importante função no vocabulário jornalístico. Seu papel é dividido com a palavra civilização. Neste ensaio, não busquei de modo algum determinar a fronteira entre os significados dessas duas palavras, pois cheguei à conclusão de que qualquer tentativa nesse sentido somente poderia resultar em uma distinção artificial, peculiar à obra, distinção essa que o leitor teria dificuldade em reter e que, após fechar o livro, provavelmente o abandonaria com uma sensação de alívio. Com efeito, usamos assaz frequentemente uma palavra em um contexto no qual a outra quadraria igualmente bem; há outros contextos em que uma palavra obviamente é adequada e a outra não; e não creio que isso deva causar embaraço. Existem obstáculos inevitáveis o suficiente nessa discussão sem que se ergam outros desnecessários.” T. S. Eliot.

Conteúdo do livro: O próprio T. S. Eliot nos dá os detalhes do que trata o livro. Tanto melhor, pois assim não corremos o risco de escrever alguma impropriedade.

Diz Eliot: “No começo de meu primeiro capítulo, busquei distinguir e relacionar os três principais usos da palavra e chamar a atenção para o fato de que, quando usamos o termo em um desses três modos, devemos estar atentos para os demais. A seguir, tentei expor a relação essencial entre cultura e religião, e deixar claras as limitações da palavra relação como uma expressão dessa ‘relação’. A primeira asserção importante é que nenhuma cultura surgiu ou se desenvolveu a não ser acompanhada por uma religião: de acordo com o ponto de vista do observador, a cultura aparecerá como o produto da religião, ou a religião como o produto da cultura.

Nos três capítulos seguintes, discuto o que me parecem ser três importantes condições para a cultura. A primeira dessas é a estrutura (não apenas planejada, mas em desenvolvimento) orgânica, de tal modo que promova a transmissão hereditária de cultura dentro da própria cultura: e isso requer continuidade de classes sociais. A segunda é a necessidade de a cultura ser analisável, do ponto de vista geográfico, em culturas locais: isso levanta o problema do ‘regionalismo’. A terceira é o equilíbrio entre unidade e diversidade na religião – ou seja, universalidade da doutrina e particularidade do culto e da devoção. O leitor deve ter em mente que não pretendo explicar todas as condições necessárias para que uma cultura floresça; discuto três que chamaram minha atenção em particular. Deve lembrar-se igualmente de que não ofereço um conjunto de indicações para a produção de uma cultura. Não estou afirmando que, ao começar a produzir essas ou outras condições adicionais, podemos confiantemente esperar que melhoremos nossa civilização. Afirmo apenas que, até onde se pode alcançar minha observação, é improvável que haja grande civilização onde que que essas três condições estejam ausentes.

Os dois últimos capítulos fazem uma modesta tentativa de desembaraçar a cultura da política e da educação.

Assim, uma nova civilização está sempre em construção: o estado de coisas que desfrutamos hoje ilustra o que acontece com as aspirações de cada época por um futuro melhor. A questão mais importante que podemos perguntar é se existe uma modelo permanente pelo qual podemos comparar uma civilização com outra, e através do qual podemos prever o progresso ou o declínio de nossa própria.

Caso sejamos bem-sucedidos, ainda que em parte, em responder tal questão, devemos ficar alertas contra a ilusão de tentar produzir tais condições com vistas a melhorar nossa própria cultura. Pois quaisquer que sejam as conclusões definitivas a emergirem deste estudo, uma delas certamente é a seguinte: a cultura é algo ao qual não podemos ambicionar deliberadamente. Ela é o produto de uma pletora de atividades.

De resto, devemos buscar a melhoria da sociedade, do mesmo modo como buscamos melhorar como indivíduos em questões particulares relativamente menores. Não podemos dizer: ‘Devo transformar-me em uma pessoa completamente diferente’; podemos dizer apenas: ‘Vou abandonar este mau hábito e tentar adquirir aquele bom’. Do mesmo modo, a respeito da sociedade somente podemos dizer: ‘Devemos tentar aperfeiçoá-la quanto a este ou àquele aspecto em particular, em que o excesso ou a ausência é evidente; devemos tentar incluir simultaneamente em nossa visão tantas coisas, de maneira a podermos evitar, ao consertar algo que estava errado, estragar alguma outra coisa’. Até mesmo isso é a expressão de uma aspiração maior do que podemos efetivamente alcançar: pois é tanto – ou mais – em virtude do que alcançamos aos poucos, sem compreender ou prever as conseqüências, que a cultura de uma época difere daquela de sua antecessora.”
 
Sobre o autor:
 
Thomas Stearns Eliot (St. Louis, 26 de setembro de 1888 — Londres, 4 de janeiro de 1965) foi um poeta modernista, dramaturgo e crítico literário britânico-norte-americano. Em 1948, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura.

Eliot nasceu nos Estados Unidos, mudou-se para a Inglaterra em 1914 (então com 25 anos) e tornou-se cidadão britânico em 1927, com 39 anos de idade. Sobre sua nacionalidade e sua influência na sua obra, T.S. Eliot disse:

"My poetry wouldn’t be what it is if I’d been born in England, and it wouldn’t be what it is if I’d stayed in America. It’s a combination of things. But in its sources, in its emotional springs, it comes from America."

[Minha poesia não seria o que é se eu tivesse nascido na Inglaterra, e não seria o que é se eu tivesse permanecido nos Estados Unidos. É uma combinação de coisas. Mas, nas suas fontes, na sua força emocional, ela vem dos Estados Unidos.]

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

A VIDA INTELECTUAL

Seu espírito, suas condições, seus métodos
Título original: La Vie Intellectuelle – Son Esprit, Ses Conditions, Ses Méthodes
Autor: A.-D. Sertillanges (1863-1948) [Antonin-Dalmace Sertillanges]
Tradutor: Lilia Ledon da Silva
Assunto: Educação clássica
Editora: É Realizações
Edição: 1ª
Ano: 2010
Páginas: 200
Nota: (Traduzida da edição de 1944, da J. Lecouvert, :Vic. Gen., Paris, França)

Sinopse: A Vida Intelectual, do padre A.-D. Sertillanges, redigida originalmente em 1920, ainda se mantém atual para os leitores do novo milênio.

Para aqueles que desejam não apenas um manual prático que permita esboçar orientações de como entrar na vida dos estudos, o livro vai além e também oferece um exemplo de vida bem-sucedida no mundo intelectual – a do próprio padre Sertillanges, que por meio de dicas preciosas permite e disponibiliza, para qualquer pessoa que tenha abertura e coragem necessárias, uma nova forma de viver que abrange gradualmente a dimensão intelectual e todos os percalços que essa vida traz consigo.

