segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Vol IX- A IGREJA DAS REVOLUÇÕES ( II )

Título original: L´Église des Revolutions
Autor: Daniel-Rops (Henri Jules Charles Petiot – 1901-1965)
Tradução: Henrique Ruas
Editora: Quadrante
Assunto: Religião-Cristianismo
Edição: 1ª
Ano: 2006
Páginas: 768

Sinopse: De 1870 ao começo da Segunda Guerra Mundial, um panorama essencial para compreender a nossa época. Quatro Papas de grandeza excepcional moldam ao destinos da Igreja atual: São Pio X combate o modernismo e aproxima a Eucaristia do povo cristão, Leão XIII e Bento XV preparam o nascimento da doutrina social da Igreja e das democracias-cristãs, e Pio XI trava uma luta ingente contra os totalitarismos nazista e comunista.

“Deus está morto”, proclamava o profeta do ateísmo Friedrich Nietzsche; mas, no mesmo ano em que morria, 1900, o papa Leão XIII apresentava numa encíclica o sacrifício redentor de Cristo como o alfa e o ômega do homem e do seu destino.

Essa dupla atitude, esse desafio, modela o período estudado no presente volume da História da Igreja, que vai de 1870 até o começo da segunda Guerra Mundial, em 1939. E bem podemos dizer que representa ainda hoje a principal explicação para as turbulências do nosso tempo.

O autor traça-nos o panorama de todo um mundo que muda de alicerces sob o impacto de forças que parecem ameaçar a Igreja numa escala nunca dantes vista: é o laicismo de cunho liberal, que vem abertamente “lutar contra a moral cristã, expulsar das consciências os velhos dogmas”; é o ateísmo, que se alimenta do positivismo e do materialismo nas suas diversas vertentes – freudismo, darwinismo, marxismo... –; é a “religião da ciência”, que lança o mito do eterno progresso. Enfim, é todo um conjunto de ideologias que se erguem para proclamar que homo homini deus – em lugar do velho Deus assassinado, agora o homem é deus para si mesmo. Mas esse novo deus não tardará a revelar a sua verdadeira face nos totalitarismos triunfantes.

Em oposição a essa cultura descristianizada e às vezes francamente anticristã, erguem-se quatro Papas de envergadura excepcional: Leão XIII, São Pio X, Bento XV e Pio XI. No “combate por Deus” que têm de travar, a velha barca de Pedro, aparentemente sempre à beira do naufrágio, não somente sobreviverá, mas sairá fortalecida.

Quando Leão XIII é eleito Papa, em 1878, “parecia um nobre vencido. Dir-se-ia estar tudo perdido, exceto a honra da bandeira da Cruz”. Mas o sábio e hábil pontífice “diplomata” resolve as querelas políticas, encaminha as bases dos futuros partidos democratas-cristãos e traça de maneira decisiva os rumos da doutrina social da Igreja.

Graças a ele, São Pio X, o “papa-pároco de aldeia”, pôde centrar-se no seu programa de “tudo restaurar em Cristo”. Foi sobre ele que recaiu a difícil e dolorosa tarefa de pôr termo à crise do modernismo, “encruzilhada de todas as heresias”, que deixaria rastro em muitas mentes até o dia de hoje. Mas o seu coração estava em reconduzir as almas à prática dos sacramentos e em promover a renovação espiritual da Igreja pelo incentivo à devoção eucarística e ao Sagrado Coração, ou pelo esforço de formar um clero zeloso e recristianizar os arrabaldes operários.

O breve pontificado de Bento XV foi obscurecido pela terrível tarefa de conduzir a Igreja através do drama da primeira Guerra Mundial. Mas a sua grande tarefa foi na verdade preparar a paz, e talvez tivesse sido possível evitar a repetição da catástrofe se as potências vencedoras tivessem dado mais ouvidos à sua voz ao elaborarem os tratados de Versalhes.

