sexta-feira, 22 de outubro de 2010

MOLL FLANDERS

Título original: The Fortunes and Misfortunes of Moll Flanders
Autor: Daniel Defoe (1660-1731)
Tradução: Antônio Alves Cury
Editora: Abril Cultural
Assunto: Romance (Literatura estrangeira)
Edição: 1ª
Ano: 1971
Páginas: 362

Sinopse: Moll Flanders é a autobiografia de uma mulher “corrompida desde a juventude, ou antes, sendo ela mesma o rebento do vicio e da devassidão, aparece para relatar suas práticas viciosas e até descer às particularidades e circunstâncias que primeiro a tornaram perversa e à escala do crime por ela percorrida em três vintenas de anos”.

Neste romance, escrito em 1722, Daniel Defoe conta com mestria e riqueza de detalhes, a história dessa mulher que foi durante doze anos prostituta, durante doze anos ladra, casou-se cinco vezes (uma das quais com seu próprio irmão), foi deportada oito anos na Virginia e que, enfim, fez fortuna, viveu muito honestamente e morreu arrependida.

Resumo da narrativa: A mãe de Moll é condenada à morte por roubo e está presa na penetenciária de Newgate, mas é beneficiada pelo costume conhecido por "pleading her belly", dirigido às prisioneiras grávidas. Moll Flanders (que não é seu nome de nascimento, como ela enfatiza, mas nunca revela qual é) nasce na prisão sendo entregue em seguida a parentes que acabam doando-a para uns ciganos com os quais convive durante três anos. A mãe de Moll é deportada para a América.

Após três anos, Moll é abandonada pelos ciganos numa cidade onde é recolhida pelo poder público que a entrega a uma mãe social, uma senhora empobrecida que cuida dela, paga pelo Estado. Aos oito anos às autoridades acham que Moll deve trabalhar e parar de ser sustentada pelo Estado.

Moll se rebela contra aquela idéia porque alimenta o sonho de ser uma “dama de qualidade”, inpirada no exemplo de uma vizinha que é prostituta. Este é o modelo que Moll escolhe para representar a “dama de qualidade” dos seus sonhos, pois ela não tem a minima idéia do que seja uma prostituta.

Quando Moll completa quatorze anos, a mãe social morre e ela é adotada por uma família rica e assim passa a infância e adolescência numa casa aristocrata, como serva. Muito bonita, ela é causa de disputa de dois irmãos da família. O mais velho a seduz com a promessa de casamento e passam a agir como se fossem casados ("act like they were married"), na cama, mas depois ele a convence a se casar com o irmão mais jovem que também a pede em casamento. Ela aceita, embora relutante, mas o sonho de ser uma “dama de qualidade”, fala mais alto. O matrimônio dura cinco anos, ao fim dos quais o seu marido, Robin, morre de causa que nós não sabemos. A família lhe oferece mil e duzentas libras, um dinheiro considerável que possibilita uma pessoa a viver pelo resto da vida, sem trabalhar. Ela aceita e deixa seus filhos aos cuidados dos sogros e começa a se passar por uma viúva rica para atrair homens com quem pudesse se casar e alcançar a segurança financeira.

A primeira vez que ela consegue seu intento, seu marido vai à falência e foge da Inglaterra. Da segunda vez, ela é levada a Virginia (nos EUA) por um bom homem que a apresenta a sua mãe. Após dois filhos, Moll descobre que sua sogra é na verdade sua mãe biológica, o que torna seu marido seu meio-irmão. Ela se separa e volta para a Inglaterra, deixando suas duas crianças para trás. Ela vai morar então em Bath, Somerset, e procura por um novo marido.

Ela se envolve com um homem casado, cuja esposa está confinada por insanidade. Mantendo amizade e desenvolvendo um tipo de amor platônico, os dois acabam tendo três filhos, dos quais apenas um sobreviveu. Mas o seu amante não fica com ela e acaba voltando para a esposa, antes porém, oferecendo-lhe um bom dinheiro.

Moll, agora com 42 anos de idade, conhece então um banqueiro casado e adúltero. Usando do dinheiro dele enquanto espera que se divorcie, Moll na verdade quer atrair outro cavalheiro para casar. Ela então conhece e se casa com um suposto homem rico. Ao contar para ele que na verdade não tinha dinheiro, o seu marido se revela também como aventureiro, que havia contraido o matrimônio pois queria se apossar do seu rico dote, e a abandona, deixando-a grávida novamente. Moll deixa o banqueiro acreditar que ela continua disponível, esperando que seu marido retorne.

O filho de Moll nasce quando a esposa do banqueiro comete sucídio, logo depois que ele lhe pedira o divórcio. Moll se casa com o banqueiro. O banqueiro morre em ruina financeira após cinco anos e dois filhos.

Sem esperanças, Moll se torna uma ladra e acaba sendo presa indo para a prisão de Newgate, como sua mãe. Na prisão ela reencontra um dos seus maridos. E os dois são condenados ao desterro, enviados para as colônias da América. O casal é levado a uma fazenda na Virgínia, onde vivem por muitos anos. Aos 60 anos, ela retorna à Inglaterra e seu marido. Com 68 anos, continua na América por algum tempo para organizar os negócios “Ele virá também para a Inglaterra, onde decidimos passar o resto de nossos dias, numa sincera penitência pela má vida que vivemos”.


Interpretação da obra: A obra não é um tratado sobre o dilema moral, mas sim o tratado das possibilidades de um projeto de vida humana. Portanto, o relato da vida de Moll Flanders é um modelo de vida real e concreto possível de acontecer com qualquer ser humano.

Analisemos, primeiramente, as principais características de Moll Flanders:

a) ela não é perseguida pelo destino.
b) de alguma maneira ela tem sorte.
c) ela não é uma pessoa inocente, mas também não é uma pessoa maligna.
d) ela é inconseqüente.
e) ela é oportunista.
f) ela é simplória.
g) ela tem uma irresponsabilidade diante da vida.
h) ela não possui nenhuma consciência moral.
i) ela tem pouco poder em relação a vida (seus meios de ação são muito pequenos).
j) ela tem como ambição, apenas, ser uma grande dama (é o que ela tenta fazer a vida inteira: ser uma grande dama).


Para compreender melhor a obra Moll Flanders, é preciso antes compreender o modelo do poder da personagem, descrito a seguir:


Modelo do Poder da Personagem que está no livro A POÉTICA de Aristóteles e sistematizado por Northrop Frye no livro chamado ANATOMIA DA CRÍTICA.

Aristóteles, ao fazer a análise do teatro grego, dizia que as personagens teatrais (do teatro trágico grego, pois ele não fala da comédia) têm uma hierarquia de poderes. Trata-se de níveis de poder do herói.

As cinco hierarquias de poder do herói são:

O primeiro nível é o divino, onde a personagem é mais poderosa. O que é o nível de poder divino? É o nível onde está Deus propriamente dito. Neste nível a personagem pode fazer o que bem entender, tem total autoridade sobre a sua vida, tem total capacidade de decisão e os poderes do herói são plenos.

O segundo nível de poder da personagem é aquela personagem que embora não seja Deus, tem uma ligação com Deus. Está de alguma maneira inspirado por Deus ao ponto de poder fazer coisas que parecem coisas divinas, como por exemplo, fazem os profetas. Northrop Frye chama de herói mítico este tipo de herói. Embora seja humano, ele consegue, de vez em quando, fazer coisas que só os deuses são capazes de fazer. Por exemplo: Moisés consegue separar as águas do Mar Vermelho. Esses poderes são temporários, ocasionais e circunstanciais.

O terceiro nível de poder é o imitativo alto. O que é imitativo alto? É aquela personagem que é humana, mas que é capaz de fazer coisas notáveis, mas todas as coisas notáveis que ela faz, são sempre coisas notáveis humanas. O herói deste tipo é o ser humano excepcional. Exemplo: um herói de guerra, um grande poeta, um grande artista. Alguém que é muito grande em relação a média dos outros seres humanos, mas a sua demonstração de grandeza nunca é acima daquilo que o ser humano é capaz de fazer. É o ser humano superior.

O quarto nível de poder é o imitativo baixo. É o sujeito comum, que não tem nenhuma habilidade extraordinária e sua capacidade de ação é limitada. Se o mundo fosse uma peça de teatro, a maior parte das pessoas seriam deste tipo.

O quinto nível é o tipo irônico inferior. De todas as personagens é o mais fraco. Está abaixo da capacidade dos outros. É irônica porque ou é deficiente, ou porque é muito pobre, ou porque é prisioneiro de alguém, ou porque é criança. Para as crianças todas as coisas da vida normal são absolutamente terríveis, assustadoras ao extremo, porque aquilo que parece a nós, adultos normais, uma besteira, para as crianças aparenta o maior dos terrores. Aquilo que nós chamamos de educação, é tirar a criança desse terror, é mostrar e ela como é que uma pessoa normal e outros tipos de personagens se comportariam naquela situação.

Dentro do quadro apresentado, Moll Flanders é uma personagem irônica. Ela não tem a viabilidade de lidar com o mundo de um modo que a favoreça. Está nas mãos das decisões que o mundo fará por ela. Ela está nas mãos das circunstâncias porque é incapaz de controlá-las e muito menos entendê-las.

Não é preciso ser como Moll Flanders para ser uma personagem irônica. Sócrates, por exemplo, no julgamento era uma personagem irônica. Jesus Cristo, na condição que estava na sua condenação, era uma personagem irônica relativamente àquela situação, ou seja, numa condição absoluta de poder fazer alguma coisa.

Apesar disso tudo, ela não é uma personagem perseguida pelo destino no sentido negativo da palavra. No momento em que ela mais irônica, no momento em que ela é ainda pequena, mesmo assim ela não recebe um tratamento cruel. De certa maneira as coisas dão certo para ela. De alguma maneira ela tem sorte, porque todas as coisas boas que acontecem com ela independem de sua ação direta. Portanto, ela é uma criatura completamente nas mãos do destino.

O destino funciona de um modo misterioso e o modo como o destino funciona, nós não entendemos. Talvez a gente entenda no dia do juízo final, nós não sabemos. Talvez um belo dia a gente entenda, mas de modo geral ele é completamente obscuro. Por que aconteceu com aquela pessoa, naquele dia, daquele jeito? Ninguém sabe. Daí a sensação que se tem, quase sempre, das tremendas injustiças da vida, e essas sensações de injustiças na vida naturalmente carregam as pessoas para uma rebelião contra Deus.

