sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

MADAME BOVARY

Título original: Madame Bovary
Autor: Gustave Flaubert (1821-1880)
Tradução: Araújo Nabuco
Editora: Circulo do Livro
Assunto: Romance
Edição: 2ª
Ano: 1975
Páginas: 261

Sinopse: O romance conta a história de Emma Rouault, uma mulher sonhadora pequeno-burguesa, criada no campo, que aprendeu a ver a vida através da literatura sentimental. Bonita e requintada para os padrões provincianos, casa-se com Charles Bovary, um médico interiorano tão apaixonado pela esposa quanto entediante. Nem mesmo o nasci
mento da filha dá alegria ao indissolúvel casamento ao qual a protagonista se sente presa.

Resumo da narrativa: Charles Bovary – a história começa com sua entrada na escola e com a hilaridade que provocou nos outros alunos seu chapéu ridículo – é rapaz estúpido, insensível de grande inabilidade; também incompetente e realizará operações desastrosas como no pé do aleijado do pobre Hippolyte. Emma, por sua vez, é uma mocinha sonhadora, romântica, acreditando no que suas leituras medíocres lhe contam sobre a felicidade pelo amor. Toda enganada. Emma casa com Charles Bovary, para fugir da estreiteza da casa paterna. A decepção é inevitável. Um baile no castelo do vizinho aristocrático reaviva os sonhos românticos, a que tão pouco corresponde o marido. Frontalmente, cai Emma na aventura adulterosa com Rodolphe, espécie da Don Juan rural, que a abandonará em breve. Agora, as paixões de Emma estão despertas. O jovem Léon, empregado de um advogado, é sua próxima vitima. Ela perde totalmente o equilíbrio. Toma emprestado dinheiro, mais do que poderá jamais devolver. Desespero. Suicídio. Depois da morte, Charles Bovary descobre a verdade. Fica perturbado sem saber o que pensar. E é só. Eis tudo. Uma história triste e, em parte, sórdida. Mas, atenção! Essa história não é simples como parece.

O romance se chama Madame Bovary. O título indica que Emma Bovary é sua “heroína”. Mas será realmente assim? A narração começa e termina com o estúpido Charles Bovary; e nele desempenham grande papel o estúpido don-juanismo de Rodolphe e a estúpida paixão de Léon, a estupidez do farisaico padre Boumisien e todo esse pequeno ambiente de província, sem saída para Emma e sem saída para ninguém e pode-se afirmar: a verdadeira personagem do romance é a Estupidez humana.

Análise de excertos da obra: A primeira página do livro descreve minuciosamente o chapéu ridículo de Charles Bovary, quando aluno do colégio. A página foi, pelos críticos contemporâneos, muito censurada, como “enfadonha” e “inútil”. Ela pode ser enfadonha – como o próprio Charles Bovary – mas inútil não é. O ridículo desse chapéu é o simbolo da estupidez de quem o usa e tornar-se-á simbolo da estupidez do ambiente inteiro em que ainda aparecerão muitos outros chapéus ridículos: o boné “grego” que usa o farmacêutico Homais e o chapeu de castor do padre Boumisien e o chapéu “elegante” (mas já démodê) do don juanesco Rodolphe, quando Emma o encontra no baile do castelo.

Esse baile em La Vaubyssard, oportunidade para Emma sair dos eixos do casamento, está rodeado de acidentes simbólicos. O buquê de casamento, última recordação material dos sonhos pré-maritais de Emma, é queimado: esse está prestes a acabar. No caminho para o castelo, o cãozinho de estimação pula do carro, corre para longe e não é mais visto nunca: Emma perderá o caminho. A ridícula estátua de gesso de um padre, no jardim dos Bovarys, é mutilada pela chuva e cai em pedaços: a perda do pé da estátua relaciona-se com a incompetência profissional de Charles Bovary e sua operação desastrosa no pé aleijado de Hippolyte; a destruição gradual da estátua de pedra lembra a eliminação dos últimos resíduos da educação religiosa de Emma, agora pronta para a aventura com Rodolphe.

O ponto alto do romance os “Comícios agrícolas”, a exposição agropecuária com distribuição de prêmios aos criadores de gado. É uma sinfonia de palavras. Nas vozes médias, o murmúrio do diálogo amoroso entre Emma e Rodolphe, na tribuna de espectadores; nas vozes agudas, os estúpidos discursos oficiais do prefeito e de outros dignatários, exaltando o valor da agropecuária para a Pátria; o acompanhamento do baixo é o mugido do gado e o sussurro do vento nas árvores – todas essas vozes harmoniosamente combinadas são como um resumo do romance inteiro.

Daí em diante, o declínio é rápido. A cena na Catedral de Ruão, entre Emma e Léon, é a peripécia para a catástrofe. Enfim, Emma no leito de morte, entre as rotineiras frases untuosas do padre e as imbecilidades do livre-pensador Homais – é a paródia da catástrofe de uma tragédia grega.