Pio XI, o papa dos “grandes acordos” – foi no seu pontificado que enfim se resolveu a questão da Conciliazione com a Itália, da qual nasceu o Estado do Vaticano –, foi também o papa dos “grandes combates”. Defensor fidei e defensor hominis – “defensor da fé” e “do ser humano” –, presenciou os atropelos do fascismo italiano, os desvarios do nazismo e a terrível perseguição aos cristãos lançada pelo marxismo no México, na Espanha e na URSS, e condenou com enorme fortaleza esses três ídolos monstruosos num momento em que pareciam estar a ponto de devorar o mundo.

Completam esta obra os grandes panoramas com que o autor retrata a expansão de uma Igreja que se faz “à dimensão do mundo”: é o apostolado “do igual com o igual” por meio das JOCs e da AC; são os Estados Unidos, onde a Igreja “sobe em flecha”; são as terras por batizar, onde avultam grandes figuras de missionários e mártires, como o pe. Damião de Veuster ou Charles de Foucauld, “irmão universal”; ou ainda a arte e o pensamento contemporâneos, que se renovam sob o influxo dos pensadores e artistas católicos.

A obra termina com o retrato de Santa Teresa do Menino Jesus, padroeira dos missionários e desbravadora do “pequeno caminho de infância”, hoje tão conhecido. Nessa santa, que de certa forma condensa a intensa fermentação que podemos ver neste volume, encontra-se a resposta da Igreja ao desafio de Nietzsche: Deus vive, e continua bem vivo nesta Igreja de santidade.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

HOMENAGEM A SANTO AGOSTINHO

Neste dia 28 de agosto homenageamos os 1579 anos da morte de SANTO AGOSTINHO, doutor da Igreja Católica Apóstólica Romana, com a cronologia de sua vida.