Como é que pode Deus fazer uma coisas dessas? Como é que pode um ônibus cheio de criancinhas cair numa ribanceira e morrerem todas? O que é que elas fizeram de mal para terem esse destino?

Como nós não entendemos o que foi que aconteceu, porque nós não sabemos como é esse mecanismo que é secreto, nossa primeira tentativa é julgar que ou Deus é mau ou Deus não existe na verdade.

O sentido simbólico que o Daniel Defoe quer dar a Moll Flanders é que ela é vitima dos jogos da providência que a vida traz a ela, todos eles preparatórios para a sua conversão que acontece na prisão após ter sido condenada à morte. É neste momento que ela faz a descoberta de Deus. É isso que o autor quer nos dizer sobre a Moll Flanders como primeira interpretação.

No entanto, o que essa história tem de mais importante é entendermos profundamente as ações humanas qualquer que seja o plano ou qualquer que seja o tipo de ação que alguém faz na vida, que tudo depende, antes de qualquer coisa e como primeira condição, de uma coisa chamada “Horizonte de Consciência”.

“Horizonte de Consciência” é o quanto você consegue ver de sua própria vida. Neste horizonte de consciência há dois extremos: Um dos extremos caracteriza aquelas pessoas que tem um horizonte de consciência muito maior que a sua própria vida que está vivendo naquele momento. É aquele sujeito que está vendo o mundo numa perspectiva mais ampla do que a de seus contemporâneos. Essa pessoa tende a entrar em conflito com o mundo em que ela vive. Essa pessoa é uma espécie de “Herói Conflitivo”, porque ele está vendo coisas que os outros não vêem e irá exigir coisas que parecem aos outros, coisas sem sentido e sem cabimento. É o caso daquelas pessoas que tem um projeto político, civilizatório (seja bom ou mau, tanto faz). Como ela está olhando de uma perspectiva mais ampla, a tendência dessa pessoa é entrar em conflito com o mundo que ele vive.

HERÓI CONFLITIVO <== Horizonte de Consciência ==> HERÓI INERME

No extremo oposto, está uma pessoa exatamente como a Moll Flanders que tem um horizonte de consciência absolutamente pequeno, tanto é que ela não tem a menor idéia, no início, de como funciona o mundo em volta dela.

A esse extremo oposto ao “Herói Conflitivo”, dá-se o nome de “Herói Inerme” que é aquela personagem que não tem nenhum meio de defesa e que, portanto, não entende nada do mundo que está em volta.

Se, por um lado, o herói conflitivo é aquele sujeito que entende tudo o que os outros não entendem, o herói inerme, por outro lado, é aquele sujeito que não entende nada o que os outros entendem.

O militante político de longo prazo é assim. No processo político há aqueles sujeitos que acham que entendem tudo o que estão fazendo e que montam um plano para tomar o poder em cinqüenta anos, e que tomam decisões de curto prazo que ninguém entende nada. E quem é que executa essas ações de curto prazo? São aqueles que não entendem absolutamente nada do que está acontecendo em longo prazo e que, portanto, são naturalmente bons executores de ações concretas e práticas.

Há, portanto uma diferença de horizonte de consciência enorme entre as personagens literárias.
Estes são, portanto, os dois extremos de possibilidades do Horizonte de Consciência.

E a Moll Flanders o que é? A Moll Flanders se enquadra como Herói Inerme, pois o seu Horizonte de Consciência é curto. Ela não tem uma perspectiva de longo prazo, ela está apenas reagindo às coisas que o dia-a-dia vem trazendo.

É preciso deixar muito claro que não se está dizendo que só quem tem o horizonte de consciência longo, terá sucesso. Pode dar certo, mas também pode dar muito errado. O mesmo pode acontecer com quem tem o horizonte de consciência curto. Pode dar certo ou pode dar errado.

Quem, por exemplo, dá errado? O Julien Sorel, do Vermelho e o Negro; o Raskolnikov, do Crime e Castigo. Estes dois têm o horizonte longo, mas mesmo assim quebram a cara. E quem dá certo? A Moll Flanders que tem o horizonte de consciência curto é no final dá certo.

O que se quer dizer que existem possibilidades de dar certo ou dar errado, portanto, não há garantias dos resultados.

O sujeito que tem um horizonte de consciência longo, está sempre desafiando o destino. Quem tem o horizonte de consciência curto, não desafia o destino nunca. Deixa-se ser levado pela sorte.
Nunca subestimar o destino, pois o destino será sempre o fator central que irá produzir determinados efeitos na vida da gente. E esses efeitos são imprevisíveis.

Uma vez que você definiu qual é o seu horizonte de consciência, vem a segunda parte do plano da ação humana, ou seja, aquilo que você quer ser, a sua ambição, não no sentido negativo, mas no sentido daquilo que você deseja ser. Portanto, aquilo que você deseja ser, a sua ambição, depende fundamentalmente do seu plano de consciência.

É muito difícil falar sobre isso aqui no Brasil, porque noventa e nove por cento das pessoas que você possa conhecer, tem como plano de vida, fundamentalmente, arrumar dinheiro. Aquilo que você quer ser é alguma coisa econômica.

Quando você acha que ser alguma coisa econômica é o objetivo da sua vida, você está invertendo as prioridades da existência e está casando com os meios, porque a sobrevivência econômica não é preceito de vida, é apenas um meio para você ser alguma coisa.

O que as pessoas aqui no Brasil pensam, é o objetivo da vida real é arrumar um emprego em algum lugar, ter uma profissão. Quando você pergunta a alguém o que ele quer ser, um médico, um engenheiro, ele está pensando basicamente na sua situação econômica, ele quer ser alguma coisa econômica.

Por esse motivo, a maior fonte de frustração humana aqui no Brasil é o fracasso econômico. Essa é a fonte de frustração humana maior de todas, porque sendo fracassado economicamente e como o sucesso econômico era o objetivo central de sua vida, então você não pra nada, quando na verdade ninguém tem a preocupação com o fracasso ontológico.

Todos os objetivos de vida que são de natureza não-monetária, portanto reais (ser o maior escritor, ser o maior poeta, ser o maior pintor), eles são todos depreciados e acabam não fazendo nenhuma diferença porque eles são automaticamente substituídos por objetivos exclusivamente econômicos.

Esse é um problema terrível no Brasil, porque o país não consegue entender que o que faz com que a sociedade se desenvolva é a quantidade de coisas que nós queremos SER e não o que nós gostaríamos de TER. Não há nenhum problema em Ter, não é essa idéia; o que se quer dizer é que no Brasil não se consegue conceber objetivos humanos que não sejam exclusivamente econômicos, pois somos uma sociedade exclusivamente voltada para questões econômicas.
Quando se estabelece como objetivo de vida arrumar um emprego, preferencialmente na função pública, isso passa a ser um problema terrível porque por esse critério acaba virando todo mundo funcionário público.

No fundo o que Moll Flanders quer é arrumar um marido. Isso não é errado em si próprio, mas o que acontece é que não dá para você agir assim como se o país todo fosse Moll Flanders, pois não acontece nada, o pais não existe que só tem gente assim.

O problema no Brasil é que aqueles que não têm objetivos econômicos têm objetivos revolucionários. E aí é pior ainda. É melhor ser um país de Moll Flanders, do que um país de José Dirceu, que quer implantar aqui o socialismo, a sociedade perfeita sem classes e outras psicoses.
Um militante político tem na cabeça dele um plano para o Brasil nos próximos trezentos anos, ou seja, esse horizonte de consciência que ele tem do país é enormemente maior do que daqueles que pagam impostos corretamente.

Aquele sujeito que só está querendo o dinheirinho dele, voltar pra casa bonzinho, que paga o imposto direitinho, está financiando o projeto do outro que quer produzir essas revoluções na terra, que quer produzir mundos novos. Portanto, o horizonte de consciência longo, não implica, necessariamente, numa coisa boa, numa coisa saudável. Pode implicar exatamente no contrário.

Seguindo a equação:

Do horizonte de consciência, nasce aquilo que você quer ser.

A equação funciona assim:

A partir do meu horizonte de consciência, eu estabeleço um determinado grau de ambição. Esse grau de ambição será maior ou menor, conforme o grau de consciência que eu tenho. Mas esse grau de ambição, por outro lado, ele precisa de meios para ser implementado. E esses meios para sua implementação depende da adequação e dos meios que eu tenho e o tamanho da minha ambição.

Se a Moll Flanders quisesse ser rainha da Inglaterra, ela não teria sucesso algum, pois os meios dela não davam para isso. No entanto, porque ela acaba dando certo no final? Porque ela tem os meios para conseguir aquilo que ela desejava que era a ambição de ser uma grande dama (dama de qualidade). Ser uma grande dama era possível para alguém como a Moll Flanders. Ela era bonita, educada, não era uma pessoa desagradável, tinha certa simpatia, era uma pessoa desejável. Havia uma adequação entre os seus meios e a sua ambição.

A ambição da Moll Flanders não era ser uma pessoa afetiva (tanto que ela abandona todos os seus filhos). Sua ambição, de verdade, era ser uma grande dama. É uma ambição infantil, simplória, primária porque no fundo ela está querendo resolver o problema da sua infância, mas é a única ambição real que ela tem. É essa ambição que ela tenta resolver pelo resto de sua vida. Como é que ela faz isso? Ela faz isso com um grau de consciência tão pequenininho que ela vai se deixando levar como alguém que é vitima inerme das circunstâncias. Ela nunca se opõe a nada. Ela vai sempre deixando acontecer porque ela imagina que a situação da vida vai ser resolvida desse jeito. Ela não tem visão de consciência para entender o que está acontecendo em volta dela. O que não quer dizer que ela não possa dar certo. No final deu certo, ela acabou ficando rica, uma grande dama. Ela volta para a Inglaterra com o seu projeto de vida resolvido, porque não dava para ser uma grande dama na roça (o que era a Virgínia na época).