Seria possível aprofundar a análise durante páginas e páginas, lembrando inúmeras relações escondidas e significações mais ofensivas. Madame Bovary é uma obra de arte quase sem par. E poderia ser um incomparável manual da arte de escrever romances. Mas não o tem sido. O modelo é fácil demais. Qualquer um não tem o temperamento de poder enclausurar-se, como um monge no deserto, para elaborar uma obra dessas.

Comentários: Dois pré-requisitos são necessários para iniciar a leitura da obra de Gustave Flaubert: paciência e envolvimento. A linguagem extremamente trabalhada e descritiva pode sufocar os mais afoitos, já que os fatos acontecem lentamente, sendo interrompidos por bucólicas descrições da paisagem, do tempo, do vestido de Emma, suas rendas, seus caprichos e seu marido apaixonado e tedioso. Afinal, é um romance comprometido com a realidade e há momentos em que é até possível sentir o cheiro do ambiente descrito. Os detalhes possibilitariam a mesma elaboração de uma cena a muitos leitores.

Emma é uma mulher que nunca sabe o que quer. Que quer tudo e que não valoriza quase nada do que tem. Uma problemática bem elaborada pelo autor, Gustave Flaubert, que demorou cinco anos para concluir a obra e que foi acusado de ofensa à moral e à religião por abordar o adultério, o desejo e os caprichos femininos dentro da rotina do casamento entre uma bela donzela e um médico emergente.

Em diversos momentos o autor afirma e reafirma em sua narrativa o quão entediante é Charles, marido de Emma. Mas em uma leitura mais crítica, é intensa a força que Flaubert coloca no texto para perpetuar visão que Emma tem de Charles. Na realidade é ela que, com sua volatilidade, está sempre enfastiada de tudo e todos a sua volta. A rotina a corrói. O dia-a-dia não lhe pertence. Seus desejos enxergam a realidade como algo ínfimo e inferior demais para ser vivido. Ela sonha com príncipes, riquezas e bailes.

Os amantes trazem-lhe a vida e o brilho de volta, brilho que ela parece nunca ter tido, já que, quando solteira, passava a própria existência de forma modesta no campo com seu pai viúvo. A troca de amores de Emma poderia também ser comparada ao que acontece hoje com algumas jovens mulheres que mudam de paixões ao sabor da vontade.

O tédio de Emma vai além da falta de graça e vida de seu marido, porque quase nada a satisfaz por muito tempo. Vaidosa, cheia de vontades, uma verdadeira mulher de fases, que ora alterna o ímpeto da paixão pela vida e pelos amantes, ora entra em um estado de letargia desconsolado com a existência. Nem o nascimento de sua filha faz com que o amor pleno tome conta de Madame Bovary, que procura incessantemente as paixões nas páginas dos romances os quais chegou a ser proibida de ler por causa dos conselhos da sogra, que pouco a estimava.

As traições de Emma parecem ser percebidas por todos da pequena comunidade. Diferente das mulheres prendadas e dedicadas ao marido, ela é uma verdadeira consumista que afunda Charles em dívidas homéricas e irreversíveis. Dinheiro, luxo, sexo, chantagem. Emma buscava amantes que pudessem levá-la aonde ela quisesse, já que sozinha ela não poderia ir. Ela queria ser quem não era fenômeno hoje designado pela psiquiatria como Bovarismo.

A obra também continua muito lida. É uma pena, certamente que muitos leitores não dediquem a necessária atenção à leitura. A história de Emma Bovary interessa e interessará sempre como o mais perfeito, o mais inexorável “romance de adultério”, com atenção especial àquelas poucas páginas que o Tribunal de Sena, em 1857, achou censuráveis. Como estão distantes do verdadeiro sentido da obra! Mas a popularidade da obra também tem provocado oposição. Já houve quem achasse “inútil” o desperdício de tanta estilística para uma história tão vulgar (sic). E que temos nós, hoje, com acontecimentos quase rotineiros numa aldeia francesa em 1840?

Os ambientes sociais, políticos, culturais daquela época já desapareceram; a esse respeito, a obra de Flaubert tem o valor de grande, exaustivo e exato romance histórico. Mas as conseqüências continuam e com elas os tipos humanos criados por aqueles ambientes. Os homens e as mulheres ainda são assim; e assim continuarão por muito tempo.

Sobre o autor: Gustave Flaubert (Ruão, França, 12 de dezembro de 1821 – Croisset, França, 8 de maio de 1880) foi um escritor francês. Prosador importante, Flaubert marcou a literatura francesa pela profundidade de suas análises psicológicas, seu senso de realidade, sua lucidez sobre o comportamento social, e pela força de seu estilo em grandes romances, tais como “Madame Bovary” (1857), “L'Éducation sentimentale” (1869), “Salammbô” (1862) e contos, tal como “Trois contes” (1877).

Madame Bovary é considerado o ápice da narrativa longa do século XIX - o chamado século de ouro do romance. Flaubert, o esteta, aquele que buscava o mot juste (a palavra exata) e burilava os seus textos por anos a fio, imbuiu-se da consciência e da sensibilidade da sua personagem. Alcançou com a irretocável prosa de Madame Bovary, um dos mais altos graus de penetração e análise psicológica da literatura universal.

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