A vida intelectual não é uma dimensão separada da vida prática, e sim abarca e transcende esta, trazendo novas possibilidades e responsabilidades diante de si, dos outros e do mundo.

Assim, o espírito de uma vida intelectual está no fato de que se ela transcende a vida prática, deve ser no sentido de propiciar um maior entendimento dela. Suas condições são os valores éticos, como a honestidade intelectual e a sinceridade. Seu método consiste nos exemplos que percorrem toda a escrita do padre Sertillanges.

Este livro é dedicado a todos aqueles que desejam uma vida plena – em todas as suas potencialidades, e não há nada mais atual que esse desejo.

Excertos: “Uma vocação não se satisfaz de modo algum com leitura soltas e trabalhinhos esparsos(p.21). “...ninguém estará agindo com sabedoria se deixar seu espírito retornar pouco a pouco a seu estado de indigência inicial(p. 21). “A ambição ofende a verdade eterna quando a transforma em sua subordinada(p.23). “Obter sem pagar é o desejo universal; mas é um desejo de corações covardes e de cérebros enfermos(p. 23). “Que cada qual pense a respeito, enquanto pensar ainda pode vir a ser útil(p.24). “Pobre tartaruga trabalhadeira, nada de entreter-se, só perseverança, e ao cabo de alguns anos terá ultrapassado a lebre indolente cujo ritmo desimpedido causava inveja a seu andar penoso(p.25).


Sobre o autor: Antonin-Dalmace Sertillanges, conhecido também como Antonin-Gilbert Sertillanges ou Antonin Sertillanges nascido em Clermont-Ferrand, a 16 de novembro de 1863 e falecido em Sallanches, a 26 de julho de 1948, foi um filósofo e teólogo francês, considerado como um dos maiores expoentes do neotomismo da primeira metade do século XX.

Em 1883 ingressa na ordem dos dominicanos, mudando o próprio nome para Antonin-Gilbert. Chefe de redação da Revue Thomiste, em 1900 é nomeado professor de Ética do Institut Catholique de Paris, onde permanecerá até 1922. A publicação do seu monumental Thomas D’Aquin (1910) dá-lhe notoriedade nacional e internacional. Em 1918 é eleito membro da Académie des Sciences Morales et Politiques. Depois de um longo período em Jerusalém (1923), transfere-se para o convento de Le Saulchoir como professor de Ética Social, fazendo-se cada vez mais notar como um dos principais representantes do neotomismo francês, ao lado de Jacques Maritain [que apostata para aderir ao marxismo] e Etienne Gilson. De volta a Paris em 1940, falece oito anos depois, aos 85 anos, de parada cardíaca durante uma convenção num convento de Haute Savoie.

Segundo Sertillanges, toda atividade humana e todo saber encontram a própria razão de ser no cristianismo. Em Le Christianisme et les Philosophies, publicado em dois volumes, em 1939 e em 1941, trata os dados do próprio pensamento segundo as relações entre cristianismo e filosofia. Depois da aparição dos Evangelhos não pode haver filosofia alguma que possa prescindir dos seus ensinamentos. Segundo Sertillanges: “Sem o cristianismo não haveria nenhuma filosofia aceitável (...) todas as que apareceram depois do Evangelho, por mais úteis que sejam se fundidas com ele, jamais poderiam sozinhas trazer qualquer benefício à nossa civilização (...)”.

O teólogo francês é também um profundo conhecedor e admirador de Santo Tomás, de quem se aproximou desde que, no final do séc. XIX, foi nomeado chefe de redação da Revue Thomiste. A sua biografia do santo, publicada, como já se disse, em 1910, é uma obra imprescindível a todos que desejam aprofundar-se no estudo da vida e da obra do Aquinate. Voltará a ocupar-se de Santo Tomás em La Philosophie Morale de Saint Thomas D’Aquin (1916) e Les Grandes Thèses de la Philosophie Thomiste (1928). De Santo Tomás, Sertillanges aprecia sobretudo a aguda inteligência amparada em sólida fé e em vigorosa tensão espiritual. Logra, além disso, extrair a radical modernidade da metafísica tomista do ser (em latim, esse) e sua profunda autonomia em relação a Aristóteles, que, não obstante, o santo tinha por modelo. Escreve o filósofo francês: “[Santo Tomás] não hesita em afastar-se da autoridade de Aristóteles sempre que lhe pareça justo (...) ele engrandece a doutrina de Aristóteles e a enriquece infinitamente (...)”.

Sertillanges também é conhecido por seus estudos sobre Pascal (Blaise Pascal, 1941) e sobre Bergson (Henri Bergson et le Catholicisme, 1941), a quem era ligado por uma profunda amizade. Os seus ensaios de divulgação têm tido difusão enorme, como os teológicos Catéchisme des Incroyants (1930) e Dieu ou Rien? (1933), além de La Vie Catholique (1921) e Recueillement (1935), de inspiração moral. O teólogo também tratou de aspectos estéticos do culto cristão, sobretudo em Um Pèlerinage Artistique à Florence (1895) e Art et Apologétique (1909).

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

DOIS AMORES, DUAS CIDADES

Autor: Gustavo Corção
Assunto: Filosofia da cultura
Editora: Agir
Edição: 1ª
Ano: 1967
Páginas: 281
 
Sinopse: A obra em dois volumes versa sobre os passos e as experiências do homem em busca de um mundo melhor ou em busca de si mesmo. Uma obra de referência para o conhecimento das experiências humanas, culturais e políticas, mais especialmente as experiências democratizantes. Tudo disposto em ordem histórica. O ângulo de abordagem é o da filosofia da cultura ou da política, com suprimentos pedidos à teologia.

Ao leitor (Gustavo Corção): Este livro talvez peque pela excessiva fluidez de seu objeto: os homens; ou, quem sabe, por sua excessiva nitidez: o homem. Ou ainda, e mais provavelmente, pelo entremeio de figuras alugadas aos historiadores e das considerações filosóficas em torno delas tecidas – tudo à procura de uma compreensão melhor do mesmo obsessivo e irritante objeto. Posso dizer que ele vem completar uma grande lacuna por mim mesmo deixada nos dez mil artigos de jornal. Aqui suponho que o leitor encontrará mais desenvolvidas e meditadas as idéias que explicam muita posição tomada, muito juízo feito sobre os fatos e os homens de nosso tempo, que na ocasião não pude fundamentar; e espero que encontre também um tom mais repousado e mais demonstrativo do amor que me move.