SANTO AGOSTINHO (354-430)
― Cronologia―

44
Júlio César reconstrói, em lugar diferente, a cidade de Cartago, destruída em 146 a.C., criando uma província romana da África, a Numídia.
253
Plotino (204-270) começa a escrever as “Enéadas”, obra central do neoplatonismo.
312
Os bispos da Numídia recusam-se a aceitar a consagração de Ceciliano como bispo de Cartago e impõem o bispo Donato, iniciando o cisma donatista que girava em torno da seguinte questão: “A Igreja é compatível com a torpeza de seus membros?”, dúvida gerada pela existência, no seio da Igreja, de traditiori, aqueles que haviam abandonado o Cristianismo durante as perseguições de Diocleciano entre 303 e 305.
313
― Constantino promulga o Édito de Milão, tornando o cristianismo religião oficial do Império Romano Ocidental.
323 ― Introduzida na África a doutrina maniqueísta, de autoria do persa Mani (215-276), também conhecido como Maniqueu ou Manes.
325
― O concílio de Nicéia condena a doutrina ariana (do presbítero Arius, morto em 336) que nega a consubstancialidade de Jesus Cristo. O principal opositor à heresia é Santo Atanásio de Alexandria, doutor da Igreja.
350
― Ulfila traduz a Bíblia para o gótico.
354
― Aurelius Augustinus nasce no dia 13 de novembro em Tagaste (hoje Souk-Ahrás na Argélia) na então província pró-consular do antigo reino da Numídia. Seu pai, cidadão romano de nome Patricíus e de natureza violenta, tem doze hectares de terra e é pagão. Sua mãe, Mônica (mais tarde Santa Mônica), é cristã e berbere, No final da vida, Patricius seria convertido pela mulher. Agostinho teve um irmão, Navigius, e uma irmã, Perpétua, futura superiora do monastério de Hipona. A família fala o cartaginês e tem cultura latina. Agostinho não aprecia a escola e os estudos, embora seu pai sonhe em torná-lo doutor em leis. Mônica garante-lhe uma educação cristã, mas o menino não é batizado, conforme costume da época de adiar o sacramento.
355
― Invasão da Gália pelos francos, alamanos e saxões. Os hunos surgem na Rússia.
365
― Agostinho estuda em Madaura.
369
― Vive em Tagaste.
370
― Agostinho estuda, a contragosto, em Madaura, onde aparentemente lhe ensinam o trivium. No final deste ano, Agostinho vai a Cartago para estudar às expensas da família, mas antes disso vive um ano mundana e desregradamente. Os hunos atingem Don e vencem os ostrogodos.
371
― Morre o seu pai e Agostinho torna-se protegido de Romanianus, amigo de seu pai. O rapaz, que vai estudar retórica, é conquistado pela atmosfera sensual de Cartago. Junta-se a uma concubina, nunca indicada pelo nome, com quem manteria relação de quinze anos e da qual nasceria seu único filho, Adeodato.
372
― Nasce seu o filho natural, Adeodato.
373
― Lê o elogio à filosofia “Hortensius” de Cícero, obra hoje perdida, e converte-se à filosofia. Lê más versões da Bíblia, despreza as Escrituras, e aproxima-se dos maniqueístas, para desespero de sua mãe. Agostinho, que defende o maniqueísmo ardentemente, atrai para a seita seu amigo Alípio e seu benfeitor, Romanianus.
375
― Formado, retorna a Tagaste para ensinar gramática. Sua mãe nega-lhe acesso à casa.
376
― De volta a Cartago, ganha um prêmio literário (corona agonistica) que recebe das mãos de Vindicianus, pró-consul romano na cidade, que o adverte contra a astrologia, ciência pela qual Agostinho andava obcecado.
380
― Agostinho escreve sua primeira obra, “De Pulchro ET Apto” (“Belo e Conveniente”), um tratado de estética, hoje perdido.
― Antes de partir para Roma, conhece Faustus de Mileve, o bispo maniqueísta que havia vindo visitar Cartago e convence-se de que aquela doutrina é pura retórica. O próprio Faustus admite não poder explicar os pontos levantados por Agostinho. Na capital do império, freqüenta líderes maniqueístas, mas começa a se distanciar da seitam que abandonaria completamente em dois anos. Fica muito doente a ponto de quase morrer. Restabelecido, abre escola de retórica em Roma.
― Teodósio e Graciano contêm os godos no Epiro e na Dalmácia. O Edito de Teodósio torna o cristianismo religião oficial no Império Romano do Oriente.
383
― O padre Jerônimo (c. 343-420), mais tarde São Jerônimo, recebe encomenda do papa Dâmaso para rever o Novo Testamento, estabelecendo o texto da Vulgata por volta do ano 400.
384
