Título original: De Philosophiae Consolatione
Autor: Boécio (475/480-524)
Tradução: Willian Li
Assunto: Ensaio filosófico
Editora: Martins Fontes
Edição: 1ª
Ano: 1998
Páginas: 200
Boécio realiza a “passagem” da Patrística à Escolástica, servindo como elo de ligação entre dois momentos importantes da história filosófica do Ocidente.
‘A consolação da filosofia’ foi escrita na prisão por um condenado à morte. A admiração que essa obra latina do século VI suscitou ininterruptamente desde então não deve nada, ou deve muito pouco, às circunstâncias ‘trágicas’ de sua composição. A obra é um testemunho da grandeza à qual um homem pode elevar-se pelo pensamento em face da tirania e da morte.
Comentários:
O livre-arbítrio e a presciência (previdência) divina são discutidos também por Boécio (475/480 - 524) no século VI d.C., na obra “A Consolação da Filosofia”. No capítulo V, quando questionada sobre o tema, a Filosofia responde dizendo inicialmente que o livre-arbítrio existe sim, e que é uma faculdade dos seres possuidores da razão. Para ela “nenhum ser dotado de razão poderia existir se não possuísse a liberdade e a faculdade de julgar”. E, diversamente do que possa ser imaginado, a alma humana será tanto mais livre, quanto mais se mantém na contemplação da inteligência divina, e, tanto menos livre quanto mais desce a juntar-se às coisas corporais, às que se ligam à carne, e, finalmente quando levados pelos vícios, perdem a posse da razão. Boécio utiliza o seu hipotético diálogo com a Filosofia para tentar responder ao desafio de conciliar a possibilidade de Deus conhecer previamente todas as coisas com o livre-arbítrio humano. Desafia-a dizendo tratarem-se de coisas contraditórias e incompatíveis. O diálogo, a forma que o autor encontra para expor suas convicções na “Consolação”, agora existe para dar corpo à argumentação de Boécio para explicar a presciência divina, questão que, para ele, está relacionada à própria natureza das coisas e à hierarquia existente que as diferencia. Parte do princípio de que as coisas são conhecidas não a partir de suas próprias propriedades e natureza específicas, mas segundo a natureza de quem as procura conhecer. Os sentidos conhecem as coisas de uma forma, e dentre estes, a visão da melhor maneira; a imaginação conhece de outra forma, mais completa; a razão, mais completa ainda; e a inteligência divina conhece tudo de forma absoluta. Além disso, as faculdades superiores podem compreender as subalternas, enquanto estas não podem jamais elevar-se ao nível das que lhes são superiores. A forma de conhecimento divino, portanto, não é a forma do conhecimento humano. É a razão humana, em última instância, que não consegue conceber a presciência daquilo que não é necessário. Mas isso se deve à limitação que nela existe em relação ao conhecimento divino supremo e absoluto. Do mesmo modo que os sentidos devem ceder à imaginação, e esta à razão, é necessário, pois, que “a razão ceda e reconheça a superioridade da inteligência divina”. Somente dessa forma é que ela poderá entender o que ela não pode ver em si mesma, o que concebe a presciência divina, com toda a precisão e certeza, mesmo que esses acontecimentos não se realizem.
Sobre o autor:
Anicius Manlius Torquatus Severinus Boetius (Roma, c.475/480 - Ticino, 524)
Filósofo platônico, estadista e teólogo romano. Último pensador latino a compreender o grego, sendo, portanto, a única fonte européia sobre esses textos digna de crédito, em sua época. Traduziu o Organon, de Aristóteles, e resumiu vários tratados sobre matemática, lógica e teologia. Como senador em 510, foi acusado de traição e magia. Por conseguinte, foi submetido à tortura e condenado à morte. Na prisão, escreveu De Consolatione Philosophiae (Do Consolo Filosófico). Além disso, foi autor de Sobre a Instituição da Música, que o tornou um dos grandes teóricos musicais da antiguidade. Apesar de não ter se convertido ao cristianismo, é considerado um mártir da Igreja, pelos serviços que prestou aos cristãos.
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