De um modo geral podemos dizer que este livro, nos seus dois volumes, versa sobre os passos e as experiências do homem em busca de um mundo melhor ou em busca de si mesmo. Poderia ter escolhido o título inspirado em Gauguin: “Qui sommes-nous? D’où venons-nous? Où allons-nous?” [“Quem somos nós? De onde viemos? Para onde vamos?”]. Preferi tirá-lo de Santo Agostinho, na Cidade de Deus, porque além de tantas interrogações esta obra pretende formular algumas afirmações. E uma delas é precisamente a que se acha condensada no título: dois amores, duas cidades. Ou mais claramente: o mundo, a ordem política, a civilização que está para cristalizar-se, dependem essencialmente, diretamente, do amor que tivermos. E não basta dizer do amor que tivermos para uso próprio em nossa vida particular; é preciso acrescentar: do amor que tivermos e que soubermos projetar, e que assim venha a construir o próprio tecido de um mundo novo que todos nós queremos menos egoísta e menos desumano.

A matéria desta obra são as experiências humanas, culturais e políticas, e mais especialmente as experiências democratizantes, dispostas em ordem histórica; o ângulo com que é considerada é o da filosofia da cultura ou da política, com suprimentos pedidos à teologia, como convém à filosofia adéquatement prise [devidamente tidas]. As partes mais abstratas estão dispostas segundo uma ordem que me pareceu mais didática: a da proximidade da aplicação. A rigor, cada volume por ser lido separadamente, mas o autor ousa esperar que alguns leitores tenham a energia para ler os dois volumes, a fim de aprenderem a síntese que eles propõem. Justamente por ser simples demais, a idéia principal que atravessa estas mil páginas precisa de amparo e do concurso de muitos fatores, precisa de uma mobilização geral de recursos, para livrar-se do lugar comum ou da palavra vazia.

Daí a necessidade de tantas páginas, de tantos assuntos, de tantas perspectivas que expõem esta obra ao risco de parecer-se com a tese de Pico de la Mirandola, intitulada “De omini re scibili” [“Os presságios do cognoscível”]; e ao risco ainda maior de merecer a crítica do leitor malicioso que acrescentou o subtítulo: “et quibusdam aliis” [“e certos outros”]. Não pretendo ter escrito sobre todas as coisas sabíveis, mas pretendo ter escrito, um pouco abundantemente, sobre algumas coisas que, normalmente, deveriam dispensar tamanho discurso.

O Autor

Orelhas do segundo volume: Quem quiser entender, menos superficialmente, as dores e esperanças dos tempos presentes, para entrever as promessas ou ameaças do futuro, terá de volver às experiências passadas, recapitular as buscas, os erros, as conquistas fecundas e as grandes expectações frustradas, tudo isto sentido como coisa passada e ao mesmo tempo atuante, perempta e atual. A genética da história, de que tanto se abusa para anunciar mutações, vale primeiro para assegurar continuidades. Para esse empreendimento vertiginosamente variado e denso é preciso possuir um sólido equipamento de princípios, critérios, eixos, que tenham força e firmeza para medir e julgar o movediço turbilhão de fatos e feitos que encheu os séculos.

É uma ousada tentativa desse gênero que nos traz esse novo livro de G.C. [Gilbert K. Chesterton] que certamente surpreenderá seu leitor habitual, e por mais forte razão aqueles que, a respeito desse autor, descansavam nas classificações definitivas. Ao longo de suas mil páginas, alternadas entre quadros pedidos aos historiadores e especulações às vezes árduas pedidas a filósofos e teólogos, para maior apuro dos princípios e dos critérios, este livro variado, ora exigente de atenção máxima, ora remunerador com agrados do estilo e das imagens, move-se todo na perseguição de uma estrela de Belém ou de uma idéia-luz de inspiração agostiniana, que transparece desde o título: dois amores e duas cidades. O mundo melhor que todos queremos depende de uma essencial opção entre dois amores, e da capacidade que tivermos de colocar tal escolha como constelação zodiacal do novo mundo. “Une nouvelle chrétienté demande à naitre”, diz Charles Journet. Este livro é a prolongada glosa dessa esperança.

Há na estrutura deste livro uma característica que forma certo contraste com a índole personalíssima do autor. Contra seus hábitos, o livro é carregado de citações, ou melhor, o livro é uma conversação onde falam vários autores, às vezes longamente. Não se trata de citações usadas para corroborar o pensamento do autor, mas de toda uma trama de contribuições postas em forma de autêntico diálogo. Trata-se pois de um livro escrito por uma centena de autores. É verdade que no meio das vozes harmoniosas há aqui e ali, como no teatro, passagens inteiras de algum vilão.

No segundo volume, sobretudo nos últimos capítulos, temos uma pungente exposição dos erros terríveis acumulados na Civilização Ocidental Moderna, desde a Renascença e a Reforma, e cobrados agora aos estupefatos habitantes do século XX. É nessa parte do livro que se adensa a contribuição que Gustavo Corção nos traz nesta obra que compendia as reflexões vividas e tantas vezes difundidas pelo autor, em artigos, conferências e aulas, nestes últimos dez anos (1967) A conclusão se chama Inconclusão e diz respeito às perplexidades e lutas do turvado presente. Teremos perdido a primeira batalha? Teremos avançado através da tortuosidade dos caminhos?

sábado, 1 de setembro de 2012

CRISE E UTOPIA: O Dilema de Thomas More

Autor: Martim Vasques da Cunha
Assunto: Filosofia
Editora: Vide Editorial
Edição: 1ª
Ano: 2012
Páginas: 324

Sinopse: Este livro procura falar sobre a 'crise da modernidade' no coração do Humanismo europeu.

Comentários: Habitar um mundo onde desconhecemos o certo do errado, o justo do injusto, o Bem do Mal – eis a “crise da modernidade”, segundo Leo Strauss, que em The Three Waves of Modernity deu rostos a essa crise.

O primeiro deles teria sido Maquiavel, o florentino que aceitou a divisão profunda entre ser e dever ser, recusando o horizonte espiritual do Cristianismo e procurando numa reactualização da Roma Antiga as virtudes pagãs para a manutenção do poder. Se a fortuna é como uma mulher que pode ser subjugada pelo uso da força, de nada valem as antigas piedades cristãs. Elas podem ser boas para a alma individual, mas são nocivas para a firmeza e a conservação dos Estados.