― Desgostoso com a desonestidade intelectual e financeira dos alunos (“os alunos conspiram e passam em grande número de um professor para outro, a fim de não pagarem os mestres, faltando deste modo os compromissos e menosprezando a justiça por amor ao dinheiro”), muda-se para Milão para ocupar vaga de professor de retórica, onde freqüenta poetas e filósofos platônicos. (O neoplatonismo faria a ponte entre o maniqueísmo e o cristianismo).
― Mônica muda-se para Milão também. Agostinho torna-se seguidor do bispo de Milão, Ambrósio (mais tarde Santo Ambrósio e doutor da Igreja). Rompe com sua concubina que se retira para um convento, mas arranja outra, enquanto espera um casamento combinado por Mônica com uma família da sociedade.
― São Jerônimo começa a tradução da Bíblia para o latim, tradicionalmente conhecida como Vulgata.
386
― Converte-se ao Cristianismo em agosto quando, aos 31 anos, angustiado sob uma figueira, ouve uma voz infantil que lhe diz: “Tolle, lege, tolle, lege”, o que o faz ler a Epístola aos Romanos, primeira passagem que encontra . Com ele, converte-se também seu amigo Alípio. A linha que Agostinho segue é a de Paulo de Tarso (paulinismo).
― Teodósio repele os godos no Danúbio.
387
― No dia 23 de maio, Agostinho já em Milão, escreve o “Tratado da Imortalidade da Alma”.
― Na noite do dia 24 de abril, Agostinho, Alípio e Adeodato são batizados por Ambrósio (340-397).
― Em agosto decide voltar a Tagaste com sua mãe, Adeodato e seus amigos. Mônica, com 56 anos, adoece e morre no porto de Óstia, antes de embarcar. Agostinho volta a Roma.
388
― Volta à África no verão, após cinco anos de ausência, liquida os bens da herança, dá o dinheiro aos pobres, e cria uma comunidade perto de Tagaste, onde vive com os amigos e discípulos. Neste período, redige “Costumes da Igreja Católica”, “Costume dos Maniqueístas” e “De Vera Religione” e conclui “Da Grandeza de Alma”, que havia começado a escrever em Roma.
― Morre aos 17 anos seu filho Adeodato.
389
― Termina “De Magistro”, em que o interlocutor de Agostinho teria sido seu filho Adeodato, revelando excepcional maturidade para dezessete anos de idade.
390
― Conflito entre Santo Ambrósio e Teodósio.
391
― Transforma sua casa em mosteiro, chamando-o “jardim” à moda do jardim de Epicuro. Apesar de preferir viver recluso, numa estada em Hipona (Hippo Regius ou Bona) é aclamado pelo povo e Valério, bispo de Hipona, o ordena. Muda-se para Hipona.
392
― Polemiza com o maniqueista Fortunato.
― O direito de asilo é reconhecido nas igrejas. São Jerônimo escreve De Viris Illustribus.
394
― Os jogos Olímpicos são suprimidos.
395
― Agostinho polemiza com Jerônimo (mais tarde São Jerônimo), autor da Vulgata, sobre controvérsias teológicas da tradução “Septuaginta” (tradução do “Torá” para o grego, realizada por setenta e dois rabinos durante setenta e dois dias).
― Termina a obra “Do Livre Arbítrio”.
― Suplício Severo escreve "A Vida de São Martinho".
― Os hunos invadem a Ásia e chegam até Antioquia.
396
― Torna-se bispo de Hopina, sucedendo Valério. Ocuparia este cargo por 35 anos, até quase a morte.
― Os godos invadem a Grécia.
― Fim dos Mistérios de Elêusis.
399
― São fechados os templos pagãos.
― Agostinho escreve “A Catequese dos Principiantes” e “De Trinitate”.
400
― Termina “As Confissões” (“Confessionum libri tredecim”). [Treze livros das confissões].
― Os hunos atingem o Elba.
404
― Debate com Félix, um dos doutores maniqueístas, que se declara derrotado e abraça o Cristianismo.
407
― Invasão da Gália pelos vândalos e suevos.
408
― Os saxões entram na Bretanha.
409
― Pelágio[1] (360-420) visita Cartago. Agostinho polemiza com ele.
― Os vândalos e os suevos invadem a Espanha.
410
― O visigodo Alarico saqueia Roma.
413
― Agostinho começa a redigir “A Cidade de Deus”, a primeira obra de filosofia da história, descrevendo-a como o resultado da luta constante entre Civita Dei e a Civita terrena, e “As Retratações”, que terminará em 426.
417
― Paulus Orosius, discípulo de Agostinho, publica a História Universalis.
422
― Faz campanha pública contra o cisma donatista, debatendo em público com o bispo Antonino.
426
― Obtém permissão para estudar cinco dias por semana e nomeia Heráclito seu auxiliar e sucessor.
429
― Os vândalos penetram na África.
430
― Adoentado, Agostinho morre com setenta e cinco anos no dia 28 de agosto, quando do cerco das tropas de vândalos à cidade de Hipona. Seu corpo mais tarde, seria transferido para a catedral San Pietro de Cielo D´oro em Pavia, perto de Milão.
524
Boécio (c. 480-524) escreve “A Consolação da Filosofia”.
1298
― Santo Agostinho é proclamado “doutor da Igreja”.