O autor quer nos dar a idéia de que ela é salva pela sua recuperação moral, que acontece quando ela é presa e condenada à morte. O que fica estabelecido na obra é que Moll Flanders foi coerente com a sua ambição e que deu certo no final. A mãe dela que era uma picareta, também deu certo. Todavia, há que se considerar que poderia dar errado também, para ambas ou para uma delas.
O livro não é um tratado sobre o dilema moral, embora tenha havido horizontes de consciência moral. Uma das possibilidades é a moral, mas não é só essa, porque por princípio o horizonte de consciência se refere a tudo que se possa imaginar, todas as circunstâncias em volta de sua própria vida.

Após a prisão, o horizonte de consciência de Moll Flanders se alargou enormemente. Fato que pode ser atribuído a intervenção divina quando ela se converteu. Nessa hora ela entende o que aconteceu com ela até então.

Às vezes o modo de se alargar o grau de consciência é pelo modo mais trágico, tal como aconteceu com Moll Flanders.

O Brasil precisa fazer isso. Aumentar o horizonte de consciência. Essa é a coisa mais urgente a fazer para que possamos recuperar aí alguma possibilidade de sucesso do país. Se isso não for feito, o país ficará eternamente voltado para assuntos econômicos, uma espécie de desgraça que assola o país. A idéia de que o objetivo da vida é arrumar um emprego, ter um salário, ter alguma coisa na qual possa se sustentar, não é objetivo de vida nenhum. Isso é apenas um meio de vida, mas os meios de vida são úteis, mas são perigosos: o automóvel é um meio de transporte, mas pode também ser um risco.

Agora, se seu objetivo é, por exemplo, “melhorar a educação do povo brasileiro”, esse é um objetivo completamente isento de qualquer risco, porque este você controla cem por cento, embora você não tenha garantia de realizá-lo, porque o destino pode impedi-lo (você não sabe o que vai acontecer com você. Pode ter um AVC etc.). Por outro lado, você não controla o meio, porque o meio é coletivo; o seu veículo está onde há outros veículos circulando.

Os meios pelos quais é possível criar um horizonte maior de consciência são os seguintes:

1. Ler a maior quantidade possível de romances: (o romance descreve as possibilidades humanas; ele vai abrindo um leque de possibilidades onde justamente aumentamos a nossa capacidade de criar maior potencial de vida).

2. Nunca estabeleça um projeto de vida que seja do tamanho da sua vida: se você é uma pessoa que está ligada à educação, estabeleça como objetivo “Educar o Brasil”, “Educar o Paraná”, “Preservar o cristianismo”, “Recuperar a cultura brasileira” etc. e não dar aquela aula na quinta-feira à tarde e acabou.

3. Nunca perca a idéia de perguntar sempre qual é o sentido da vida: seu objetivo de vida não poder ser receber o salário no dia 30, senão você acaba sendo a Moll Flanders.

Conclusões:
Por mais que a vida humana possa ser de alguma maneira direcionada, controlada, conduzida por ações de maior ou menor consciência, não há dentro dessas ações nenhuma garantia de sucesso, porque paralelamente as ações que nos compete e nos pertence, existem as ações do destino.

Portanto, as nossas ações na vida não garantem o sucesso porque é impossível controlar o destino. O destino está o tempo todo funcionando de modo misterioso e incontrolável. Assim, não somos capazes de produzir o destino que queremos, mesmo que façamos tudo certo na vida, porque não há correspondência entre as ações e os resultados das ações. Nós controlamos e somos responsáveis pelas nossas ações pessoais, mas nós não controlamos o destino porque a providencia agirá por conta própria independente dos nossos desejos.

A vida humana é absolutamente incontrolável, nós nunca saberemos o que acontecerá conosco no próximo minuto. Portanto, é preciso desistir dessa idéia de que nós somos capazes de produzir o destino que nós queremos.

Essa idéia de que é possível produzir o próprio destino é muito comum nos livros de auto-ajuda. Essa conversa de auto-ajuda que você pode tudo que você quer e por ai afora. Nada mais ingênuo e picareta no mundo.

Às vezes nos rebelamos contra o destino porque ele parece ignorar as regras fundamentais do mérito e do demérito. Nós somos criados nessa idéia. Ela não está errada, mas é preciso considerar que há um outro mundo que age sobre nós. A idéia de que aqui se faz e aqui se paga, é uma idéia que tenta resumir a nossa vida humana concreta aqui neste mundo em que vivemos. Pode existir uma outra vida onde as coisas se realizam com justiça. Como nós não queremos admitir isso, nos comportamos de modo unilateral.

A realidade não é assim. A realidade é constituída de pequenos mistérios e grandes mistérios. Como os grandes mistérios estão, de alguma maneira invisíveis, nós nos recusamos de dar a eles uma noção de realidade e ficamos profundamente aborrecidos quando vemos um sujeito que procedeu muito mal e se deu muito bem. É preciso compreender, também, que não há uma ligação direta entre o sucesso desta vida e o seu comportamento moral. É possível que você seja um sujeito mau e se dê mal, como também ser um sujeito mau e se dar bem, como você pode ser alguém que é bom e se dê bem e, finalmente, seja bom e se dê mal. Essas são, na verdade, as quatro possibilidades da vida humana.


Sobre o autor: Daniel Defoe (1660–1731) - Romancista inglês nascido em Londres, considerado um precursor do romance realista inglês e do jornalismo moderno. Filho de um pequeno comerciante e membro de uma família dissidente da Igreja Anglicana e, tentou preparar-se para seguir a carreira eclesiástica, mas devido a uma educação desordenada, desistindo da carreira religiosa. Decidiu estabeleceu-se como comerciante (1683) e viajou muito pela Europa com diversos empreendimentos comerciais, mas em nenhum deles teve pleno êxito. Atraído pela política, estabeleceu-se em Londres (1700) e tentou viver como jornalista e libelista. Metido em intrigas políticas, começou a escrever numerosos panfletos, e foi encarcerado em numerosas ocasiões por dívidas e por motivos políticos. Acusado de espionagem foi encarcerado mais uma vez e condenado ao pelourinho. Enquanto aguardava o cumprimento da pena, redigiu o célebre Hymn to the Pillory (1703), que transformou sua sentença em um retumbante triunfo para ele, embora ainda tenha permanecido preso por quase um ano, em Newgate. Em liberdade e falido, fundou (1704) o periódico The Review, de tendência conservadora, onde expressou finalmente as suas excepcionais qualidades como jornalista. Ganhou celebridade internacional como romancista com a publicação de sua obra mais conhecida Robinson Crusoe (1719) e, então, resolveu retirar-se da vida pública para se dedicar exclusivamente à literatura. Com Moll Flanders (1722) deu um passo decisivo na história do romance social. Apesar da sua vida turbulenta foi um escritor muito prolífico e morreu em Londres, mantendo em seus últimos anos de vida uma intensa atividade literária, publicando obras como A Journal of the Plague Year (1722) e Roxana (1724).

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

CERVANTES

Título original: Cervantès
Autor: Jean Canavaggio
Tradução: Rubia Prates Goldoni
Editora: Editora 34
Assunto: Biografias
Edição: 1ª
Ano: 2005
Páginas: 384

Sinopse: Soldado na famosa batalha de Lepanto, onde perdeu a mão esquerda; cativo dos berberes em Argel, e de seus compatriotas na famigerada prisão de Sevilha, a vida de Miguel de Cervantes Saavedra (1547-1616), autor do Quixote, é solo fértil para um sem-número de lendas e mitos. Neste livro, o professor Jean Canavaggio levanta minuciosamente toda a documentação acerca do escritor, sobretudo a contribuição monumental, mas por vezes fantasiosa, do grande cervantista Astrana Marín, distinguindo criteriosamente o fato da ficção.

Combinando rigor acadêmico e talento narrativo, Canavaggio acompanha toda a trajetória de Cervantes, dando novo sentido não só a passagens já conhecidas, mas também a aspectos controversos — como os dois assassinatos em que seu nome esteve envolvido; os amores ilícitos das mulheres de sua família, sempre às voltas com fidalgotes da corte; sua paixão pelo jogo de cartas — e outros apenas hipotéticos, como um possível encontro com Shakespeare, em 1605, ou sua presença numa célebre pintura de El Greco.

O resultado é um estudo impecável, que equilibra história, literatura e biografia para traçar, além de uma rica análise de sua obra, o retrato de um Cervantes de carne e osso e um quadro extremamente vivo do fascinante Século de Ouro espanhol.

Comentários: Em 1605, há exatamente quatrocentos e cinco anos, Miguel de Cervantes Saavedra presenteava o mundo com a primeira parte do seu D. Quixote. De lá para cá, muita tinta correu sobre este que é considerado o primeiro – e talvez o maior – romance moderno, na tentativa de entender o encanto e o poder desse livro. A dupla formada pelo Cavaleiro da Triste Figura e seu Fiel Escudeiro deixou de andar apenas pelos campos de Espanha para percorrer cada região do planeta. Sobre as andanças de seu autor, entretanto, pouco se sabe, de modo que ao longo dos séculos a vida de Cervantes se tornou tão lendária quanto a de suas personagens.
Assim, desde os trabalhos inaugurais de Gregorio Mayans y Ciscar e Juan Antonio Pellicer no século XVIII, várias gerações de pesquisadores em todo o mundo vêm somando esforços, formulando hipóteses e buscando preencher lacunas para oferecer a sua própria interpretação da vida do escritor. O cervantista Jean Canavaggio, um dos maiores estudiosos da cultura do século de Ouro espanhol, não é apenas mais um desses detetives-desbravadores a adentrar o labirinto. Seu Cervantes é reconhecidamente a mais importante biografia escrita na atualidade sobre o autor de D. Quixote, tendo recebido o prestigioso prêmio Goncourt quando de sua primeira publicação, em 1986. Desde então, o livro foi traduzido para o inglês, o alemão, o italiano e o japonês, em em toda parte a acolhida do público só reafirmou o parecer dos especialistas.

Consciente de que “explicar Cervantes e uma aventura arriscada”, e procurando evitar armadilhas de seus predecessores, Canavaggio segue um plano de trabalho bastante claro. Em primeiro lugar, estabelecer com o máximo rigor possível tudo o que dele se sabe, discernindo cuidadosamente entre a lenda, o verídico e o verossímil. Em segundo lugar, situa, em seu meio e em sua época, esse escritor que levou uma vida cheia de reviravoltas – verdadeira “testemunha de um tempo de dúvidas e crise” – e que, sob vários pontos de vista, encarna e resume o próprio espírito do Século de Ouro. Por último, Canavaggio conduz o leitor ao encontro de Cervantes até o limite do possível, sem distorcer os dados, sem querer “desvendar seu mistério a todo custo”. Ao contrário: com grande sobriedade, acompanha, passo a passo, o movimento dessa existência que, “de projeto que era enquanto ele vivia, converteu-se num destino” que este belo livro procura tornar inteligível.