Nas “vagas da modernidade” de Strauss, o que começa com Maquiavel continua com Rousseau e termina com Nietzsche: o niilismo está consumado. Não existe mais nenhum standard universal, transtemporal e transespecial, que permita aos homens atuar na história terrena conservando ainda um quadro axiológico sub specie aeternitatis. Os homens estão agora entregues ao seu destino – o que significa, no limite, que eles escolhem e produzem os seus próprios valores.

A importância de Crise e Utopia: O Dilema de Thomas More, uma obra notável sobre a “crise da modernidade” no coração do Humanismo europeu, está na escolha de Thomas More como o primeiro rosto que Strauss esqueceu. Maquiavel é já um convertido à “política da fé”, para usar a expressão racionalista de Michael Oakeshott. Mas Thomas More situa-se antes do dilúvio consumado, embora antecipando e vivendo na ansiedade do turbilhão.

E as perguntas – dilacerantes para More – confluem para o mesmo ponto: em que cidade podemos, ou devemos, viver? Na cidade dos homens? Na cidade de Deus? E que relação é possível estabelecer entre ambas? Haverá ainda uma unidade espiritual entre a alma bem ordenada e uma polis que seja a extensão dessa alma? E como atuar neste wretched world? Como conciliar os princípios com as circunstâncias, sem necessariamente sacrificar os primeiros – ou, mais ainda, sem vergar as circunstâncias às “metástases da fé”?

Thomas More formulou todas estas perguntas: na sua conduta privada na corte de Henrique VIII e na sua produção intelectual, onde se destaca Utopia, que Martim Vasques da Cunha apresenta como a culminação irónica e desencantada da “crise da modernidade”: a evidência cruel de que “o recuo da comunidade cristã”, para usar uma expressão cara a Roger Scruton, apenas nos conduz a “palavras, palavras, palavras” – no fundo, a esse Lugar Nenhum onde teremos como cicerone um mestre da efabulação – e das “bobagens”.

Para Leo Strauss, a “crise da modernidade” não representaria apenas um impasse ético, mas também epistemológico: se desconhecemos a verdade, como a procurar? Ou, dito ainda de outra forma, que papel resta ao “intelectual secular” quando ele sente que a ordem espiritual se foi eclipsando na polis? Cabe-lhe ser conselheiro de príncipes, tarefa a que o referido florentino se entregou com entusiasmo? Ou haverá ainda espaço para evitar essa “traição”, como a caracterizou Julien Benda, e conservar um reduto último e inegociável que, na falta de melhor palavra, designaremos por “consciência”?

Martim Vasques da Cunha mostra-nos que as tentativas de resposta a essa pergunta agónica não se limitaram a ocupar a pena de Thomas More. Na verdade, elas o acompanharam literalmente até ao fim da vida.
(Texto de João Pereira Coutinho nas orelhas do livro, Lisboa, 6 de fevereiro de 2012)



sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O ESCRITOR E SUA MISSÃO

Título original:      
Autor: Thomas Mann (1875-1955)
Tradução: Kristina Michahelles
Editora: Zahar
Assunto: Ensaios
Edição: 1ª
Ano: 2011
Páginas: 208
Sinopse: Thomas Mann tem uma vasta e relevante produção não ficcional, pouco conhecida e/ou publicada no Brasil. Para divulgá-la, a Zahar está lançando a série Thomas Mann - Escritos & Ensaios, com volumes organizados especialmente para o público brasileiro. Este primeiro volume, 'O escritor e sua missão', reúne 12 ensaios a respeito da obra (e muitas vezes também a vida) de expoentes como Tolstói, Goethe, Dostoiévski, Hermann Hesse, Shaw, Heinrich Heine, Ibsen, Zola e Tchekhov. São textos escritos por Mann em contextos variados: homenagens em datas comemorativas de Goethe e Tolstói, necrológio para George Bernard Shaw e Hugo von Hofmannsthal, prefácio a uma edição de Dostoiévski, resposta a uma pesquisa de um jornal no caso de Ibsen... E versam sobre temas não menos diversos, tais como os pontos de aproximação entre as obras de Ibsen e Wagner, papel de Goethe como representante da era burguesa, a relação entre Dostoiévski, sua doença e sua produção literária. Eruditos e instigantes, os ensaios oferecem uma luz original não apenas sobre outros autores, mas também sobre o próprio Mann, pois dialogam com sua produção ficcional, refletindo os interesses, preocupações e desafios que o estimularam ao longo de sua trajetória.
Em alguns momentos, o leitor terá a impressão de que o autor comenta seus próprios textos ao analisar os escritos alheios. Um livro essencial para se aprofundar não apenas na obra de escritores modernos europeus e o contexto em que foram realizados os seus escritos, mas também no próprio pensamento de Thomas Mann.
Resenha: O artigo que abre o volume intitula-se “Sobre Heinrich Heine”. Trata-se de um pequeno texto em que Mann elogia a obra desse poeta alemão de origem judaica que foi, provavelmente, o primeiro sujeito a receber a alcunha de “último dos românticos” e que foi celebrizado pela musicalização que compositores como Schumann, Brahms e Schubert fizeram de seus versos. O artigo visava defender a construção de um monumento em homenagem a Heine, projeto que, na época, estava atravancado pelo furor antissemita que grassava na Alemanha.
O segundo texto é “Ibsen e Wagner”. Nele, Mann estabelece um paralelo entre as obras do compositor Richard Wagner, famoso por “O Anel dos Nibelungos”, seu ciclo operístico megalomaníaco (no melhor dos sentidos), e a dramaturgia de Henrik Ibsen, partindo de uma observação casual de Hermann Levy, um famoso regente de Bayreuth, que, ao assistir pela primeira vez a uma peça de Ibsen, teria dito: “Ou bem isto é ridículo, ou é tão grandioso quanto Wagner.” Mann advoga que Ibsen e Wagner, na comédia de costumes e na ópera, respectivamente, foram capazes de transcender os gêneros que cultivaram, criando, a partir de sua matéria bruta, algo novo e perfeito.
A seguir, o [terceiro] ensaio “Tolstói – no centenário do seu nascimento” apresenta um retrato semiliterário do romancista russo. Mann o enaltece como um homem de fibra e personalidade, representante dos melhores valores e do espírito épico da segunda metade do século XIX, uma espécie de profeta que, mesmo quando tencionava deixar a arte de lado para transmitir lições e opiniões, escrevia com criatividade e imensa lucidez, tanto que, nas palavras de Mann, foi capaz de conceber “o romance social mais poderoso da literatura mundial”: Anna Karenina.
[Quarto ensaio] O necrológio “In memoriam Hugo von Hofmannsthal” focaliza muito mais a relação de amizade de Mann com o poeta e dramaturgo austríaco do que a obra deste, a qual, pelo menos no Brasil, é mais conhecida através dos libretos que ele escreveu para várias óperas de Richard Strauss. Não deixa de ser interessante apreciar, através dos relatos de Mann, um pouco dos bastidores da cena literária alemã do começo do século XX, da camaradagem e das trocas entre os autores de então, e ainda deparar com percepções preciosas de Mann, como a seguinte descrição da pessoa de Hofmannsthal:
“Ele tinha uma maneira de compreender antes que o próprio interlocutor compreendesse, de aperfeiçoar e dar sequência a coisas que capturava no ar, fazendo com que a conversação transcorresse com leveza onírica e jocosamente inteligente.”
O quinto texto, “Discurso sobre Lessing”, é um ensaio caudaloso no qual Mann disserta sobre a obra de Gotthold Ephraim Lessing, poeta, dramaturgo, crítico de arte e filósofo, autor de Laocoonte, ou Sobre as fronteiras da pintura e da poesia, um clássico da teoria estética, enaltecendo-o como um tipo “fundador, em que vidas futuras se reconhecem”, um dos espíritos “mais crentes, bondosos e esperançosos que já viveram e se preocuparam com o humano”. Mann defende o status de poeta muitas vezes negado a Lessing pela crítica, aborda sua tendência à polêmica (descrevendo um célebre embate teológico em que Lessing se envolveu e ao final do qual acabou proibido de publicar textos sobre religião) e ainda traça um instigante paralelo entre ele e Lutero, tendo ambos como exemplos de personalidades libertárias, questionadoras e à frente de seus tempos.
[Sexto ensaio] Em “Goethe como representante da era burguesa”, Mann parte de três possíveis maneiras de avaliar a significância e o impacto de Goethe na cultura: a primeira, mais modesta, seria considerá-lo como o mestre do classicismo alemão que, de fato, forjou a noção de uma cultura alemã; a segunda, grandiloquente, mas não necessariamente exagerada, consistiria em colocá-lo entre os “grandes vultos que já passaram pela Terra”, um desses expoentes cuja influência se estende por milênios e que, por isso, acabam adquirindo aura mítica; a terceira, uma espécie de meio-termo entre as duas primeiras abordagens, seria alçar Goethe à condição de representante da “era burguesa”, isto é, o período histórico que se estende desde o século XV até a virada do século XIX. A partir daí, Mann busca retratar o autor de Werther e Fausto como um típico burguês, de “modos simples e educados”, amante da boa comida e da bebida, que se agradava da rotina e do fato de pertencer a um estrato social confortavelmente mediano, o qual seria propício ao talento, pois, nas palavras do próprio Goethe, “encontramos todos os grandes artistas e poetas nas classes médias”. Levando-se em conta o contexto histórico, é plenamente justificado o esforço de Mann para retratar Goethe dessa forma: trata-se de uma resposta aos nazistas que, na época, em 1932, ganhavam cada vez mais poder e buscavam legitimar seus ideais e suas doutrinas deturpando a imagem de grandes pensadores germânicos, como Goethe, o qual, não raro, era convenientemente descrito por eles como populista e ultranacionalista.
O sétimo ensaio que compõe o volume é “Dostoiévski, com moderação”, um prefácio redigido por Mann para uma coletânea de romances do autor russo publicada nos Estados Unidos. Aqui, Mann demonstra seu fascínio pela condição de epilético e pelo estigma de homem doente sob o qual vivia o autor de Os Demônios, condição essa que abarcaria a “grandeza religiosa dos amaldiçoados, do gênio como doença e da doença como gênio, do tipo do atormentado e do possesso, no qual o santo e o criminoso se tornam um só”. Analisa, então, a repercussão dessa doença de êxtases e convulsões sobre a personalidade marginal de Dostoiévski e sobre a sua produção literária, chegando, em certos momentos, a tecer saborosas (porém equivocadas) especulações sobre uma eventual origem psíquica da epilepsia:
“Em minha opinião ela indubitavelmente tem suas raízes no campo sexual e é uma forma selvagem e explosiva de sua dinâmica, um ato sexual deslocado e transfigurado, uma devassidão mística.”
A partir da convicção nietzscheana de que as situações de exceção condicionam o artista, “todas as situações que são profundamente aparentadas e entretecidas com sintomas doentios”, e da pré-existência do conceito de “super-homem” na obra de Dostoiévski (mais especificamente nas falas da personagem Kirilov, em Os Demônios), Mann estabelece ainda um diálogo entre o romancista russo e o filósofo niilista alemão.

- O autor, pouco antes de morrer (1955) -

[Oitavo] Segue-se o texto congratulatório “Hermann Hesse – homenagem ao seu 70º aniversário”. Nesse artigo, mais uma vez, Mann apoia-se na sua relação pessoal com o escritor comentado para tratar de assuntos universais – aqui, mais especificamente, o conflito entre a visão crítica de certos intelectuais alemães (ele próprio e Hesse inclusos) e a tacanhice ideológica e estultice patriota dos diversos setores sociais que serviram de substrato ao crescimento do nazismo ou que por ele se deixaram contaminar. Um dos primeiros pontos de contato que Mann apresenta para ilustrar sua proximidade com Hesse é o fato de ambos terem sido chamados de “miseráveis” por um certo compositor de Munique porque ambos não compactuariam com a crença de que os alemães seriam “o maior e mais nobre dos povos, ‘um canário entre rolinhas’”. A visão compartilhada de Mann e Hesse acerca da presunção e do provincianismo germânico é sintetizada em uma sentença no melhor estilo “pá de cal”: “Na Alemanha, aliás, os insatisfeitos com a cultura alemã foram sempre os mais alemães de todos.”

