sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

FEDRO

Autor: Platão (427-348/47 a.C.)
Tradução: Jorge Paleikat
Assunto: Filosofia
Editora: Globo
Edição: não consta
Ano: 1945
Páginas: 72 (191-263)

Comentário de Jorge Paleikat: O “Fedro” é um dos mais célebres e mais sugestivos diálogos de Platão. Já os escritores antigos, como Dionísio de Halicarnasso, assim o consideravam. No século passado [XIX], um filósofo que era ao mesmo tempo um erudito, Frederico Schleiermacher, considerava “Fedro”, como o resumo da filosofia de Platão.

O mistério do amor fornece a este diálogo a sua intensidade dramática. E a maneira pela qual Platão examina esse tema eterno, faz de “Fedro” não somente uma profunda obra filosófica mas, ainda, uma magnífica obra-prima do pensamento humano.

O “Fedro” prolonga o “Banquete”, acrescentando maior nitidez a algumas questões que foram examinadas neste último diálogo. Dá ao pensamento de Platão maior precisão e desenvolve idéias do mais alto interesse no que se relaciona com o problema da cultura filosófica. É-se tentado a aceitar que o “Fedro” representa, na filosofia de Platão – e talvez mesmo na filosofia da Grécia – aquele “dia feliz de verão”, de que fala Wilamowitz. Resumindo o “Fédon”, o “Banquete” e a “República”, o “Fedro” é um dia radioso no alvorecer da filosofia. Nele se cruzam idéias expostas em outros diálogos, se anunciam, através de um névoa a que o sol dá um brilho particular, outros problemas fundamentais do pensamento humano.

Não se sabe bem quando foi composto este diálogo. Julgam os especialistas que foi redigido por volta do ano de 366 antes de Cristo. Mas, estas minúcias não são de tal importância diante do interesse que o diálogo apresenta por si mesmo.
Os interlocutores deste diálogo são dois: o velho e irônico Sócrates e o “jovem” entusiasta, Fedro. Mais jovem talvez pelo espírito do que propriamente pela idade. Duas outras figuras aparecem no diálogo, mas de uma maneira indireta: Lísias e Isócrates. O primeiro é um logógrafo, uma causídico ou mestre de retórica, meteco que teve uma certa fama em Atenas. Isócrates – amigo de Platão – é o orador grego, dotado de certo espírito filosófico, traço este que falta a Lísias.

Sumariando o diálogo, encontramos, logo de início, Fedro grandemente entusiasmado com um discurso que Lísias pronunciara. Encontrando-se com Sócrates, Fedro convida-o para ouvir o discurso de Lísias. Por amizade a Fedro e também porque é grande admirador de discursos, nos quais encontra sempre um pouco da expressão da alma dos homens, Sócrates acompanha Fedro até fora dos muros da cidade. Estendem-se os dois à sombra frondosa de um plátano e Fedro passa a ler o discurso de Lísias.
A primeira parte do diálogo é ocupada pela leitura do discurso descosido de Lísias. Fala-se aí do amor que é paixão e do amor sensatez. Mas, – Platão aí pôs, imitando talvez os retóricos a quem combatia, – o artificialismo próprio dos discursos dos “logógrafos”, isto é, nos quais não se encontra uma idéia justa, sugestiva e verdadeiramente fecunda, mas onde se podem perceber todas as regras da arte retórica.