O presente volume toma por base o texto francês original e, como o próprio autor observa em nota escrita especialmente para esta edição, incorpora as muitas atualizações feitas desde seu lançamento. Além de levar em conta os ensaios de maior relevo publicados nos últimos vinte anos, Canavaggio lança nova luz sobre determinadas passagens, como os contatos que Cervantes entretém com a corte de Felipe II ao regressar do cativeiro em Argel; suas relações com homens de negócios que, durante a estada do escritor em Valladolid, fizeram dele um intermediário ativo em certas transações financeiras; e, no terreno literário, sobre a redação, já no limiar da morte, de Los trabajos de Persiles y Sigismunda, a derradeira obra de Cervantes, que recentemente vem suscitando uma renovada atenção por parte da crítica.

Apesar do grande número de estudos publicados sobre o “príncipe dos engenhos”, como já foi chamado o autor do Quixote, poucos se equiparam a esta biografia de Jean Canavaggio – que consegue, ao mesmo tempo, informar com rigor e narrar com emoção.

Sobre o autor: Jean Canavaggio nasceu em 1936. Foi diretor da Casa de Velázquez, em Madri, e é atualmente professor na Universidade Paris X-Nanterre. É membro de honra da Hispanic Society e correspondente da Real Academia Espanhola e da Real Academia de História. Coordenou uma Histoire de la littérature espagnole (Fayard, 1993-1994) e a edição em francês das obras completas em prosa de Cervantes (Gallimard, Bibliothèque de la Plèiade, 2001), colaborando também na edição de D. Quixote coordenada por Francisco Rico (Instituto Cervantes, 1998). Entre suas obras se destacam, além desta biografia — que recebeu o prêmio Goncourt em 1986 —, Cervantes dramaturgue: un thêatre à naître (Presses Universitaires de France, 1977) e Don Quichotte, du livre ao mythe (Fayard, 2005).

Sobre o tradutor: Rubia Prates Goldoni é doutora em Literatura Espanhola pela Universidade de São Paulo e realizou parte de seus estudos acadêmicos na Universitat Autònoma de Barcelona. Ensinou Língua Espanhola, Literatura e Prática de Tradução na UNESP. Como tradutora, conta com cerca de trinta títulos vertidos do francês e do espanhol, nas áreas de literatura e ciências humanas.
Recebeu o prêmio FNLIJ Monteiro Lobato 2009 - Melhor Tradução Jovem, por Kafka e a boneca viajante, de Jordi Sierra i Fabra (Martins).

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

AS GRANDES HERESIAS

Título original: The great heresies
Autor: Hilaire Belloc (1870-1953)
Tradução: Emílio Angueth de Araújo
Editora: Editora Permanência
Assunto: Religião
Edição: 1ª – no Brasil
Ano: 2009
Páginas: 152

Sinopse: Heresia não é um assunto fossilizado. Ao contrário, é de permanente e vital interesse para a humanidade, porque está associado à religião, sem a qual nenhuma sociedade humana jamais perdurou ou pode perdurar.

Aqueles que pensam que o assunto heresia possa ser desprezado porque o termo soa fora de moda e porque está relacionado a diversas disputas há muito abandonadas, cometem o erro comum de pensar nas palavras, e não na idéias. Não há fim para os mal-entendidos que surgem do uso ambíguo de palavras. Mas se recordarmos o simples fato de um estado, uma comunidade humana ou uma cultura geral devem ser inspirados por um conjunto de regras morais, e que não pode haver esse conjunto de normas morais sem uma doutrina, então a importância da heresia como tema será clara, porque heresia não significa outra coisa senão “a proposição de novidades em religião, escolhendo-se algo do que tem sido a religião aceita, negando-se ou substituindo-se esse algo por outra doutrina então não familiar”.

O estudo das sucessivas heresias cristãs, seus respectivos caracteres e destinos, tem um interesse especial para todos os que pertencem à cultura européia e cristã, e esta deve ser uma razão evidente – nossa cultura foi feita por uma religião. Mudanças ou desvios dessa religião afetam necessariamente nossa civilização como um todo.

Comentário: Foi editado finalmente no Brasil, no final de 2009, o livro AS GRANDES HERESIAS, do anglo-francês Hilaire Belloc, pela Editora Permanência. Belloc foi um autor que marcou o seu tempo. Filho de pai francês e mãe inglesa, ficou órfão de pai aos dois anos de idade e a mãe optou por ir morar na Inglaterra. Assumiu a cidadania inglesa, mas prestou serviço militar na França, o que mostra que foi um homem dos dois mundos. Deixou vasta obra.

Belloc foi um católico devoto. Neste livro ele nos legou um grande trabalho histórico, ainda que haja na obra algo de inacabado. Também pudera, foi concluído em 1938, véspera dos maiores acontecimentos militares e políticos de todos os tempos. Nele Belloc narra as grandes heresias que afetaram o catolicismo – para ele sinônimo de cristianismo – desde o começo. O livro tem algumas singularidades, ente elas o fato de colocar o islamismo como uma forma de heresia cristã, a mais letal e perigosa de todas, a que tem posto o Ocidente em xeque desde o seu surgimento. E foi profético ao dizer que o Islã poderia novamente repetir suas façanhas, mesmo que na ocasião da conclusão do livro não houvesse mais nenhuma potência islâmica capaz de desafiar o Ocidente. É como se tivesse previsto o 11 de setembro.

Outra afirmação sua bastante contundente foi dizer que todas as igrejas protestantes não passam de heresias e sua verve é implacável, sobretudo com as seitas fundadas por João Calvino. Hoje em dia a coisa pode soar politicamente incorreta, já que vivemos tempos de covardia. Tempos de relativismo religioso e cultural, tempos de ecumenismo com o qual certamente ele não se conformaria. Para ele, a verdade estava com o catolicismo e ponto.

Seu capítulo final discorre sobre a fase moderna, mas é curto e incompleto por não ter visto o desfecho do nazismo e do muro de Berlim. Mas, ainda assim, previu muita coisa importante. A dissolução dos costumes cristãos não passa, segundo ele, da repetição da tragédia das heresias mais antigas, notadamente a albingense, com sua permissividade, sua luta pela dissolução do matrimônio, seu desvalor pela vida humana. Escreveu Belloc sobre os albingenses:

Todos os sacramentos foram abandonados. Em seu lugar, um estranho ritual foi adotado, que envolvia a adoração do fogo, chamado ‘a consolação’, por meio do qual acreditava-se que a alma era purificada. A propagação da espécie humana foi atacada; o casamento era condenado e os líderes da seita espalhavam todo tipo de extravagâncias que se podem encontrar pairando sobre o maniqueísmo e o puritanismo, onde quer que apareçam. O vinho é mal, a carne é má, a guerra era sempre absolutamente má, e assim também a pena capital; mas um pecado sem perdão era a reconciliação com a Igreja Católica.

Podemos ver que, se vivo fosse, Belloc acharia que os albingenses voltaram, nesses tempos de aborto estatizado, de sexo livre, de casamento homossexual, de perversões de toda ordem homologadas pelo sistema jurídico. Nem mesmo o protestantismo venceu; seu sucedâneo é a confraria dos ateus, que tomou conta dos centros de saber de todo o Ocidente. Talvez os tempos de hoje sejam bem piores do que aqueles de 1938. Quem saberá o que virá em dois anos? A roda da história está novamente acelerada e os acontecimentos podem se precipitar. (Nivaldo Cordeiro)

Trecho da obra: Imortalidade da alma. [A religião cristã] “tem como uma parte essencial (apesar de ser uma parte apenas) a afirmação de que a alma individual é imortal – a consciência pessoal sobrevive à morte física. Se as pessoas acreditam nisso, olham para o mundo e para si mesmas de certa maneira, agem de determinada forma e são pessoas de certo tipo. Se não acreditam nisso (se elas excluem ou se omitem [d]essa crença), há um corte nessa doutrina. Elas podem continuar a manter todas as outras crenças, mas o sistema é modificado, o tipo de vida, caráter e o resto se tornam muito diferente. O homem que está certo de que morrerá para sempre pode muito bem acreditar que Jesus de Nazaré era o Deus de Deus, que Deus é trino, que a Encarnação foi acompanhada de um nascimento virginal, que o pão e o vinho são transformados de uma forma particular; pode recitar um grande número de preces cristãs e admirar e imitar certos cristãos, mas será um homem muito diferente daquele que considera verdadeira a imortalidade.


O autor: Joseph Hilaire Pierre René Belloc (La Celle-Saint-Cloud 27 de julho de 1870 — Guildford, Surrey, 16 de julho de 1953) foi um escritor britânico. Nasceu em França, nos arredores de Paris, em La Celle-Saint-Cloud, a 27 de Julho de 1870, filho de um advogado francês casado com uma inglesa (Bessie Rayner Parkes), pertencente á alta burguesia, proveniente do protestantismo e convertida ao catolicismo e que foi muito ativa nos primórdios do movimento feminino pró-sufrágio. A educação de Belloc foi quase inteiramente britânica, após a morte do pai, começando na Oratory School em Birmingham, uma escola católica e continuando no Balliol College, em Oxford, pela qual se licenciou em História, em 1894, com “the highest honors”. Casou com uma americana, Elodie Hogan, em 1896. Em 1902 tornou-se súdito britânico, por naturalização, e durante alguns anos (1906-1910) foi membro do Parlamento Britânico, sob as cores do Partido Liberal. Em Oxford revelou-se um excelente orador e parece não haver grandes dúvidas de que poderia, se quisesse, ter tido uma carreira distinta na política. Mas acabou por escolher a escrita como o seu campo de acção e, na verdade, missão, e tornou-se um dos mais prolixos e diversificados - atendendo á diversidade de temáticas e de estilos - autores na longa história da literatura inglesa.

