Autor: Louis Lavelle (1883-1951)
Tradutor: Paulo Neves
Assunto: Ensaio filosófico
Editora: É Realizações
Edição: 1ª
Ano: 2012
Páginas: 208
Trechos da
apresentação à edição brasileira: No
começo, era mito. Há diferentes versões da história de Narciso, que a mitologia
grega nos legou. Mas em todas o núcleo é sempre o mesmo: Narciso era um famoso
adolescente, filho dos amores de um deus-rio, Cêfiso, e uma ninfa.
Quando nasceu, os pais interrogaram o vidente Tirésias
sobre o destino de Narciso, e a resposta foi enigmática: o menino conheceria a
velhice se não visse a si mesmo... Chegando à juventude, sua rara beleza
despertava paixões ardentes nos que o contemplavam, mas era com frio desdém que
ele reagia ao amor de mortais e imortais.
Como tantas, a ninfa Eco se apaixonou por Narciso e
precisou amargar a mesma decepção: encerrou-se em uma solitária caverna onde
foi definhando até que de sua pessoa não restasse mais do que uma voz que
gemia. Então, as jovens desprezadas pediram vingança aos céus: Nêmesis, a
justa, as ouviu. Em uma tarde de calor esbraseante, Narciso, fatigado de longas
horas de caça, abeirou-se de um riacho para dessedentar-se.
No espelho das águas viu sua figura e por ela se
apaixonou perdidamente. Nada o demoveria do enleio que o enfeitiçara: quedou-se
a contemplar a própria imagem até que a morte o levou para as regiões trevosas
banhadas pelo Estige. Junto a essas águas sombrias, Narciso não cessa de
perseguir sua amada figura.
Narciso foi condenado a fitar para sempre o que não
tem substância, o que é puro reflexo tremulando na água, fugidio, mas nem por
isso menos presente e sedutor aos olhos de quem o ama.
Louis Lavelle cavou fundo nesse reino do mito de
Narciso. A riqueza dos desdobramentos que o filósofo explora neste livro
desnorteia, pois, à primeira vista, pode parecer que a conversão do mito de
Narciso em alegoria do amor-próprio antes fecha do que abre o universo da
significação. Mas felizmente Lavelle não se detém na tentação alegorizante, que
conduziria à uniformidade da abstração.
Ora, a consciência que Narciso quer ter de si mesmo
lhe tira a vontade de viver, isto é, de agir. Em outras palavras: contemplar-se
narcisicamente é um processo compulsivo, um guante interior que agarra e sufoca
o eu, paralisando o movimento de ir além de si e transcender o círculo vicioso
da autofruição.
Para romper a força desse temível encantamento seria
necessário transformar as águas especulares da fonte em águas originárias e
fecundas que limpem o eu e animem a vontade de abrir-se aos outros, ao mundo,
às surpresas do objeto.
No “eterno presente” da consciência, vigora também a
tensão da vontade, que lida com as formas ainda virtuais do futuro, enquanto
projeto.
Um dos tristes efeitos dessa paralisação da vontade é
a impossibilidade vivida por Narciso de sair do passado, isto é, daquele seu
rosto já precocemente incorporado e lisonjeado. A imagem presente de Narciso é
o legado de tudo que já passou, mas que, ao mesmo tempo, ficou espelhado na
aparência atual: “ali ninguém pode ler senão para trás o segredo do seu
destino”.
Lavelle descreve com acuidade, aqui dolorosa, a
condição do jovem belo, que se fixou prematuramente na própria imagem,
bloqueando as conquistas da maturidade e arriscando-se a morrer para si antes
do tempo. Tirésias acertou na sua profecia: a morte viria inapelavelmente
quando Narciso olhasse para a própria figura. No lugar onde morreu, brotou uma
flor a que os homens deram o nome de narciso: bordas cor de sangue tingem suas
pétalas amarelas. (Alfredo Bosi)
Trechos do prefácio à edição francesa: “Este pequeno
livro é grande por seu conteúdo, que retoma o problema da consciência de si
pondo em evidência todas as armadilhas do amor-próprio. Lá onde Lacan vê no
desdobramento do eu a constituição de uma imagem de si originária, rígida e
mortífera, Lavelle designa o amor-próprio – ou a vaidade de querer dar uma
falsa imagem de si – como o que impede a consciência de viver.
O Erro de
Narciso,
sob a aparência de um modesto livro de reflexão moral, é no fundo um verdadeiro
guia espiritual fundado numa metafísica da existência como abertura à realidade
do espírito. Que nos permitam citar aqui as palavras de Pierre Hadot, filósofo
contemporâneo particularmente clarividente: "Gostei muito do livro de Louis
Lavelle, O Erro de Narciso, porque a série de curtas meditações que
formam esse pequeno livro e que são, cada qual, um convite a praticar um
exercício espiritual, conduz pouco a pouco o leitor àquele 'presente onde se
acha situado o cume da nossa consciência' e à tomada de consciência da
'presença pura'". (Jean-Louis Vieillard-Baron).
Entre outros, a obra de Lavelle
inclui: La dialectique du monde sensible: Lu perception visuelle de la
profondeur (1921), La conscience de soi (1933), La présence
totale (1934), L'Erreur de
Narcisse (1939), Le Mal et la Souffrance (1940), La Parole et
l'Écriture (1947) e Les puissances du Moi (1948).
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