[Nono] Em “Bernard Shaw”, mais um necrológio contido na compilação, Mann escreve sobre aquele que, sem dúvidas, foi seu dramaturgo favorito, ressaltando o apreço que o autor dublinense tinha pela Alemanha, esse país que reconheceu sua importância para o teatro antes mesmo dos países de língua inglesa, muito embora a influência da cultura germânica sobre a obra de Shaw fosse mínima e mesmo que seu conhecimento nesse âmbito fosse “fragmentário e casual”. Outro aspecto abordado por Mann é o influxo da música na obra de Shaw, socialista radical capaz de se dedicar com idêntica paixão ao estudo de O Capital ou da partitura de “Tristão e Isolda”. Shaw era um homem austero, dado a banhos frios, vegetariano, que gostava de escrever em uma cabana de simplicidade franciscana, e essas características, que se poderiam chamar de tendência ascética de Shaw, não passam incólumes à leve (mas constante) acidez de Mann, como mostra o trecho a seguir, um excerto particularmente divertido quando lido por olhos vegetarianos:
“Na imagem de Shaw (…) há algo de magro, de vegetariano e de frígido que, para mim, não combina com a imagem de grandeza. (…) A batalha pesada (que lembra o titã Atlas) e a carga muscular e moral de um Tolstói; Strindberg, que passou pelo inferno; a morte de Nietzsche como mártir na cruz do pensamento nos insuflam esse respeito trágico. Nada disso no caso de Shaw.”
E lança, então, uma pergunta provocadora, cuja resposta deixa propositalmente em aberto: “Estaria ele acima disso ou não estaria ele à altura disso?”.
O décimo artigo, “Gerhart Hauptmann”, versa sobre o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1912, um romancista e dramaturgo alemão cuja obra, inicialmente de tendências naturalistas (vide as peças “Antes da aurora” ou “Os tecelões”), converteu-se em algo muito mais próximo de um simbolismo metafísico de forte inspiração religiosa (a novela Herege de Soana é um exemplo). Mann gasta um bom pedaço do artigo para explicar que o fato de ter se inspirado em Hauptmann para criar o cativante mas desajeitado e naïf Mynheer Peeperkorn de A Montanha Mágica foi uma homenagem, e não uma traição. Porém, ao tratar da concepção dessa caricatura, Mann não está se justificando ou pedindo escusas de qualquer tipo à opinião pública; ele está, em realidade, tratando de um tema fundamental na arte da escrita: a modelagem de personagens literárias.
O penúltimo texto, “Fragmento sobre Zola”, é uma das raras referências ao escritor francês dentro da obra ensaística de Thomas Mann. Embora ele defenda a proposta estética de Zola, considerando que seu naturalismo “se alça ao plano do simbólico e se vincula intimamente ao mítico”, é o engajamento social do autor de Germinal que o fascina sobretudo, especialmente sua intervenção no famoso caso Dreyfus, em que um oficial judeu do exército francês, em flagrante manifestação de antissemitismo, foi injustamente acusado de traição à pátria.
Encerrando a compilação O escritor e sua missão, está o belíssimo “Ensaio sobre Tchekhov”. Certa vez, no começo de sua carreira literária, quando a fama do escritor já eclipsava a do médico, Tchekhov, eternamente modesto, insatisfeito e desconfiado do próprio talento para as letras, escreveu: “Será que estou ludibriando o leitor, já que não sou capaz de responder às questões mais importantes?”. E foi essa frase que tocou fundo no espírito de Mann a ponto de fazê-lo se debruçar sobre a biografia de Tchekhov. E, de fato, o ensaio de Mann elenca e esmiúça várias passagens da vida do russo, buscando, pelo veio biográfico, explicar a gênese e a importância de sua obra, essa obra que, ao contrário das criações de Tolstói e Dostoiévski, “abriu mão da monumentalidade épica” e, mesmo assim, conseguiu encerrar em si “toda a vasta Rússia de antes da revolução, com sua natureza eterna e suas eternas condições sociais ‘desnaturadas’”.

* x * x *

Comentários: Esse caleidoscópio de ensaios, um bem temperado aperitivo da obra não-ficcional de Mann, certamente atrairá escritores (e candidatos a escritores) em busca de “conselhos” desse gigante da literatura universal sobre o ofício (até mesmo por causa do título escolhido para a coletânea, que parece insinuar algo nessa direção). Tais leitores poderão se desapontar, porque, de fato, o livro está longe de ser um “manual de criação literária” ou coisa parecida. Contudo, para quem tem sede de colher alguma dica sobre o assunto, é possível sim garimpar algumas delas entre as observações do próprio Mann e citações que ele busca em outros autores para ilustrar suas argumentações. Eis algumas delas, transcritas em uma salada proposital, sem delimitar claramente o que é original de Mann e o que é invocado por ele a partir de outros:
"A genialidade na arte seria então o elemento da surpresa e do encanto que causa pasmo, o elemento da ousadia que só pode ser conhecido em suas realizações.
(…) como ensina a estética de Schopenhauer (…) as obras mais elevadas se contentam com um mínimo de ação.
Há a dolorosa constatação de que a palavra apenas consegue elogiar a beleza física, nunca reproduzi-la, há o desafio aos poetas de abrir mão da descrição, da narrativa da beleza, para, em seu lugar, pintar para nós o bem-estar, o afeto, o amor, o encanto que a beleza causa, pois com isso, diz Lessing, “tereis pintado a beleza ela mesma”.
Uma obra-prima não pode parecer obra-prima.
Apesar de tudo, parece que um artista, um criador (…), não tem como não afirmar a vida e lhe ser fiel.
Literatura nacional já não quer dizer muita coisa; é chegada a hora da literatura mundial (…).
Sinto que, sobre o demoníaco, deve-se “poetar” e não apenas escrever.
Foi o pintor e escultor francês Degas quem afirmou que um artista deve se aproximar de sua obra como um criminoso executa seu ato.
Pois a única forma de lidar com o que é poético, irracional, é por meio da literatura, e não por intermédio da palavra que analisa e dissocia.
A insatisfação consigo mesmo constitui um elemento básico de todo talento genuíno."

(Resenha e comentários da obra são de Rafael Bán Jacobsen, extraídos de http://www.amalgama.blog.br/02/2012/o-escritor-e-sua-missao-thomas-mann/)

quinta-feira, 5 de julho de 2012

A GÊNESE DO DOUTOR FAUSTO

Título original: Die Entstehung des Doktor Faustus
Autor: Thomas Mann (1875-1955)
Tradutor: Ricardo Ferreira Henrique
Assunto: Romance (Teoria e crítica literária)
Editora: Mandarim
Edição: 1ª
Ano: 2001
Páginas: 184

Sinopse: Thomas Mann decidiu reconstruir o processo de elaboração de sua grande obra da velhice. Planejado como mero “fragmento biográfico”, A gênese do Doutor Fausto foi composto com base no seu diário íntimo e tornou-se o romance sobre um romance – mais que uma exegese literária, um relato pessoal ancorado na vida cotidiana dos tumultuados anos 40.

