sexta-feira, 1 de junho de 2012

O ERRO DE NARCISO

Título original: L’Erreur de Narcisse
Autor: Louis Lavelle (1883-1951)
Tradutor: Paulo Neves
Assunto: Ensaio filosófico
Editora: É Realizações
Edição: 1ª
Ano: 2012
Páginas: 208
 
Sinopse: Os excertos apresentação à edição brasileira e prefácio à edição francesa que se seguem, constituem a sinopse deste livro, escrito em 1939 e que permaneceu pouco divulgado para os franceses e praticamente desconhecido para os leitores e intelectuais brasileiros durante sete décadas. Apesar do tempo transcorrido este pequeno grande livro não perdeu a sua atualidade, aliás, é mais necessário nos tempos atuais do que em qualquer outra época. (Anatoli Oliynik)

Trechos da apresentação à edição brasileira: No começo, era mito. Há diferentes versões da história de Narciso, que a mitologia grega nos legou. Mas em todas o núcleo é sempre o mesmo: Narciso era um famoso adolescente, filho dos amores de um deus-rio, Cêfiso, e uma ninfa.

Quando nasceu, os pais interrogaram o vidente Tirésias sobre o destino de Narciso, e a resposta foi enigmática: o menino conheceria a velhice se não visse a si mesmo... Chegando à juventude, sua rara beleza despertava paixões ardentes nos que o contemplavam, mas era com frio desdém que ele reagia ao amor de mortais e imortais.

Como tantas, a ninfa Eco se apaixonou por Narciso e precisou amargar a mesma decepção: encerrou-se em uma solitária caverna onde foi definhando até que de sua pessoa não restasse mais do que uma voz que gemia. Então, as jovens desprezadas pediram vingança aos céus: Nêmesis, a justa, as ouviu. Em uma tarde de calor esbraseante, Narciso, fatigado de longas horas de caça, abeirou-se de um riacho para dessedentar-se.

No espelho das águas viu sua figura e por ela se apaixonou perdidamente. Nada o demoveria do enleio que o enfeitiçara: quedou-se a contemplar a própria imagem até que a morte o levou para as regiões trevosas banhadas pelo Estige. Junto a essas águas sombrias, Narciso não cessa de perseguir sua amada figura.

Narciso foi condenado a fitar para sempre o que não tem substância, o que é puro reflexo tremulando na água, fugidio, mas nem por isso menos presente e sedutor aos olhos de quem o ama.

Louis Lavelle cavou fundo nesse reino do mito de Narciso. A riqueza dos desdobramentos que o filósofo explora neste livro desnorteia, pois, à primeira vista, pode parecer que a conversão do mito de Narciso em alegoria do amor-próprio antes fecha do que abre o universo da significação. Mas felizmente Lavelle não se detém na tentação alegorizante, que conduziria à uniformidade da abstração.

Ora, a consciência que Narciso quer ter de si mesmo lhe tira a vontade de viver, isto é, de agir. Em outras palavras: contemplar-se narcisicamente é um processo compulsivo, um guante interior que agarra e sufoca o eu, paralisando o movimento de ir além de si e transcender o círculo vicioso da autofruição.

Para romper a força desse temível encantamento seria necessário transformar as águas especulares da fonte em águas originárias e fecundas que limpem o eu e animem a vontade de abrir-se aos outros, ao mundo, às surpresas do objeto.

No “eterno presente” da consciência, vigora também a tensão da vontade, que lida com as formas ainda virtuais do futuro, enquanto projeto.

Um dos tristes efeitos dessa paralisação da vontade é a impossibilidade vivida por Narciso de sair do passado, isto é, daquele seu rosto já precocemente incorporado e lisonjeado. A imagem presente de Narciso é o legado de tudo que já passou, mas que, ao mesmo tempo, ficou espelhado na aparência atual: “ali ninguém pode ler senão para trás o segredo do seu destino”.

Lavelle descreve com acuidade, aqui dolorosa, a condição do jovem belo, que se fixou prematuramente na própria imagem, bloqueando as conquistas da maturidade e arriscando-se a morrer para si antes do tempo. Tirésias acertou na sua profecia: a morte viria inapelavelmente quando Narciso olhasse para a própria figura. No lugar onde morreu, brotou uma flor a que os homens deram o nome de narciso: bordas cor de sangue tingem suas pétalas amarelas. (Alfredo Bosi)

Trechos do prefácio à edição francesa: “Este pequeno livro é grande por seu conteúdo, que retoma o problema da consciência de si pondo em evidência todas as armadilhas do amor-próprio. Lá onde Lacan vê no desdobramento do eu a constituição de uma imagem de si originária, rígida e mortífera, Lavelle designa o amor-próprio – ou a vaidade de querer dar uma falsa imagem de si – como o que impede a consciência de viver.

O Erro de Narciso, sob a aparência de um modesto livro de reflexão moral, é no fundo um verdadeiro guia espiritual fundado numa metafísica da existência como abertura à realidade do espírito. Que nos permitam citar aqui as palavras de Pierre Hadot, filósofo contemporâneo particularmente clarividente: "Gostei muito do livro de Louis Lavelle, O Erro de Narciso, porque a série de curtas meditações que formam esse pequeno livro e que são, cada qual, um convite a praticar um exercício espiritual, conduz pouco a pouco o leitor àquele 'presente onde se acha situado o cume da nossa consciência' e à tomada de consciência da 'presença pura'". (Jean-Louis Vieillard-Baron).

Sobre o autor: Louis Lavelle (St. Martin de Villereal, 15 de julho de 1883 - Parranquet, 1 de setembro de 1951) foi um filósofo metafísico francês. Sua magnum opus é La Dialectique de l'éternel présent, uma obra metafísica em quatro volumes: De l'Être (1928), De l'Acte (1937), Du Temps et de l'Eternité (1945) e De l'Âme Humaine (1951).

Entre outros, a obra de Lavelle inclui: La dialectique du monde sensible: Lu perception visuelle de la profondeur (1921), La conscience de soi (1933), La présence totale (1934), L'Erreur de Narcisse (1939), Le Mal et la Souffrance (1940), La Parole et l'Écriture (1947) e Les puissances du Moi (1948).

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