Quando morreu, a 16 de Julho de 1953, com quase 84 anos de idade, Belloc deixava para trás cerca de cem livros publicados e um vasto número de ensaios avulsos, artigos, recensões e discursos. Uma das mais controversas figuras do seu tempo, foi, também, um dos mais respeitados e venerados, pela sua cultura, visão, vigor e brilhantez de estilo literário. Escreveu muito sobre História, incluindo uma História de Inglaterra em quatro volumes, e vários tratados histórico e biográficos da Revolução Francesa – um acontecimento com uma quase obsessiva influência no pensamento de Belloc -, mas os seus escritos historiográficos ocuparam relativamente pequeno espaço na totalidade da sua bibliografia. Ele era crítico literário e analista social e político, um incessante polemista em muitas áreas, jornalista, novelista e sobretudo, poeta. Os seus poemas podem ser encontrados em muitas antologias de poesia inglesa, mas a sua primeira aventura neste campo foi a dos versos com non sense. O seu livro The Bad Child’s Book of Beasts, escrito enquanto se encontrava em Oxford, em 1896, gerou uma atenção imediata e é considerado nos nossos dias como um clássico.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O JARDIM DAS AFLIÇÕES

Autor: Olavo de Carvalho
Editora: É Realizações
Assunto: Filosofia
Edição: 1ª
Ano: 2000
Páginas: 336


Resumo do livro:

1. Unidade do livroO livro é uma investigação filosófica, portanto, algo que se inicia com o “espanto”, com a conscientização de um problema. O primeiro problema que espanta o autor é a falsificação da história da Ética, feita pelos professores da USP, em um evento do Masp. A busca em entender este evento lança o autor em uma investigação por uma multiplicidade de planos que irão, ao final do livro, mostrar como se deu a formação cultural e política de Ocidente, desde seus fundamentos até seus desdobramentos contemporâneos; por fim, situando o problema inicial neste quadro maior de referência.

2. Tipo do livro
O livro é uma investigação filosófica. Isso significa, primeiramente, que não é uma exposição, mas, a rigor, a demonstração dos passos de uma investigação. Algo parecido já foi feito pelo autor na segunda parte de Descartes e a Psicologia da Dúvida, onde, ao invés de expor metodicamente a solução para um problema, o autor descreve os passos em direção à solução. Este procedimento tem a vantagem de colocar o leitor dentro do processo de investigação; mas trás o risco de ser mal-interpretado por um leitor que, não percebendo as implicações desta diferença, leia o livro como se fosse uma exposição metódica. A principal diferença desta mudança de enfoque consiste no fato que um livro investigativo estar lidando com probabilidades e não com certezas; ou seja, partindo dos vários caminhos possíveis para resolver um problema, o autor procurar hierarquizá-los e escolher o mais provável para continuar seguindo as pistas da solução. Ao contrário de uma exposição metódica, o autor não mostra nexos que sejam necessários, justamente, porque na investigação estes nexos ainda estão sendo buscados. Por isto é comum que em certas passagens o autor assinale a importância de determinado assunto seja mais estudado, anunciando, a título provisório, as soluções que lhe parecessem ser as mais prováveis, admitindo, contudo, que o assunto está longe de ser terminado.

Além disto, é uma investigação filosófica. Ou seja, procurar apreender a unidade explicativa por trás dos fatos mais diversos; inclusive aqueles que são objeto de investigação de várias ciências particulares. Por isso, o autor irá percorrer os mais variados campos para entender o problema que tem em mão: passando pela história, psicologia, religiões comparadas, entre outras; todas as ciências servindo como instrumentos para ajudar na compreensão dos problemas que serão levantados.

3. Estrutura da obra
Estrutura resumida

Livro I – Apresentação do problema inicial que provoca as investigações: a falsificação da história da Ética, feita pelos professores uspianos, nas palestras do Masp (Epicuro no lugar de Platão e Aristóteles; Inquisição como fenômeno medieval e não renascentista; exclusão da escolástica) e a distorção da história do pensamento Ocidental, feita por Pessanha, quando esteve na direção da coleção “Os Pensadores”.

Livro II – Uma investigação de Epicuro; procurando entender o que ele foi fazer no lugar de Platão e Aristóteles, como representante da Ética na filosofia grega e o porquê do fascínio que exerceu na platéia. Onde se assinala sua pequenez filosófica; seu parentesco com a Nova Era; e sua índole evasionista, como resposta a uma situação de falta de sentido.

Livro III – Onde se examina qual a semelhança entre Marxismo e Epicurismo, por trás de sua aparente contradição entre ativismo e evasionismo: negação da inteligência teorética; e onde também se assinala que o mesmo parentesco se repete entre os movimentos espiritualistas da Nova Era e os descendentes marxistas contemporâneos.

Livro IV – Onde se examina as mudanças culturais na história ocidental que levaram a perda da dimensão metafísica; sem a qual, cresce o culto às dimensões sócio-cósmicas; que seria um dos fatores que teriam aproximado os movimentos materialistas dos espiritualistas.

Livro V – Onde se estuda a história política do Ocidente e sua configuração de poderes; situando o lugar da intelectualidade brasileira contemporânea frente a este quadro ampliado.

Estrutura expandida

Nota: Aqui, ocasionalmente, extrapolo os limites da “leitura analítica” para transcrever também os argumentos que sustentam as principais proposições; porém, só o fiz quando me senti seguro de tê-los compreendido suficientemente bem. Faço o alerta para que o leitor não tome o tamanho do meu texto escrito como indicativo da importância do trecho correspondente do livro; algumas vezes ocorreu o contrário: preferi me demorar nos capítulos de mais fácil assimilação, passando com mais rapidez pelos mais densos. Esta não é, infelizmente, a única falha deste resumo. Porém, este é o que eu pude fazer por hora; no futuro, talvez eu retome este texto e o complete com a devida propriedade que o livro merece.

Livro I – Pessanha

1) Biografia do livro

2) Onde se apresenta as críticas às palestras do Masp (ausência de Platão, Aristóteles, Santo Tomás; presença de Epicuro; inquisição como fenômeno medieval, etc.).

3) Onde se observa que o mesmo critério já tinha sido utilizado por Pessanha, na coleção “Os Pensadores”; e onde se assinala que a falsificação tenha sido feita em nome da missão marxista de “transformar o mundo”.

Livro II – Epicuro
Capítulo II – A Cosmologia de Epicuro

Onde se demonstram as contradições internas da cosmologia epicúrea e se contesta algumas de suas possíveis defesas. Neste capítulo, me parece que Olavo utiliza o método que chama de “crença metódica”; que é apresentado, em sua apostila Descartes e a psicologia da dúvida - Parte II como uma alternativa à “dúvida metódica”.

Seguindo este método, ao invés de procurar questionar cada ponto da doutrina de Epicuro, ele supõe que ela pode ser verdadeira, e passa em seguida a tirar conseqüências de seus pressupostos e comparar as diferentes proposições; deste modo, descobrindo uma série de contradições.

Não encontrei nenhuma apresentação sistemática deste método, mas me parece que é deste método que Olavo fala no texto “Idéias Vegetais”, publicado no “Imbecil Coletivo”, quando declara:

A credulidade mesma, quando praticada a sério e integralmente, é a melhor defesa: basta que você, ao crer no que alguém lhe diz, creia também nas conseqüências, que ele provavelmente não disse. Se estas conseqüências forem absurdas, a absurdidade delas logo saltará aos olhos, sem que você tenha tido o trabalho de procurá-la como faria Descartes” (Imbecil Coletivo, Idéias Vegetais).

Capítulo III – Ética de Epicuro
8) A ética de Epicuro pode ser dividida em uma parte geral e outra específica. A parte geral são os valores comuns aos filósofos da época, como a superioridade da contemplação à ação, a filosofia como um caminho para a felicidade, etc. A parte específica, que a distingue das outras, é uma “psicologia prática”, exercícios mentais para atingir a felicidade.

Entre estes exercícios, está o tetrafármacon; que consiste na internalização de alguns preceitos (não temer os deuses, a morte, etc.). Olavo assinala que alguns destes preceitos são incoerentes com a cosmologia epicúrea; portanto, o epicurismo exige que o discípulo se esforce para acreditar em algo que a sua filosofia desmente.

9) Olavo faz uma análise pormenorizada de um dos exercícios mentais epicuristas, que consiste em afastar da mente seus problemas e se concentrar em reviver as memórias de tempos mais felizes. A crítica a esta técnica é que ele consiste em uma auto-hipnose que tem como conseqüência causar uma progressiva distorção no senso de realidade de quem a pratique. Para explicar os perigos desta prática, Olavo se baseia em parte na sua própria teoria sobre a psicogênese do conhecimento objetivo. Contudo, ainda não consegui ter acesso a este material para tecer mais comentários.

Capítulo IV – Lógica de Epicuro

10) Em Aristóteles, Na lógica há uma ligação necessária que entre a conclusão e suas premissas; já a retórica, é definida quando a ligação entre as premissas e a conclusão não é necessária, mas é apenas verossímil. Por isto, a lógica serve para encadear raciocínios que sejam verdadeiros (se as premissas também o forem); enquanto a retórica serve para convencer alguém de uma proposição, sobre a qual não há base para afirmar sua veracidade. A lógica dos sinais de Epicuro, em termos aristotélicos, seria uma retórica, e não uma lógica, propriamente falando. Levando em conta que já existia a lógica aristotélica, a lógica epicúrea é uma queda de nível em relação ao que já tinha sido alcançado pela filosofia.

Porém, esta característica da lógica dos sinais é explicada pela própria característica do epicurismo, onde o objetivo não é alcançar a verdade, mas a paz interior; consequentemente, sua lógica não é um instrumento de investigação ou de verificação de proposições, mas um instrumento auto-hipnótico, onde o discípulo progressivamente se convence (ou é convencido) daquilo que não sabe como provar ou verificar.

11) Tanto a lógica de Epicuro, como sua Ética, o coloca ao lado das técnicas modernas de hipnose e manipulação mental, como a PNL.

12) O autor anuncia um pequeno desvio de Epicuro para discutir o atual estado das pesquisas sobre manipulação mental e o desinteresse sobre o assunto.

13) O autor faz uma longa descrição dos avanços técnico-científicos no campo da manipulação mental; assinalando, por um lado, há importância do assunto; e, por outro, a preocupante falta de interesse de se formar grupos sérios de estudo desta questão, que por sua amplitude, transcende as possibilidades investigativas de um estudioso isolado.