Durante a criação do Doutor Fausto, escrito entre maio de 1943 e janeiro de 1947, Thomas Mann registrou em seu diário os fatos políticos, históricos e pessoais da época e, um ano e meio após a conclusão do livro, começou a escrever A gênese do Doutor Fausto, a partir daqueles apontamentos.

Este livro, como o próprio Thomas Mann reconheceu, é uma “confissão direta” que serve, na leitura do Doutor Fausto, como acompanhamento indicador de todos os fatos pessoais e históricos do contexto. É muito mais do que isso, no entanto: nele o autor revela, com enorme riqueza lingüística e cultural e ironia ímpar, “a singularidade da experiência produtiva”, as pesquisas e leituras que fez para elaborar o Doutor Fausto e o nome daqueles que influenciaram na criação das personagens. Acima de tudo, ao transcrever trechos de seu diário e comentá-los, Thomas Mann faz de si personagem e de sua vida, romance dos mais magníficos.

O tradutor do livro comenta que motivos não lhe faltavam para desejar esmiuçar a história do livro: no Doutor Fausto, Thomas Mann experimentara técnicas narrativas novas, mesclando planos temporais, ficção e realidade, fazendo empréstimos ao destino de Nietzsche, à teoria musical de Schönberg, aos dramas de Shakespeare. Na Gênese, são reveladas a participação crucial do filósofo Adorno na construção do romance e a grande carga autobiográfica que Mann ali depositou, dos suicídios das irmãs ao deslumbramento pelo neto Frido.

Ao retraçar suas pesquisas e leituras para o trabalho, o septuagenário discorre com entusiasmo e maestria sobre quatro séculos de cultura, comentando obras de colegas, como Stendhal e Hauptmann, os contos de Stifter e os romances de Conrad, discutindo Beethoven e Goethe com o mesmo afã com que se mede com Joyce, Hesse, Proust.

A gênese do Doutor Fausto oferece um amplo panorama histórico do final da Segunda Guerra e do despontar da guerra fria. No papel de grande escritor banido pelos nazistas, Thomas Mann circulou nos meios diplomáticos de Washington e nas rodas glamourosas de Hollywood em conflito ideológico constante com seus conterrâneos exilados. Assim são revivificados. No calor da hora e sob a pena afiada, não só Roosevelt e Litwinow, mas ainda Chaplin e Arthur Rubinstein, Brecht e Alfred Döblin.

O subtítulo romance sobre um romance traz um grão da ironia que o autor tanto preza em seus próprios escritos e remete à fluidez das fronteiras entre os gêneros literários.

Para melhor aproveitamento da leitura desta obra recomendo ler antes o Doutor Fausto. Àqueles que desejarem se aprofundar no conhecimento do grande escritor alemão, recomendo igualmente a leitura de THOMAS MANN Uma biografia, de Donald Prater, tradução de Luciano Trigo, Editora Nova Fronteira. (Anatoli Oliynik).

sexta-feira, 1 de junho de 2012

O ERRO DE NARCISO

Título original: L’Erreur de Narcisse
Autor: Louis Lavelle (1883-1951)
Tradutor: Paulo Neves
Assunto: Ensaio filosófico
Editora: É Realizações
Edição: 1ª
Ano: 2012
Páginas: 208
 
Sinopse: Os excertos apresentação à edição brasileira e prefácio à edição francesa que se seguem, constituem a sinopse deste livro, escrito em 1939 e que permaneceu pouco divulgado para os franceses e praticamente desconhecido para os leitores e intelectuais brasileiros durante sete décadas. Apesar do tempo transcorrido este pequeno grande livro não perdeu a sua atualidade, aliás, é mais necessário nos tempos atuais do que em qualquer outra época. (Anatoli Oliynik)

Trechos da apresentação à edição brasileira: No começo, era mito. Há diferentes versões da história de Narciso, que a mitologia grega nos legou. Mas em todas o núcleo é sempre o mesmo: Narciso era um famoso adolescente, filho dos amores de um deus-rio, Cêfiso, e uma ninfa.

Quando nasceu, os pais interrogaram o vidente Tirésias sobre o destino de Narciso, e a resposta foi enigmática: o menino conheceria a velhice se não visse a si mesmo... Chegando à juventude, sua rara beleza despertava paixões ardentes nos que o contemplavam, mas era com frio desdém que ele reagia ao amor de mortais e imortais.

Como tantas, a ninfa Eco se apaixonou por Narciso e precisou amargar a mesma decepção: encerrou-se em uma solitária caverna onde foi definhando até que de sua pessoa não restasse mais do que uma voz que gemia. Então, as jovens desprezadas pediram vingança aos céus: Nêmesis, a justa, as ouviu. Em uma tarde de calor esbraseante, Narciso, fatigado de longas horas de caça, abeirou-se de um riacho para dessedentar-se.

No espelho das águas viu sua figura e por ela se apaixonou perdidamente. Nada o demoveria do enleio que o enfeitiçara: quedou-se a contemplar a própria imagem até que a morte o levou para as regiões trevosas banhadas pelo Estige. Junto a essas águas sombrias, Narciso não cessa de perseguir sua amada figura.

Narciso foi condenado a fitar para sempre o que não tem substância, o que é puro reflexo tremulando na água, fugidio, mas nem por isso menos presente e sedutor aos olhos de quem o ama.

Louis Lavelle cavou fundo nesse reino do mito de Narciso. A riqueza dos desdobramentos que o filósofo explora neste livro desnorteia, pois, à primeira vista, pode parecer que a conversão do mito de Narciso em alegoria do amor-próprio antes fecha do que abre o universo da significação. Mas felizmente Lavelle não se detém na tentação alegorizante, que conduziria à uniformidade da abstração.

Ora, a consciência que Narciso quer ter de si mesmo lhe tira a vontade de viver, isto é, de agir. Em outras palavras: contemplar-se narcisicamente é um processo compulsivo, um guante interior que agarra e sufoca o eu, paralisando o movimento de ir além de si e transcender o círculo vicioso da autofruição.

Para romper a força desse temível encantamento seria necessário transformar as águas especulares da fonte em águas originárias e fecundas que limpem o eu e animem a vontade de abrir-se aos outros, ao mundo, às surpresas do objeto.

No “eterno presente” da consciência, vigora também a tensão da vontade, que lida com as formas ainda virtuais do futuro, enquanto projeto.

