sexta-feira, 6 de março de 2009

O CASTELO

Título original: Das Schloss
Autor: Franz Kafka (1883-1924)
Tradução: Modesto Carone
Editora: Companhia das Letras
Assunto: Romance (Literatura estrangeira)
Edição: 1ª
Ano: 2000
Páginas: 488

O Castelo foi escrito em 1922. Publicado (post-morten) em sua primeira edição em 1926 pela editora Kurt Wolff de Munique. A tradução de Modesto Carone dá-se a partir de edição crítica de Malcolm Pasley de 1982.
O cenário em que se passa a estória é a aldeia de Wossek, de onde a família de Kafka era originária. O Castelo é a “casa grande” senhorial da aldeia.

Sinopse: O agrimensor K. chega a uma aldeia coberta de neve e procura abrigo no Albergue da Ponte. O ambiente sombrio e a recepção ambígua dão o tom do que será o romance. No dia seguinte o herói vê, no pico da colina gelada, o castelo: como um aviso sinistro, bandos de gralhas circulam em torno da torre. K, por mais que tente, não consegue entrar no castelo, ficando na aldeia de fora do castelo ao longo da narração. A partir daí todo um mistério se desenvolve em torno do Castelo, dos habitantes da aldeia e até mesmo sobre a verdadeira identidade e objetivos de K.
As personagens principais são K., o agrimensor protagonista; os duplos Jeremias e Artur ajudantes de K.; Frieda, uma balconista do bar da Hospedaria dos Senhores; Olga, de uma família decadente socialmente; Barnabás, irmão de Olga, sapateiro e correspondente do castelo com a aldeia; Amália, irmã de Olga e heroina da estória; Klamm, alto funcionário do castelo; Pepi, uma empregada da Hospedaria dos Senhores; Gardena, dona do Albergue da Ponte e mãe de criação de Frieda; Sortini, funcionário do castelo; entre outros.

Interpretação da obra:
As interpretações do livro são muitas, desde simplesmente uma crítica à burocracia estatal (interpretação weberiana) até uma visão religiosa, mais especificamente judaica. Há também uma visão psicológica dizendo que o castelo seria o incosciente de K. e a aldeia sua consciência. Como a obra kafkiana é muito aberta, muito simbólica e muito alegórica, permite inúmeras interpretações possíveis, característica de todas as grandes obras.
Para uma interpretação mais precisa da obra, é preciso encontrar respostas para as seguintes perguntas: Quem é K.? Por que K. quer falar com o Castelo? Por que K. não reconhece os seus ajudantes? Por que K. quer se livrar de seus ajudantes? O que o Castelo representa?
O que se sabe sobre K. é muito vago: sabe-se que foi contratado como agrimensor, que tem uma mulher, um filho; não se sabe de onde ele apareceu. Não há nenhuma descrição corpórea dele. Ele não tem verdadeiramente um corpo. Ele é uma pessoa incerta, obscura e suspeita. Tudo nele é dúbio. Só se sabe que ele quer, obstinadamente, falar com o Castelo; ele quer alguma coisa do Castelo. Essa coisa é a chave da interpretação da obra.
K. quer falar com o Castelo porque ele quer uma identidade, deseja legitimar a sua situação e assim obter o reconhecimento de que ele é alguma coisa, pois ele não existe de fato; não tem consistência humana. Essa identidade, reconhecimento e legitimação precisa vir de cima para que seja aceito na aldeia.
K. não reconhece seus ajudantes Artur e Jeremias porque na realidade os ajudantes são duplos de K.; são ele mesmo; são o pedaço da sua realidade que ele não aceita e com a qual não quer se confrontar. A chegada dos duplos significa a recuperação da unidade da pessoa de K. mas ele não percebe isso.
K. quer se livrar de seus ajudantes porque não consegue compreender que eles representam a totalidade da condição humana e com isso não percebe eles são ele próprio.
Aquilo que se chama Castelo representa uma instância superior (o conde), mas também encerra coisas demoníacas (os subalternos). A parte de cima do castelo representada pelo conde, simboliza Deus; a parte baixa do castelo representada pelos subalternos é diabólica e simboliza a natureza abissal. Trata-se, portanto, da relação entre o firmamento de luzes e o abismo de trevas.

Conclusão:
A natureza humana é colocada numa tensão entre o Céu (Firmamento de Luzes) e a Terra (Abismo de Trevas). Os duplos: Jeremias representa o Céu e Artur representa a Terra e K. para recuperar a sua unidade teria de compreender que sua própria natureza é um eterno conflito entre o firmamento de luzes e o abismo de trevas.
K. não foi reconhecido de fato pelo Castelo, porque primeiro ele teria que reconhecer a si próprio, coisa que ele não foi capaz por não enxergar em seus ajudantes Jeremias e Artur, pedaços de sua própria unidade.
Os demônios subalternos do castelo (anjos caídos) aplicam todos os meios para que o homem não compreenda a sua realidade e natureza e assim impedem o encontro do homem com a Unidade. A única personagem que não entra no jogo demoníaco é Amália, a verdadeira heroína da estória.
K. faz o jogo demoníaco do mundo material: exige ser reconhecido sem se reconhecer primeiro, pensando que pode derrotar o sistema divino utilizando subterfúgios humanos. Acontece que ele só fala com o sistema de baixo, o sistema demoníaco que não passa de um jogo da mentira do castelo com a mentira da aldeia.

Sobre o autor: FRANZ KAFKA Nasceu em Praga, na Boêmia (hoje República Tcheca), em 1883. Fez seus estudos na cidade natal, formando-se em direito em 1906. Tuberculoso, alternou temporadas em sanatórios com o trabalho burocrático. Jamais deixou de escrever, embora tenha publicado pouco e, já no fim da vida, pedido inutilmente ao amigo Max Brod que queimasse seus escritos. A maior parte de sua obra, toda escrita em alemão, foi publicada após sua morte, que ocorreu em 1924, num sanatório perto de Viena. Kafka morreu de fome e sede, devido a tuberculose alojada na garganta que o impedia de comer e beber considerando que a medicina da época não dispunha de recursos de hoje. Quase desconhecido em vida, é considerado hoje um dos maiores escritores deste século.

Um comentário:

Vinícius Cortez disse...

Muito bom o seu texto, Anatoli. Adoro as obras dúbias, porque elas refletem o mundo como ele é: repleto de uma incerteza desesperadora.

Agora, sobre a sua interpretação, duas passagens no Livro me fazem pensar que o Castelo difere de uma figura divina: primeiro, ainda no começo da narrativa, K observa que o castelo aceitava o desafio "com um sorriso"; já quase no final, em diálogo com a senhoria, retruca-lhe que ela estava também mentindo -- em outras palavras, admite não ser realmente agrimensor. Ele estava mentindo, Artur e Jeremias são parte da mentira.

Portanto, parece que o castelo, aparentemente sereno em sua impenetrabilidade, é também parte da tragédia do absurdo, nem mesmo ele pode dar sentido à vida de K. Não se identifica com o Deus, mas tortura o homem. Os próprios funcionários dão mostra de uma desorganização interna ao admitirem a entrada de K na vila, e mais ainda a levarem a sério o seu caso, e ainda outra vez por temerem admitir um erro burocrático e não poderem saná-lo.


Longuíssimo post, desculpe! Pode me responder em meu blog, estarei mais do que feliz em discutir essa obra-prima!

http://o-quasar.blogspot.com/