Capítulo V – Índole do epicurismo

14) O autor desmente alguns dos mitos construídos em torno de Epicuro

15) Onde se assinala as condições nas quais o epicurismo emergiu: na época, havia um sistema político repressor, que vetava aos cidadãos a possibilidade de participar das decisões políticas de sua comunidade; decadência da religião grega, o que retirava das pessoas a possibilidade encontrar um sentido transcendental para sua existência; exílio dos filósofos, o que fechava a possibilidade encontrar um sentido para a vida através da reflexão intelectual. A conjunção destes três fatores provocava na população o sentimento de desespero e impotência. Neste contexto, o epicurismo surge como uma tábua de salvação, trazendo o alívio evasionista e a fuga das dores da realidade.

Neste sentido, o epicurismo parece estar situado no pólo oposto do marxismo: de um lado, a pregação do ativismo político; do outro, a pregação do evasionismo, da alienação, do niilismo. Por que Pessanha, um marxista, teria se interessado tanto por Epicuro. Este é o ponto que desencadeia o próximo passo da investigação.

Livro III – Marx

16) Apesar de estarem em planos opostos, em termos de projeto político, há um princípio comum que une marxismo e epicurismo: a negação da inteligência teorética. Neste ponto, me parece que Olavo utiliza o raciocínio analógico, explicado no texto "Dialética Simbólica".

17) Segue um comentário mais minucioso sobre a negação da inteligência teorética em Marx; que está disponível no site do autor: Epicuro e Marx

18) O autor comenta que o esforço de Pessanha em resgatar a “tradição materialista” é equivocado, pois, aí, “materialismo” é apenas uma coincidência de nomes, não de termos; ou seja, a mesma palavra sendo utilizada com sentidos diferentes.

Além do mais, a noção de “tradição materialista” se torna mais complicada com a constatação que os ”filhotes” modernos do epicurismo são os movimentos espiritualistas da Nova Era. Além disto, estes movimentos espiritualistas também possuem uma série de correspondências analógicas com os movimentos marxistas. Como houve esta aproximação entre marxismo e espiritualismo? Esta é a questão que move a próxima parte da investigação.

Livro IV – Os braços e a cruz
Capítulo VII – Materialismo espiritual

16) “Pobres bantos” (as aspas assinalam que o título foi alterado por mim)

O autor mostra que é comum que em todas as principais civilizações se encontre algum tipo de divisão da realidade em três estratos essenciais: o campo da manifestação sensível, o campo dos princípios metafísicos, e o campo intermediário, onde está situado o homem. Contudo, Mircea Eliade observou que em culturas em avançados estados de degradação (ocasionados por sucessivas experiências traumatizantes de fome, guerra, miséria) percebe-se que há um abandono da dimensão metafísica e, simultaneamente, o endeusamento de aspectos da experiência sensível: a idolatria do tempo e do espaço; os deuses da natureza e da história. O autor assinala que processo análogo aconteceu com a classe intelectual da civilização Ocidental, que após o abandono da dimensão metafísica, dividiu o campo da ciência em duas formas de idolatria: as ciências da natureza (deuses do espaço) e as ciências humanas (deuses do tempo).

17) “Divinização do espaço”
O autor mostra que o processo de divinização da natureza remonta a Nicolau de Cusa, quando este, em sua obra, mantendo os principais tesouros da cosmologia tradicional, trouxe para a cena uma nova gnoseologia. Essa gnoseologia, se afastando do ideal de evidência apodíctica, trouxe um progressivo rebaixamento da ciência em relação ao ideal que já havia sido estabelecido por Platão e Aristóteles, o que se torna evidente a partir de Galileu, e que pode ser exemplificado nos desvios de autores modernos como Cantor e Piaget.

Pareceu-me que, para fazer esta análise, Olavo se fundamenta amplamente na obra de Husserl, que ainda não conheço. Encontrei no texto “O Homem-relógio” uma correspondência com o que é discutido aqui, porém, bastante sintética.

18) “Divinização do tempo I”Uma longa e detalhada descrição de como surge o pensamento historicista, suas raízes e seus desdobramentos no desenvolvimento do pensamento Ocidental. Por fim, mostra como ele se desviou de seus louváveis objetivos originários para produzir duas ideologias progressistas (marxismo e positivismo), que sustentaram os dois principais projetos político antagônicos do século XX (capitalismo e comunismo), que tiveram como uma das piores conseqüências absorver todo questionamento sobre o sentido individual da existência no rumo coletivo da história.

19) “Divinização do tempo II”Uma crítica específica e detalhada a dois frutos do historicismo: a doutrina da “volonté generale” dos ideólogos da revolução francesa e à doutrina hegeliana de Estado.

A visão da ciência política tradicional era a de que o sujeito que é diretamente responsável pelas ações políticas é o individuo concreto; a sociedade, nesta visão, é aglomeração de indivíduos, não possuindo uma existência tão concreta quanto aqueles por ser um ente mais evanescente. Porém, na ciência política moderna, a sociedade será considerada um ente tão ou mais concreto que o individuo singular.

Esta concepção se baseará na observação de que a vida em sociedade é essencial para o homem, não sendo concebível uma natureza humana fora da sociedade. O autor irá defender que esta crítica se baseia em uma compreensão superficial do pensamento da filosofia tradicional, pois nesta visão já estaria previsto que a sociabilidade é essencial para o homem. A diferença seria a seguinte: para os antigos, havia uma “natureza humana” imutável, porém, dentro desta “imutabilidade” já estava previsto uma série de aspectos que iriam variar sob certas condições; uma destas condições é a sociabilidade. Ou seja, não há nenhuma incompatibilidade entre o pensamento tradicional e o reconhecimento da influência da sociedade sob a natureza humana, desde que se entenda que esta só afeta algumas características, já previstas na definição de “natureza humana”, sem afetar outras, também previstas. Neste sentido, Olavo afirma que o homem é imutavelmente mutável pela convivência social. Portanto, a idéia da “volonté generale” se fundamenta em um equívoco filosófico.

Porém, se compreende a pobreza filosófica da idéia quando se observa que ela surgiu para resolver um problema político, e não filosófico. Os ideólogos da revolução francesa se encontravam com o problema de justificar o engajamento militar de toda a população, para poder fazer face aos demais poderes da Europa. Para isto, apelaram à idéia de que a substancialidade da Nação era mais importante que dos indivíduos que a compunham e, em nome dela, todos os cidadãos deveriam se sacrificar no esforço de guerra. Portanto, não é só de um equívoco filosófico que nasce a idéia da “volonté generale”, mas também da retórica política em vista da necessidade de justificar uma guerra às pressas.

O passo seguinte seria dado por Hegel. Ele tomaria a existência concreta do ente “sociedade” como um princípio auto-evidente, denominando-o Estado. O filósofo concederá ao Estado o mais alto grau na hierarquia ontológica, considerando-o a realização final do acontecer histórico. Em seguida, Hegel irá considerar o Estado a condição necessária e suficiente para a defesa da liberdade da consciência individual; considerando que este (o Estado) absorveu todo o pensamento cristão e filosófico, e não resta aos indivíduos nem mesmo a necessidade de se precaver contra os abusos dele, devendo entregá-lo a direção da própria consciência. Em resumo, o que Hegel faz é elevar o Estado à condição de arbitro das consciências, a suprema autoridade espiritual.

O autor assinala que a realização desta idéia hegeliana deu origem às três formas de Estado moderno: fascismo, comunismo e liberalismo. Os comunistas tentaram proibir as religiões em sua condução espiritual dos povos através da perseguição ostensiva, do uso da violência física e psicológica, pervertendo desde dentro as igrejas. Os fascistas tentariam substituir o culto religioso pelo culto do Estado. O Estado liberal, mantendo a liberdade econômica e política, se expande para controlar todos os domínios da esfera privada, cada vez mais se colocando como a instância reguladora das questões íntimas das pessoas, da vida interior das pessoas.

Capítulo VIII – a revolução gnóstica
23) Revisão do itinerário percorrido
Tentando recompor a unidade mental de Mota Pessanha, descobriu-se o ponto de interseção entre o marxismo e o epicurismo que professava: a negação da inteligência contemplativa. Em seguida, se descobriu que esta ligação esta na base de dois movimentos aparentemente antagônicos no cenário mundial: A Nova Era e A Revolução Cultura. Este junção fazia de Pessanha o iogue-comissário, sintetizando em sua pessoa um símbolo dos ideais que movem a humanidade: a evasão pelo consumismo e a evasão pela ação transformadora. Porém, resta a indagação: como foi possível a aproximação de duas correntes fundadas em cosmologias tão distintas? Como foi que o comissário materialista se aproximou do iogue espiritualista? O passo seguinte da investigação demonstrou que estas duas linhas se encontram em um mesmo ponto de origem: a negação da realidade metafísica e a substituição desta por divindades sócio-cósmicas, os deuses do tempo e do espaço. O iogue, divinizando a natureza, e o comissário, divinizando a história, aproximam-se no comum desprezo pelas realidades metafísicas. Porém, esta peculiar síntese não é novidade. O próximo passo é analisar suas raízes, que se encontram do culto a César e no gnosticismo.

24) O véu do templo.
O gnosticismo pode ser definido como uma reação de tradições antigas contra o cristianismo; para entender isto, deve-se entender qual a diferença específica entre eles. Até o advento do cristianismo, não havia espaço para a autonomia de consciência. As tradições se encontravam integradas a própria estrutura social, de modo que as próprias regras da sociedade eram vista como uma conseqüência direta da ordem divina. Com Sócrates, a coisa muda um pouco de figura, pois o filósofo irá declarar a superioridade da consciência individual em relação às demais formas de conhecimento social. A essência da mensagem de Sócrates é que a verdade é: Universal, ou seja, válida para todos; Apodíctica, ou seja, conhecida através de evidência, não somente indiretamente através de códigos e símbolos; Individual, ou seja, se mostra individualmente para cada sujeito através da consciência reflexiva.

Contudo, mesmo entre os gregos, o reconhecimento disto não provocava grandes influências na ordem social, pois, embora reconhecessem que este era um tipo de conhecimento superior ao da sociedade, os filósofos consideravam que este seria sempre um privilégio para poucos e não esperavam que toda a sociedade adotasse esses princípios. Porém, é precisamente isso que o cristianismo irá propor: a possibilidade que cada indivíduo encontra a verdade, independente de qualquer fator social. Ou seja, a possibilidade socrática, que os gregos reservavam para poucos filósofos e membros de sociedades iniciática, está aberta para toda e qualquer pessoa.