[1] Pelágio afirmava que “não havia pecado original”, o que era considerado uma heresia pela Igreja Católica.

Nota: Cronologia elaborada por José Monir Nasser.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Vol VIII- A IGREJA DAS REVOLUÇÕES ( I )

Título original: L´Église des Révolutions ( I )
Autor: Daniel-Rops (Henri Jules Charles Petiot – 1901-1965)
Tradução: Henrique Ruas
Editora: Quadrante
Assunto: Religião-Cristianismo
Edição: 1ª
Ano: 2003
Páginas: 848

Sinopse: Com a Revolução francesa, abre-se um período de novas perseguições e ataques. Mas esse século é ao mesmo tempo um período de conquista: são inúmeras as associações religiosas que surgem, renovando as obras de caridade e o espírito missionário; restaura.

No dizer de um poeta, a modernidade entrou na História por um cortejo triunfal através do pórtico da Revolução francesa – mas no alto desse pórtico estava a guilhotina. O símbolo representa bem o novo período da História de que trata este volume, a “Era das Grandes Revoluções”. É o momento em que a revolta da inteligência, preparada e planejada no “século das luzes”, chega ao plano das realidades políticas e sociais, manifestando-se numa convulsão sem precedentes.

A Revolução Francesa inaugurou as perseguições propriamente “modernas” contra a Igreja, revivendo cenas dos primeiros séculos e antecipando as terríveis repressões anticristãs do século XX; mas, sobretudo deu origem ao laicismo, a tentativa de uma sociedade inteira de prescindir por completo de Deus, de organizar-se e viver como se o “Senhor da História” não existisse.

Mesmo a aparente tolerância do período napoleônico não passou disso, de aparência, pois o imperador quis assenhorear-se da Igreja e servir-se dela como meio de governo. E a posterior divisão da Europa em dois campos, o dos “tradicionalistas”e o dos “liberais”, com as revoluções européias de 1830 e de 1848 e as turbulências que acompanharam a unificação italiana e a alemã, apanhou os cristãos no redemoinho dos ódios políticos e ideológicos, ora perseguindo-os, ora dividindo-os entre si.

Ao longo do século, o laicismo avançou para o ateísmo no plano das idéias. Houve todo um pulular de sistemas que pretendiam explicar a realidade excluindo explícita ou implicitamente a Deus: o idealismo hegeliano, o evolucionismo darwinista desfigurado e transformado numa “religião do progresso”, o positivismo comteano... O socialismo, oscilando entre sentimentalismos mais ou menos bem intencionados e a férrea dialética marxista, preparou a tentativa mais desumana de todos os tempos para extirpar o cristianismo e impor aos homens os descentrados ideais surgidos na Revolução. E com Strauss e Renan ergueu-se um fogo de barragem sem precedentes para privar o Salvador da sua divindade e até da sua realidade histórica.

Paradoxalmente, esse mesmo “século da agonia de Deus” correspondeu a um desabrochar espiritual extraordinário. Se é verdade que o cristianismo sofreu o mais duro assalto de toda a sua longa História, é fato que conheceu também um período de extraordinária vitalidade, de plenitude. A renovação que germinava como fruto das provações do período revolucionário culminou num desenvolvimento de tal ordem que bem poucas épocas lhe podem ser comparadas. Igreja em que a fé se torna mais sólida, mais profunda, menos convencional e rotineira. Igreja cujo clero se transforma e se mostra digno de respeito e mesmo de admiração na sua quase totalidade. Igreja em que as Congregações religiosas continuam a proliferar de modo assombroso. Igreja em que se desenvolvem amplos movimentos de devoção, em que nascem uma nova apologética, uma preocupação social mais profunda, um novo espírito de conquista missionária, as grandes peregrinações. Igreja, ainda, e sobretudo, em que a santidade surge em figuras exemplares, Igreja do Cura d Ars e de São João Bosco...

Por fim, as aparições de Nossa Senhora em Lourdes e em La Salette representam como que um fecho de ouro e uma espécie de sanção sobrenatural a esse processo de purificação e renovação do cristianismo durante a Era das Revoluções – processo que na verdade ainda não se encerrou.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Vol VII- A IGREJA DOS TEMPOS CLÁSSICOS ( II )

Título original: L´Églises des temps Classiques (II)
Autor: Daniel-Rops (Henri Jules Charles Petiot – 1901-1965)
Tradução: Henrique Ruas
Editora: Quadrante
Assunto: Religião-Cristianismo
Edição: 1ª
Ano: 2001
Páginas: 416

Sinopse: No dizer de um poeta, a modernidade entrou na História por um cortejo triunfal através do pórtico da Revolução francesa – mas no alto desse pórtico estava a guilhotina. O símbolo representa bem o novo período da História de que trata este volume, a “Era do Terror".