Um dos tristes efeitos dessa paralisação da vontade é a impossibilidade vivida por Narciso de sair do passado, isto é, daquele seu rosto já precocemente incorporado e lisonjeado. A imagem presente de Narciso é o legado de tudo que já passou, mas que, ao mesmo tempo, ficou espelhado na aparência atual: “ali ninguém pode ler senão para trás o segredo do seu destino”.

Lavelle descreve com acuidade, aqui dolorosa, a condição do jovem belo, que se fixou prematuramente na própria imagem, bloqueando as conquistas da maturidade e arriscando-se a morrer para si antes do tempo. Tirésias acertou na sua profecia: a morte viria inapelavelmente quando Narciso olhasse para a própria figura. No lugar onde morreu, brotou uma flor a que os homens deram o nome de narciso: bordas cor de sangue tingem suas pétalas amarelas. (Alfredo Bosi)

Trechos do prefácio à edição francesa: “Este pequeno livro é grande por seu conteúdo, que retoma o problema da consciência de si pondo em evidência todas as armadilhas do amor-próprio. Lá onde Lacan vê no desdobramento do eu a constituição de uma imagem de si originária, rígida e mortífera, Lavelle designa o amor-próprio – ou a vaidade de querer dar uma falsa imagem de si – como o que impede a consciência de viver.

O Erro de Narciso, sob a aparência de um modesto livro de reflexão moral, é no fundo um verdadeiro guia espiritual fundado numa metafísica da existência como abertura à realidade do espírito. Que nos permitam citar aqui as palavras de Pierre Hadot, filósofo contemporâneo particularmente clarividente: "Gostei muito do livro de Louis Lavelle, O Erro de Narciso, porque a série de curtas meditações que formam esse pequeno livro e que são, cada qual, um convite a praticar um exercício espiritual, conduz pouco a pouco o leitor àquele 'presente onde se acha situado o cume da nossa consciência' e à tomada de consciência da 'presença pura'". (Jean-Louis Vieillard-Baron).

Sobre o autor: Louis Lavelle (St. Martin de Villereal, 15 de julho de 1883 - Parranquet, 1 de setembro de 1951) foi um filósofo metafísico francês. Sua magnum opus é La Dialectique de l'éternel présent, uma obra metafísica em quatro volumes: De l'Être (1928), De l'Acte (1937), Du Temps et de l'Eternité (1945) e De l'Âme Humaine (1951).

Entre outros, a obra de Lavelle inclui: La dialectique du monde sensible: Lu perception visuelle de la profondeur (1921), La conscience de soi (1933), La présence totale (1934), L'Erreur de Narcisse (1939), Le Mal et la Souffrance (1940), La Parole et l'Écriture (1947) e Les puissances du Moi (1948).

sábado, 5 de maio de 2012

SETE MENTIRAS SOBRE A IGREJA CATÓLICA

Título original: Seven Lies About Catholic History
Autor: Diane Moczar
Tradutor: Gabriel Galeff Barreiro
Assunto: Ensaio
Editora: Castela
Edição: 1ª
Ano: 2012
Páginas: 215

Sinopse: Diane Moczar, historiadora norte-americana, escreveu um pequeno grande livro rebatendo as mais habituais mentiras que são espalhadas contra a Igreja Católica. A edição brasileira saiu pela Editora Castela, do Rio de Janeiro. É um guia muito útil para os católicos, muitas vezes confrontados com as mentiras sempre repetidas que acabaram ganhando força de verdade. É útil também para o público em geral, interessado na verdade dos fatos. Com base em fatos históricos e pesquisas científicas, a ph.D. norte-americada Diana Moczar nos revela uma nova versão sobre as Cruzadas, a Idade Média, a Inquisição, e Igreja Católica no período pré-Reforma, a posição da Igreja no caso astrônomo Galileu, a ação dos católicos espanhóis no Novo Mundo e outros eventos marcantes da história da Civilização Ocidental. A autora também nos fala sobre a medicina na Idade Média, a mulher medieval, a usura, a heresia albigense, a monarquia católica, o Império Bizantino e a devastação causada pela reforma. Ela nos informa sobre historiadores bons e ruins, sobre autores seculares que não sofrem do preconceito anticatólico e nos indica leituras para estudos posteriores. Sete Mentiras Sobre a Igreja Católica faz mais que defender a Igreja: explica-nos como compreender e responder às principais mentiras sobre a história católica e estimula o interesse pelo verdadeiro passado de nossa mãe espiritual. É um livro que educa, diverte e revisa a postura e as obras da Igreja ao longo das eras. Acostumada ao clichê “Igreja Católica: inimiga da humanidade”, Diane Moczar prova que os católicos, na verdade, estão inseridos no terreno elevado da História e que o alvo principal das mentiras anticatólicas não é senão o Próprio Deus.

Sobre a autora: Diane Moczar, ph.D., ensina História na Northern Virginia Community College. Entre outras obras, destacam-se Islam at the Gattes, sobre a guerra da Europa contra os turco-otomanos, e Ten Dates Every Catholic Should Know.

SETE MENTIRAS SOBRE A IGREJA CATÓLICA

(Não seja mais um a propagá-las: estude)

1
Idade Média, a “idade das trevas”
A mentira:
a Idade Média foi uma longa era obscura de ignorância e superstição, abrandada somente com o advento do Renascimento.
2
Igreja Católica: inimiga do progresso
A mentira:
junto com a ascensão do cristianismo veio o atraso cultural e material da Europa em todas as áreas, culpa da resistência religiosa.
3
Uma cruzada contra a verdade
A mentira:
as Cruzadas foram crimes contra a humanidade, um dos melhores exemplos de fanatismo religioso destrutivo.
4
A sinistra Inquisição
A mentira:
durante séculos a Igreja Católica patrocinou a perseguição, tortura e morte de milhares, talvez milhões de pessoas inocentes.
5
A ciência no tribunal: a Igreja Católica versus Galileu
A mentira:
com regularidade, a Igreja tem reprimido a ciência e perseguido cientistas, provando, assim, que suas doutrinas religiosas são incompatíveis com a razão e o conhecimento empírico.
6
Uma Igreja corrompida até o topo
A mentira:
a Reforma Protestante foi necessária, pois a Igreja Católica estava inteiramente corrompida por imoralidade e falsa doutrina.
7
A oportuna Lenda Negra
A mentira:
os exploradores espanhóis do Novo Mundo foram cruéis e gananciosos. Ao cumprir as ordens de seus mestres católicos, eles trouxeram miséria incalculável aos pacatos nativos do continente americano.








Comentário em vídeo de Nivaldo Cordeiro.


O PAPEL DA IGREJA NA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL



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