Esta nova possibilidade irá se opor radicalmente contra os antigos valores civilizacionais. A antiga visão de mundo, como o iogue-comissário, cultuava a sociedade e natureza, os deuses do tempo e do espaço. Porém, quando o cristianismo abre essa conexão direta entre Homem e Deus, desprezando as leis sociais e naturais, o culto passa a ser de uma divindade metafísica, acessível somente ao indivíduo, impossível de ser plenamente transposta para um conjunto forma de regras e normas. Em oposição aos deuses cósmicos, o cristianismo trás o culto do Deus supra-cósmico. Em oposição à crença de que os valores da sociedade são os valores supremos, o cristianismo trás a consciência individual como a instância que julga a sociedade, e não que é julgada por ela.

Com a queda do Império Romano e a progressiva cristianização da Europa, surge um novo mundo, onde o Estado não possui mais o poder sacerdotal que possuía no tempo de César. Neste novo quadro, o cristianismo se espalha sobre o mundo, (cf.pág. 193. Especialmente a nota de rodapé) enquanto os vestígios das antigas tradições greco-romanas dão origem às seitas gnósticas, que se opõe a nova mentalidade e propõe a volta dos antigos cultos.

25) Leviatã e Beemoth
Entre as características do gnosticismo, pode-se destacar o culto cósmico e a sacralização da sociedade. O movimento de reação contra o cristianismo, que se consubstancializa parcialmente nas seitas gnósticas, procurando restabelecer o culto das divindades da natureza, e parcialmente dentro da própria Igreja, na medida que esta passou a sacralizar a sociedade, como conseqüência indireta do esforço de difundir o cristianismo. (v. Nova Era, pp. 15-17)

Enfocando basicamente as dimensões sociais e cósmicas, o gnosticismo ataca diretamente a consciência individual e a dimensão metafísica. Porém, uma vez que esta se torna vitorioso, surge um novo conflito: os deuses do tempo versus os deuses do espaço. Em torno deste conflito serão geradas as principais discussões das idéias até o século XX, sem nunca conseguirem encontrar uma síntese (pois esta só seria possível no âmbito metafísico).

Livro V – Caesar Redivivus
Capítulo IX – A religião do Império

26) De Hegel a Comte
O autor narra como a idéia hegeliana de Estado como guardião da consciência humana frutificou no Catecismo de Robespierre, na Religião da Humanidade de Comte, na própria autoridade de Napoleão, que assumiu o trono dispensando as tradicionais bênçãos sacerdotais e, por fim, no Estado leigo. O tema básico é o Estado somando ao poder temporal a autoridade espiritual.

27) Breve história da idéia imperial
O autor afirma que a história política do Ocidente pode ser resumida como a tentativa de re-articular um novo poder imperial sucessor do Império Romano.

O problema básico desta histórica é que no Império Romana estava articulada uma dualidade de poderes que nenhuma outra potência conseguiu harmonizar: os poderes espirituais e temporais. Enquanto na Roma Antiga a aristocracia representava tanto o poder político quanto sacerdotal, a partir da dissolução do Império Romano estes poderes estarão definitivamente separados, tendo que encontrar sucessivamente novas formas de convivência.

A história dessa sucessão de arranjos se inicia com a queda do Império Romano. A partir daí, com a progressiva cristianização da Europa, os sacerdotes cristão irão assumir parte das funções publicas. Porém, dado o caráter do cristianismo como via individual de salvação, não é possível uma “doutrina cristã de Estado” que substitua totalmente as funções do antigo império. Conseqüentemente, dentro da própria Igreja surgirá a demanda por uma classe política que assuma as funções que ele não quer desempenhar. A partir desta necessidade, surge o primeiro Império cristão, unificado por Pepino e consolidado por Carlos Magno. Porém, este império não durará muito tempo, e será substituído pelo Sacro Império Romano; o qual, por sua vez, longe de atuar como braço político e militar da Igreja, entrará em constantes conflitos com ela.

As viagens transcontinentais trariam um novo quadro de referências para a idéia de Império: por abrir a possibilidade da expansão do Império sobre as colônias do Novo Mundo, é aberta a possibilidade da co-existência de vários candidatos à Império, pois não precisam se digladiar internamente pelos pedaços da Europa.

Porém, a multiplicidade dos impérios não resolve a tensão interna que o caracteriza: a duplicidade dos poderes. Com cada nação Europa assumindo o poder temporal, ainda falta a complementação necessária de um poder espiritual que justifique o Império. A Igreja Católica torna-se o poder espiritual que complementa o poder temporal da dinastia espanhola, deixando os outros candidatos à Império sem este apoio. Para suprir esta falta, os estados nacionais irão se aliar às igrejas protestantes, buscando, cada qual, fundar o próprio Império. Porém, dentro de cada Estado nacional, se repete a contradição entre os interesses e valores do clero e da nobreza; cada Estado procurando sufocar e subjugar o poder espiritual sob o poder temporal.

Três séculos depois, o quadro de referências muda novamente: as monarquias começam a cair. Nesta nova situação, Napoleão Bonaparte sobe ao poder com a missão de atualizar o poder imperial, porém, desta vez, desvinculado de qualquer legitimação religiosa: trata-se de restaurar o culto a César. Contudo, o projeto de Napoleão irá ruir pela sua própria contradição interna: irá tentar construir um novo regime, excluindo a casta sacerdotal, porém, se fundamentado na mesma casta aristocrática que há doze séculos havia estado fortemente ligada ao clero. Porém, ainda assim não será o fim da ambição imperial, que irá florescer nos Estados Unidos

28) O Império contra-ataca.
A idéia de Império ressurge nos EUA metamorfoseada em uma configuração inédita: trocava-se a monarquia e o absolutismo pela república democrática.

29) Aristocracia e Sacerdócio no Império Americano IO novo império também se distingue por ter uma nova classe sacerdotal: a maçonaria, que irá moldar o imaginário público, através de uma nova série de ritos e mitos nas artes que virão em substituição aos mitos cristãos.

O autor faz uma análise dos vários historiadores da maçonaria, explicitando o que há de aproveitável em algumas teses e o que ele considera exagerado; citando casos de intelectuais famosos que se encontraram assujeitados a organizações secretas, sem que jamais conseguissem elaborar intelectualmente estas experiências para esclarecer o público; assinalando, em todo caso, a importância do assunto, a irresponsabilidade em ignorá-lo e a necessidade de que se façam mais estudos sérios sobre ele.

Neste capítulo, há também uma valiosa – embora sintética - exposição sobre o funcionamento imaginário na formação do raciocínio lógico que fundamentam toda a análise sobre a influência maçônica na sociedade. Porém, não irei resumi-la aqui por não ter lido ainda o material original onde este tema é exposto sistematicamente (cf. Uma Filosofia Aristotélica da Cultura).

29) Aristocracia e Sacerdócio no Império Americano II
Mais uma característica do Império Americano é que ele é uma república protestante. Contudo, ao contrário de outros países onde uma corrente do protestantismo unificou religiosamente o país, nos Estados Unidos, a população se divide em uma série de correntes, sem que nenhuma tenha a primazia de religião oficial. Por isso mesmo, todos os diferentes grupos religiosos tem que aprender a conviver em pé de igualdade, sob a mesma proteção de uma única autoridade civil: ou seja, o Estado leigo.

O autor então, argumenta que a submissão das religiões a uma moralidade civil tem como conseqüência direta o esvaziamento das religiões tradicionais favorecendo o crescimento do ateísmo e o nivelamento de todas as crenças, apagando as diferenças entre os cultos tradicionais e as demais seitas.

Porém, a conjunção destes dois pontos (Estado leigo e casta sacerdotal maçônica) acarreta também mais uma característica inédita na história dos impérios: pela primeira vez, os dirigentes de uma nação partilham de uma única crença sem que esta seja partilhada por ninguém da sociedade civil; enquanto, ao mesmo tempo, a sociedade civil não se unifica em torno de nenhuma crença, mas se divide entre uma infinidade delas.

31) De Wilhelm Meister a Raskolnikov
Neste capítulo, há uma explicação mais detalhada – e interessantíssima – do funcionamento dos ritos e mitos como os instrumentos pelos quais o indivíduo encontra o sentido de sua vida. Em seguida o autor aponta a mudanças dos mitos fundamentais das artes na modernidade, assinalando que há uma substituição do mito cristão pelo mito maçônico (que coincide também como rompimento entre catolicismo e maçonaria).

O autor assinala algumas obras onde aparece esta mudança e explica a diferença entre os dois mitos utilizando os conceitos de pequenos e grandes mistérios (os quais suponho serem conceitos guenonianos). Os pequenos mistérios seriam a descoberta seguida da integração na ordem histórico-cósmica; ou seja, o iniciado passa a ocupar um lugar produtivo na sociedade, de onde recebe as recompensas por seus esforços. Os grandes mistérios já se referem a percepção de uma ordem supra-cósmica que não é redutível à ordem mundana. A ruptura entre catolicismo e maçonaria teria feito com que esta passasse a poder oferecer apenas uma iniciação nos pequenos mistérios, pois para uma iniciação aos grandes mistérios seria necessário que a ordem iniciática servisse como preâmbulo para uma caminhada maior, que só poderia ser feito dentro de uma religião tradicional, como o catolicismo ou o islamismo.

Como estes mitos maçônicos estão presentes em obras de arte que são disseminadas por toda a população, os efeitos desta ruptura não se restringem aos iniciados, mas reverberam por toda a população, através de uma transformação do imaginário popular. A principal conseqüência é que a população passa a se preocupar cada vez mais com a realização mundana, descuidando de uma autêntica realização espiritual.

32) As novas Tábuas da Lei , ou: O Estado bedelO autor argumenta que sob a bandeira da democracia moderna os Estados contemporâneos têm promovido uma concentração de poder inédita na história ocidental, isolando progressivamente o homem comum do centro de decisões. Isto ocorre, em parte, porque as divisões da sociedade em castas (e não em classes) é uma constante do espírito humano e a ocultação deste fato pela ideologia democrática tem como efeito encobrir o fato de que uma elite cada vez mais restrita concentra um poder muito maior que o restante da população.