Abrindo-se sobre o caso Galileu e, mais amplamente, sobre o grande fermentar do “século das luzes”, este volume da História da Igreja estuda os grandes abalos que atingiram a Igreja nos séculos XVII e XVIII.

É, em primeiro lugar, essa revolta da razão que, na França, foi promovida pelos panfletistas que chamaram a si o nome de “filósofos”: o “rei” Voltaire, Diderot com a sua Enciclopédia, Helvétius e tantos outros. Na Inglaterra, os “deístas”, que pretendem dissolver o cristianismo na religião natural; na Alemanha, o movimento da Aufklärung, que preparará o protestantismo liberal e a “morte de Deus” em quase todas as Igrejas da Reforma, ameaçando arrastar consigo parte da teologia católica.

Mas há também, menos popular, mas mais perigoso, o ataque dos “racionais” que, na esteira de Descartes, minarão as próprias bases da fé: Spinoza, o bem-intencionado Malebranche, Kant. E o pensamento imaturo e sentimental de Jean-Jacques Rousseau, que levará às desastrosas tentativas futuras de reforma radical da sociedade, da Revolução Francesa aos totalitarismos marxistas e maoístas. Interessante é notar como as duas linhas em conjunto acabariam por promover, no século XX, o desencanto completo com a razão e o surto da falsa religiosidade das seitas e dos esoterismos, centrada na emoção irracional.

No plano político, o fortalecimento e o endurecimento do bloco protestante, acompanhado do surgimento de uma nova potência protestante, os Estados Unidos, acaba redundando também no enfraquecimento do catolicismo. E os “déspotas esclarecidos” que não deixam de se manifestar igualmente nos países católicos, com Pombal e Aranda na Península Ibérica e José II na Áustria, renovarão as velhas tentativas por sujeitar a Igreja ao Estado nas suas diferentes nações e se porão de acordo para forçar o Papado a esse erro capital que foi a supressão da Companhia de Jesus.

No conjunto, o panorama é entristecedor. O esforço missionário no Oriente e na África recua e parece destinado ao fracasso; as Igrejas nacionais dão sinais de se terem fossilizado na sua simbiose com os poderes políticos; os Estados cristãos parecem ter optado decididamente pelo cinismo; e o próprio Papado não se mostra à altura desses desafios, embora tenha contado geralmente com papas irrepreensíveis quanto à conduta e à doutrina.

Mas por todas as partes se vêem germinar as sementes do futuro: na renovação dos estudos bíblicos e hagiográficos, na apologética, na renovação da piedade popular promovida pelos santos. Assim, quando as terríveis crises revolucionárias do século XIX atingirem a Igreja e ameaçarem fazer ruir esse velho edifício aparentemente tão cheio de rachaduras, só conseguirão arrancar-lhe a casca das alianças humanas, fazendo ressurgir, intacto e renovado, o seu núcleo divino e imperecível.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Vol VI - A IGREJA DOS TEMPOS CLÁSSICOS ( I )

Título original: L´Église des Temps Classiques ( I )
Autor: Daniel-Rops (Henri Jules Charles Petiot – 1901-1965)
Tradução: Henrique Ruas e Emérico da Gama
Editora: Quadrante
Assunto: Religiões-Cristianismo
Edição: 1ª
Ano: 2000
Páginas: 464

Sinopse: O "Grande século das almas" abre-se com o triste panorama da Guerra dos Trinta Anos. Mas graças a um São Vicente de Paulo, a um São Luís Maria Grignion de Montfort e outros santos e santas a fé cristã fermentará em profundidade o povo cristão.