Ao terminar a leitura do discurso que tanto o entusiasmara, repara Fedro na expressão irônica de Sócrates. Desafia-o, chega até a ameaçá-lo e obriga-o a retomar o mesmo assunto tratado por Lísias. Sócrates começa confessando que não encontrara, na “obra-prima” de Lísias, as qualidades necessárias a um discurso que fosse, ao mesmo tempo, belo e verdadeiro. Falta à retórica de Lísias inspiração e ele não possuía sabedoria. Sócrates retoma o tema que Lísias tratara e, apelando para as recordações do passado, sobretudo para o que ouvira, de Safo e de Anacreonte, passa a mostrar quais os efeitos do amor que é paixão, o amor que ele, – assim como Lísias havia considerado – crê ser um amor nocivo. Ao terminar o seu discurso, que tem mais brilho mas em que as idéias se assemelham muito às que Lísias utilizou, como que tomado de arrependimento por haver blafesmado contra um deus a quem todos prestam um fervoroso culto, entoa, como Estesícoro, uma palinódia ao Deus Amor, a fim de penitenciar-se. O amor não pode ser apenas uma fonte de maldade e maldições. O amor é também inspirador de ações sublimes. Inspirado pelo seu “demônio”, Sócrates estabelece as diversas formas de delírio que conduzem a ação do homem: o delírio profético, inspirado por Apolo e que se relaciona com os presságios; o delírio purificador, sob a inspiração de Dionísio (=Baco para os latinos) e que se liga aos mistérios da religião; o delírio poético, dádiva das Musas e, enfim, o delírio erótico ou amor filosófico, o mais nobre de todos e que se acha sob o poder de Eros, o deus do Amor. O grande motor das ações humanas é o amor. Ele também impele a cultura. De que modo é possível amar a sabedoria? Como é possível a filosofia, que é precisamente o amor a sabedoria, se ela não se fundamenta principalmente num acendrado amor pelo saber, num verdadeiro delírio? A resposta a essa questão, nós a vamos encontrar no centro deste diálogo.
Toda forma de Delírio vem da alma e é necessário que o homem saiba amar, tendo conhecimento, ao mesmo tempo, da sua alma e da dos outros homens. Dir-se-ia mesmo que é mister que ele saiba amar aprendendo antes a conhecer a almas de todas as cousas. Mas qual é a natureza da alma? Difícil pesquisa essa a que tem procurado dar resposta as diversas psicologias e as mais diferentes sociologias! Ainda aqui para que possa dar uma noção aproximadamente exata do que é a natureza da alma, recorre Platão a uma imagem, ou melhor, a um mito: o do carro alado e seu cocheiro. Nessa imagem resume Platão a luta que a razão trava com a vontade e a concupiscência.

Todas as Almas, as dos deuses assim como as dos mortais, todas tentam alcançar o lugar que está para além do céu e onde residem as Verdades Eternas. As almas dos homens, antes de terem caído neste sepulcro que é o corpo, conseguiram vislumbrar – umas mais de perto, outras de maneira menos precisa – a Pureza, a Justiça, a Sabedoria. Decaíram, corromperam-se, encheram-se de vícios ao se ligarem com o corpo. Guardam todavia uma tênue recordação do que antes contemplaram e tendem, sempre, para aquela perfeição que um dia contemplaram. A existência atual da alma nunca perde de todo o seu contato com a existência supra-empírica.

O mito do carro alado, no qual o cocheiro é a razão e os corcéis a vontade e a concupiscência, é riquíssimo. Longo seria, numa simples introdução, indicar tudo aquilo que ele nos sugere e sobre o que nos leva a meditar. Aliás, a leitura desse trecho do diálogo há de sugerir, por certo, àqueles que são dotados de espírito filosófico, os diversos e profundos sentidos deste mito de Platão. Ver-se-á, nesse “momento” do “Fedro”, qual o pensamento de Platão acerca das relações entre a alma humana e a divindade; qual o destino da alma, condenada à queda, a viver ligada ao corpo, qual o sentido que toma o “idealismo” platônico no que diz respeito à hierarquia das almas… Uma inesgotável riqueza de pensamento acumula-se neste mito impregnado de poesia. Um mundo de idéias, que se foi dividindo e engendrando através dos séculos, novas formas de filosofias e de teologias, teve origem nesse momento da filosofia platônica.
A última parte do diálogo é dedicada ao exame de um tema que parece novo. De fato, porém, desde o início esse tema atava marcado. Desde o início do diálogo fala-se do discurso, da qualidade das composições retóricas. O diálogo ocupa-se, assim, na sua última parte, com a retórica. Qual a finalidade dessa arte em que Lísias parece ser o mestre? A sua finalidade consiste, sobretudo, em dirigir as almas e deve ter um sentido, - o da verdade e não o da verossimilhança. Não sendo assim, a retórica não é uma psicagogia mas uma arte tenebrosa, grosseira e condenável que serve apenas para ludibriar. Todos aqueles que, mediante os artifícios do discurso ou as manhas da palavra enganam os homens, lançando-os na confusão do Justo e do Injusto, são vis e medíocres “logógrafos”, reles rábulas que apenas merecem o mais profundo desprezo dos sábios.

Assim, ao ver o velho Sócrates, a retórica verdadeira se reduz à arte do pensamento, à dialética. E esta nada tem de comum com as regras artificiais do h;abeis e espertos mestres de retórica como os Tísias ou os Trasímacos. A condição essencial da verdadeira retórica, da eloqüência é o saber. Não é o miserável ofício de mistificador da palavra, nem a arte sorrateira do falso escritor. O divino poder da direção das almas é o caminho vivo, claro, distinto e harmonioso da Verdade.

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