Em seguida, o autor mostra como os movimentos que reivindicam novos direitos terminam por incentivar a concentração de poder: para regular os novos direitos, o Estado encontra o pretexto para aumentar seu poder sobre a população.

O debate entre essa esquerda e direita também passa ao lado da questão do aumento do poder do Estado sobre as consciências. Mesmo os neoliberais, argumentando em favor da diminuição da influência do Estado na economia, não enxerga impedimentos em aumentar a presença do Estado em outras áreas: educação, comunicação, legislação, etc. Ou seja, em todos os espectros políticos, não há um movimento de resistência à crescente intervenção do Estado na vida privada dos cidadãos.

Além disto, neste trecho o autor analisa alguns dos procedimentos que levam a esta concentração de poder e mostra algumas conseqüências já visíveis deste fenômeno.

Capítulo X – Na borda do mundo

26) Retorno ao Masp e ingresso no Jardim das Aflições
Neste trecho, o autor faz uma recapitulação de todas as discussões do livro e retorna ao evento do Masp, para contextualizar aquele evento neste contexto mais vasto da história das idéias e da política ocidentais.

Primeiramente, o autor faz uma narrativa buscando reconstruir o modo como a intelectualidade uspiana concebia seu papel no rumo dos eventos, quais eram os objetivos do movimento pela “ética na política” e quais foram os resultados práticos obtidos: mostrando que, inconscientemente, a estratégia socialista ajudou a fortalecer os valores da Revolução Americana; ou seja, do Estado imperial leigo, que absorve, igualmente, as ideologias capitalistas e socialistas.
Em seguida, o autor faz uma breve narrativa dos últimos anos da formação intelectual brasileira, assinalando sua incapacidade de perceber a quem estão servindo com seu ativismo ideológico e sua incapacidade de perceber o fenômeno que está ocorrendo. Por fim, o autor também mostra que se por um lado, os EUA é o berço do novo projeto imperialista, ele também é o local de onde provêm as principais forças de resistência contra esta nova ordem.

Porém, acredito que o ponto central deste capítulo (e talvez, por extensão, de todo o livro) é quando o autor esclarece seu posicionamento frente ao projeto imperial americano. Ele insiste que o grande embate político do Ocidente já não é mais entre dois blocos ideológicos antagônicos (socialismo e capitalismo), pois o projeto do Império Mundial Leigo absorve ambas as ideologias. O embate restante é em delimitar os poderes do Império; ou seja, em rejeitar que ele atualize o projeto de César: absorver igualmente o poder temporal e o poder espiritual. A questão não é defender uma ideologia política em nome da outra, mas é defender o primado da consciência individual ante a pressão coletiva e negar ao Estado o papel de uma autoridade espiritual comparável a uma tradição religiosa. Em suma, trata-se de defender a liberdade de consciência e superioridade das tradições religiosas frente aos poderes políticos:

Nenhum regime, nenhum Estado, tem o direito de agir como intérprete soberano da verdade, subjugando as consciências individuais, pois é nestas, e não nele, que vive e esplende o dom da inteligência. E as consciências individuais não têm nem terão jamais outra fonte onde buscar inspiração e força senão o legado das grandes tradições espirituais. São elas também a fonte onde busca sua legitimação toda ideologia, todo regime político: elas julgam todas as ideologias, e por nenhuma são julgadas.”(Jardim das Aflições, 2ª edição, pág. 302).



Sobre o autor: Olavo de Carvalho nasceu em Campinas no dia 29 de abril de 1947, tem sido saudado pela crítica como um dos mais originais e audaciosos pensadores brasileiros.
Filósofo e professor, Olavo de Carvalho é o mais importante pensador brasileiro da atualidade. Olavo conquista o leitor por suas idéias vigorosas, expressas numa eloquência franca e contundente que alia o rigor lógico e a erudição ao mais temível senso de humor. Nas palavras do poeta Bruno Tolentino, “a capacidade de desenterrar do pensamento antigo, novas idéias aptas a lançar luz sobre o presente é a marca do verdadeiro erudito; a capacidade de encarar os problemas do presente com aquela coragem radical apta a trazer à luz os fundamentos últimos do conhecimento é a marca de algo mais que o mero filósofo-padrão de hoje em dia."
Olavo de Carvalho é um iconoclasta de incontornável honestidade intelectual que tomou para si a tarefa ingrata de pôr a nu os falsos prestígios acadêmicos e expor as falácias do discurso político e intelectual vigente.
A tônica de sua obra é a defesa da interioridade humana contra a tirania da autoridade coletiva, sobretudo quando escorada numa ideologia ‘científica’. Para Olavo de Carvalho existe um vínculo indissolúvel entre a objetividade do conhecimento e a autonomia da consciência individual.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O FALECIDO MATTIA PASCAL

Título original: Il Fu Mattia Pascal
Autor: Luigi Pirandello (1867-1936)
Tradução: Mário Silva, Brutus Pedreira e Elvira Rina Malerbi Ricci
Editora: Abril Cultural
Assunto: Romance (escrito em 1904)
Edição: 1ª
Ano: 1978
Páginas: 322


Sinopse: Mattia Pascal, no momento mais crítico de sua vida, vivendo uma vida medíocre, acossado por credores, casado e morando com uma sogra insuportável, foge de casa e um golpe do acaso muda a sua vida. Ele ganha uma pequena fortuna num cassino e, ao mesmo tempo é tido como morto, pois o confundem com um cadáver achado em sua cidade natal. Aproveita a chance e, como "falecido", decide assumir uma nova identidade e parte em viagem pela Europa, de modo aventureiro, envolvendo-se em contínuos contratempos, todavia as coisas não saem como o desejado.

Resumo da narrativa: A história contada é de um homem, Mattia Pascal, que mora em uma pequena cidade da Itália, Miragno. Após um casamento fracassado, a presença insuportável da sogra, a Viúva Pescatore, a morte de sua mãe e de seu filho, Mattia resolve sumir de sua cidade e viver uma aventura com o dinheiro que o irmão lhe enviara para o enterro da mãe. Quando volta para Miragno, depois de 12 dias (dentro do tempo da narrativa) descobre, pelos jornais, que está morto. Um homem se suicida em uma propriedade de sua família e a cidade julga que o morto é Mattia, porque ele passava por dificuldades financeiras, seu casamento não ia bem, ele acabara de perder sua mãe e sua filha. Dois fatores contribuíram para o veredicto da cidade: o homem morrera afogado, ou seja, estava irreconhecível, e o fato de o chapéu de Mattia ter sido encontrado na ponte de onde o suicida pulou. Diante desta situação, Mattia pára em uma cidade próxima à sua e decide, então, com o dinheiro ganho em cassinos durante o tempo do desaparecimento, assumir uma nova identidade e se libertar de todo aquele passado: o casamento, a convivência com a sogra, as dívidas, a vida que ele tanto lamentava. Ele resolve ir para Roma. A escolha deste lugar não é aleatória, pois Roma é uma grande cidade, cheia de forasteiros, e seria fácil para ele viver uma “outra vida”. Chegando a Roma, ele escolhe um novo nome, Adriano Meis, aluga um quarto na casa de uma família onde moravam o Sr. Anselmo Paleari, sua filha, Adriana, outra hóspede, a Sra. Silvia Capolare, professora de piano e o cunhado de Adriana, que naquele momento estava em Nápoles, Terenzio Papiano. Adriano Meis vive nesta casa e se apaixona por Adriana. Ela é uma moça recatada e assediada por seu cunhado Terenzio. Durante o tempo em que fica hospedado na casa de Paleari, Adriano participa de uma sessão espírita, promovida por Paleari, que é espírita, onde dá o primeiro beijo em Adriana. Um dia, Adriano percebe que foi roubado por Terenzio. Adriana quer chamar a polícia, mas Adriano, por não possuir um documento que comprove a sua identidade, e, tampouco, a fonte do dinheiro que possui a impede e mente, dizendo que o dinheiro não havia desaparecido. Para afastar Adriano de Adriana, Terenzio o apresenta à filha de um barão com quem tinha negócios e o incentiva a cortejá-la. Em uma visita à Pepita, filha do barão, o amante de Pepita, um pintor, desafia Adriano para um duelo, alegando que este havia ferido a sua honra. Adriano pede a Paleari e a Papiano para que sejam seus padrinhos de duelo, porém estes não aceitam. Para se salvar do duelo, Adriano resolve “morrer” mais uma vez. Deixa uma bengala, um chapéu e um bilhete em uma ponte, à beira de um rio. Mattia Pascal sai de Roma e decide reassumir sua identidade e sua vida. Ele procura o irmão e toma conhecimento que Romilda, sua mulher, casara-se com seu melhor amigo, Pomino, e que o novo casal já tem um filho. Por isso, ele resolve partir imediatamente para Miragno. Chegando em sua cidade, ele vai imediatamente para a casa de Pomino, e quando fica frente a frente com Romilda, Pomino e a viúva Pescatore fica indignado com o fato de sua mulher já ter se casado e deles já terem um filho. No momento em que Mattia reencontra a família, ele despeja toda a sua raiva e o seu ressentimento por causa desta nova situação (por não ter mais referências: mulher, casa, etc..), mas apesar disso resolve deixá-los em paz. Mattia decide morar com sua tia Scolástica e volta a trabalhar na biblioteca. A biblioteca é o lugar onde Mattia inicia a sua história, mais velho, contando-a ao padre Eligio Pellegrinotto.


O autor: Luigi Pirandello nasceu na Sicília (1867) e morreu em Roma (1936). Formou-se em filosofia pela Universidade de Bonn (Alemanha), dedicando-se ao magistério até 1923. Antes da partida para Bonn, escreveu apenas poemas e traduziu do alemão as Elegias Romanas de Goethe. A partir de 1893 fixou-se em Roma e começou a escrever sua primeira novela: A Excluída (1901). Em 1908, escreveu os ensaios O Humorismo e Arte e Ciência, expondo posições às quais permaneceria fiel em toda a sua obra. Em 1902, publicou os volumes de contos Escárnios da Vida e da Morte e Quando Estive Louco. De 1904 é um dos seus mais famosos romances, O Falecido Mattia Pascal. Nele, desenvolve, pela primeira vez, um tema que se tornaria constante em sua obra: o paradoxo entre a essência e a aparência, entre o que é o homem e o modo como a sociedade o vê.