O “grande século das almas” não é um século risonho. Abre-se com a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) e encerra-se com as guerras da Liga de Augsburgo. Assiste à predominância crescente dos interesses políticos e econômicos sobre os religiosos e ao recrudescimento da lamentável oposição entre protestantes e católicos e das perseguições num e noutro campo. E esses flagelos trazem consigo, como sempre, o seu cortejo de fomes e misérias.
Mas é nesse panorama, sob tantos aspectos desolador, que assistimos a um reflorescimento da santidade e à árdua implantação da Reforma tridentina.

Em primeiro lugar, é São Vicente de Paulo, esse “campônio” que se tornou confessor da rainha e preceptor de uma das principais famílias da França, para fazer-se pároco rural, fundador não de uma, mas de três instituições universais, e figura central do reino das flores-de-lis. Não há nenhum setor da sociedade, nem mesmo o dos condenados às galés, que tenha permanecido à margem da sua atuação e da dos seus filhos.

Mas são também muitas outras almas santas: Luísa de Marillac, co-fundadora com Vicente de Paulo das Damas e das Irmãs da Caridade; João Eudes, que encontrará a fórmula para os seminários dedicados à formação do clero; Francisco Régis, heróico evangelizador do povo simples; Luís Maria Grignion de Montfort, cantor das glórias de Maria Medianeira; Margarida Maria de Alacoque, que difunde a devoção ao Sagrado Coração de Jesus; João Batista de la Salle, que revoluciona o ensino... E não se podem esquecer grandes figuras como Jean-Jacques Olier, fundador dos sulpicianos; o cardeal Richelieu, controvertido, mas afinal um cristão; os grandes pregadores Bossuet, Fénelon ou Vieira; Blaise Pascal, genial matemático e autor dos Pensamentos; e tantos outros...

Faz-se neste tempo um trabalho de fundo como raramente se pôde ver. Um frêmito de preocupação pelos pobres, doentes e todos os desfavorecidos percorre a sociedade. Criam-se as Missões, para evangelizar as regiões rurais, e os Seminários, que por trezentos anos serão a chave para formar um clero piedoso e digno. Funda-se a Companhia do Santíssimo Sacramento, pioneira do apostolado dos leigos, mas adiantada demais para a época. Implanta-se a espiritualidade do Humanismo Devoto, que remonta a São Francisco de Sales, e a da Escola Francesa, cujo principal propagador é Pierre de Bérulle, que ensinarão o cristão comum a viver na presença de Deus da manhã à noite.

Mas este é também o tempo do absolutismo crescente, por assim dizer “encarnado” no “Rei-Sol” Luís XIV. “Lugar-tenente de Deus” na sua própria acepção e na dos seus contemporâneos, esse “Rei Cristianíssimo” não deixa de ser um homem, e sucumbe inúmeras vezes sob o peso do orgulho e do cinismo político. Imbuído da sua missão, mas de horizontes estreitos, revoga o Edito de Nantes e persegue os protestantes com uma brutalidade desaprovada pelos próprios bispos franceses, e que acabará por preparar o clima para a Revolução Francesa; corta as comunicações da Igreja de França com a Igreja universal, propiciando o surgimento e a expansão do galicanismo; provoca querelas com os Papas, que procura humilhar e submeter à sua vontade...

Não faltam também as heresias que ameaçam a unidade do Corpo de Cristo e semeiam a inquietude entre os cristãos. É o jansenismo, nascido como uma “conspiração” com algo de pueril, mas que ganhou corpo e contaminou muitos espíritos, deixando atrás de si um travo amargo a marcar a espiritualidade francesa. E o quietismo, aparentemente pouco mais que um alvoroço passageiro em torno da “semi-mística” Mme. Guyon e do bispo Fénelon, mas que talvez tenha deixado a sua marca em Jean-Jacques Rousseau, influenciando assim todo o “pensamento moderno” por nascer.

Sombras e luzes, como em todos os tempos. Mais inquietantes, talvez, porque mais próximas do nosso. Abrindo-se sobre uma plêiade de santos, o século XVII fecha-se na glória aparente de um Luís XIV, que no entanto esconde uma crescente pobreza interior. Preparam-se o iluminismo e o grande ataque da inteligência contra a Igreja, que marcará, em certa medida, toda a Era Moderna.