sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

CÓDIGO DOS CÓDIGOS: A Biblia e a Literatura

Título original: The Great Code: The Bible in Literature
Autor: Northrop Frye (1912-1992)
Tradução: Flávio Aguiar
Editora: Boitempo Editorial
Assunto: Bíblia como literatura
Edição: 1ª
Ano: 2004
Páginas: 293

Sinopse: "Este livro não é um trabalho de erudição bíblica, muito menos de teologia. Ele apenas dá expressão a meu encontro pessoal com a Bíblia, e está muito longe de qualquer consenso erudito. (...). Com estas palavras, Northrop Frye define sua perspectiva de análise da obra mais comentada e traduzida da literatura universal. Não se trata, diz ainda, de um trabalho de erudição bíblica e muito menos de teologia, mas do "encontro pessoal com a Bíblia". Na abordagem sobre uma obra que é mais do que um livro - é uma biblioteca -, também está à busca de um princípio unificador dentro de sua diversidade temática, autoral e temporal, produzida por dezenas de escritores através de um milênio de elaboração. E, podemos acrescentar, a universalidade de uma obra que tem sido fonte de inspiração de inúmeras correntes religiosas e literárias.
Continua Frye: "Devo dizer que ao escrever este livro sentí-me muitas vezes como o Satã de Milton ao atravessar o caos, quando a cada passo se vê cercado pelas paisagens intermináveis de territórios desconhecidos".

Northrop Frye, canadense, falecido em 23/01/1991, aos 79 anos, tinha todas as qualificações como crítico literário para enfrentar a tarefa. Durante sua permanente cadeira na Universidade de Toronto, produziu vários livros, todos traduzidos para o português, entre os quais o reconhecido Anatomia da crítica. Sua análise vai além da proposta literária e contempla uma busca da unidade da Bíblia, inclusive entre o Velho e o Novo testamentos, este como cumprimento daquele; e ainda destaca o que chama de qualidades revolucionárias da tradição bíblica e sua relevância para a literatura secular. Nessa trajetória, comenta numerosos personagens e eventos bíblicos; e ainda passa por filósofos, escritores e poetas, cientistas e alguns pais da Igreja (Tomás de Aquino, Santo Agostinho). São apenas algumas referências, cuja relação completa figura no detalhado índice remissivo e em notas de pé de página, do autor e do tradutor.

A estrutura da obra de Frye não é nada simples. Ele mesmo diz que "a Bíblia está por demais enraizada em todos os recursos da linguagem para que lhe seja adequada qualquer abordagem simplista". Neste sentido é uma obra mais para especialistas. O autor sugere três fases na análise literária da Bíblia. A primeira é a metafórica e poética, predominantemente mítica, na qual a pluralidade de deuses se torna unificadora do pensamento e da imaginação, pluralidade e unidade que, no caso, têm "o sentido de uma energia comum a sujeito e objeto" e expressa identidade entre homem e natureza. Se esta primeira fase se caracteriza pela relação comparativa e subjetiva determinada pela metáfora, a segunda é metonímica, dialética, cujas palavras expressam exteriormente uma realidade interior. Se no caso da metáfora "isto é aquilo", na metonímia "isto está no lugar daquilo". Uma terceira fase é mais humanista, e sua linguagem ordinária torna-se mais clara, mais horizontal, deslocando-se da alma para a mente, não mais sujeitas à dicotomia que supõe uma "para cima" e outra "para baixo".

Esta brevíssima e limitada tentativa de resumir a complexidade teórica de Frye certamente não dá conta de todo o significado e originalidade de sua aproximação literária do texto bíblico, que melhor se esclarece nos oito capítulos que compõem as duas partes do seu livro. A primeira, "A ordem das palavras", trata da Linguagem, do Mito, da Metáfora e da Tipologia, títulos que se repetem na segunda parte, "A ordem dos tipos", porém, curiosamente, de modo inverso. O primeiro capítulo, insiste o autor, não trata propriamente da linguagem da Bíblia, mas da linguagem que as pessoas usam ao falar sobre ela. Nos dois capítulos que seguem, sobre mito e metáfora, pretende responder a questões como: qual o sentido literal da Bíblia? Considerando o mito como o veículo lingüístico do kerigma (proclamação), afirma que a desmistificação de qualquer parte da Bíblia corresponde a eliminá-la. O último capítulo refere-se ao modo pelo qual o cristianismo sempre leu a sua Bíblia - expresso no que denomina de "fases da revelação", classificadas em sete categorias: criação, revolução, lei, sabedoria, profecia, evangelho, apocalipse.

Frye enfatiza a preocupação do Antigo Testamento com a sociedade de Israel, enquanto o Novo destaca o Jesus individual - e aí renova sua própria identificação com a Bíblia, destacando o lugar da história e do tempo humanos que transcorre em ambos os testamentos. Neste ponto também aponta o papel relevante da mulher, ausente em muitas outras culturas e obras, tomando a companheira Eva, que muda o destino da criação; e Madalena, a prostituta, preferida do Messias, que modela o próprio destino.

Mas a Bíblia, assinala, é mais do que uma obra literária, "seja lá o que este mais signifique". Os eventos humanos conduzem a algum lugar e apontam para algo - e isto é, certamente, um legado da tradição bíblica, que "sublinha a existência de um começo e de um fim absolutos para o tempo e o espaço".

Como tantas outras aproximações da Bíblia - teológica, histórica, arqueológica, revelatória e até literalista -, que parecem proliferar mais do que em outras épocas, o Código dos códigos não pretende esgotar, mesmo do ponto de vista literário, a natureza inexaurível do texto bíblico. Limitação que o autor parece reconhecer e que talvez se esconda na "reserva de sentido" de que falam os hermeneutas.

5 comentários:

Jean disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Jean disse...

Caro Anatoli, digo que sou um estudante póstumo do Professor Monir, do qual tenho imensa gratidão, foi o homem que me mostrou a verdade e deu um novo sentido a minha vida, vejo tudo deste meu professor, e consequentemente cheguei até você, aluno dele.

Gosto muito deste blog, na falta das opiniões do Professor sobre muitos livros que foram trabalhados no Expedições pelo mundo da Cultura, encontro nos seus post, o que eu acho que o professor queria que nos víssemos nos clássicos lidos - parabéns.

Tenho uma dúvida, estava pensando em comprar este livro, O código dos códigos, porém com o seu comentário sobre a estrutura do livro, sou obrigado a perguntar se existe um livro mais simples com a mesma temática (análise da Bíblia), ou posso comprar esse mesmo?

ps: Não é justo tu me responderes se posso comprar ou não o livro sem ao menos saber o meu nível intelectual - então vou mudar a pergunta, este livro é só para especialistas?

Fica com Deus!

Anatoli. disse...

Caro JEAN:
Respondendo a sua pergunta, repito o que Northrop Frye escreveu: "Quanto a estrutura, é um livro para especialistas".
Acredito que você está mais interessado em compreender o sentido da obra. Então, sugiro que compre o livro. É claro que você irá se deparar com alguma dificuldade - só gênios não tem essa dificuldade - mas nada que não possa ser superado com o apoio de livros complementares que ajudem a esclarecer os aspectos da obra que você não domina. O cabedal de conhecimento que este método lhe proporcionará será algo indescritível, e assim valerá a pena.
Eu não conheço nenhum obra que possa substituir "O Código dos Códigos". É possível até que exista, mas eu não conheço.
Um grande abraço,
Anatoli.

Dri disse...

Olá! Existe esse livro em e-book?

Anatoli. disse...

Dri Infelizmente não existe.