segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O LIVRO VERMELHO

Título original: The  Red Book: Liber Novus
Autor: C.G. Jung
Tradução: Edgar Orth
Editora: Vozes
Assunto: Psicologia
Edição: 1ª
Ano: 2013
Páginas: 516


Sinopse: A presente edição sem ilustrações contém o texto completo do original. É dirigida especificamente àqueles que gostariam de ocupar-se profundamente com a documentação literária da evolução interior de Jung. Estará sem dúvida de acordo com a intenção de Jung se esta edição ajudar os leitores a tornar sua leitura mais proveitosa para seu próprio desenvolvimento.

Comentário ao Livro Vermelho, de Jung



Acabei de ler a Introdução espetacular do editor Sonu Shamdasani ao LIVRO VERMELHO, de Jung. Muita coisa que estava obscura em mim clareou. É claro que Jung fez das próprias experiências esquizofrênicas o material sobre o qual tentou fazer ciência. Foi bem sucedido. É claro também que Jung aqui se revelou por inteiro como discípulo de Goethe e do esteticismo. Sua visão dual da divindade foi explicitada. Jung tomou como prova da “função transcendente” os sonhos premonitórios de 1913 sobre a Primeira Guerra. Se julgou um profeta. Mas profecias se revelam antecipadamente, dão a mensagem. A mensagem aqui só ficou clara ex post facto. Não as considero profecias. Admito, todavia, que Jung estava sintonizado com as correntes subterrâneas no mergulho niilista do Ocidente. Jung é o homem faustico. Jung teve a pretensão de falar com os mortos e com o próprio Deus. Realizou em si o neoplatonismo renascentista. Quis fundar nova religião. Apesar de ter mergulhando no estudo das religiões comparadas, Jung tinha em mente mesmo o Fausto de Goethe e o Zaratustra de Nietzsche. Jung foi muito coerente em se dizer fora do mito cristão. Em última análise, cultivava o mal, como fizeram Goethe e Nietzsche. Essa entrega ao mal como forma de se chegar ao bem é idéia muito antiga, data dos primeiros heréticos. Com Jung essa gente quis ser cientista. A ciência de Jung é a sistematização de experiências de louco, transformadas em linguagem erudita. Por isso que seus métodos não podem curar. O apogeu do delírio religioso de Jung se deu quando se recusou a traduzir o Canto Noturno, de Nietzsche. Disse que era a voz de Deus. Em todo o Zaratustra quem fala é Mefistófeles, o mesmo demônio do norte que está em Goethe. Por isso Jung viu Wotan nos nazistas. A leitura do LIVRO VERMELHO mostra que, no fundo, Jung se sentia um fundador de uma nova religião. Ele queria confirmar o fim do cristianismo. Penso que se os nazistas tivessem ganhado a guerra a psicologia analítica poderia se tornar uma nova religião mundial. Penso também que a destruição das guerras foi tamanha que até mesmo um satanista convicto como Jung vacilou nas suas convicções sobre o mal. Pensar a língua alemã como sucedânea do hebraico sagrado é delírio grandioso. Jung tratou Nietzsche como se fosse um Isaías renascido.

Em 1913 Jung inicia um auto experimento que ele denomina “confronto com o inconsciente. Este auto experimento dura até 1930. Com isso Jung desenvolve a técnica para “chegar ao fundo do [seu] processo interior” e “traduzir as emoções em imagens” e “compreender as fantasias que estavam se agitando subterraneamente”. [Comentário de Nivaldo Cordeiro]

Na época em que Jung fez as anotações que resultaram neste livro, ele se encontrava em deslumbramento com o nefando.

Carl Jung e a influência do esteticismo de Goethe
Nivaldo Cordeiro ( * )

É preciso compreender a obra de Carl Jung e talvez o melhor texto para ver como o psicólogo suíço tropeçou nas próprias pernas seja no ensaio publicado em 1945, “Depois da Catástrofe” (inserido no livro Aspectos do Drama Contemporâneo, editado pela Vozes).
É certo que esse texto só será compreensível, em todo o horror de suas contradições, se se conhecer bem a obra e a biografia de Carl Jung, portanto não é leitura para iniciantes.
O ensaio foi escrito para que ele, Jung, dissesse o que realmente pensava de Hitler e dos acontecimentos dramáticos da II Guerra Mundial. Ao término da guerra os rumores de que os nazistas estavam vivos.
O primeiro gesto de tirar o corpo fora de Carl Jung sobre a sua responsabilidade pessoal sobre os acontecimentos foi ele atribuir os fatos aos alemães da Alemanha. Ora, Jung sempre se declarou alemão, narrava com prazer sua “nobre” ascendência bastarda desde Goethe e se sentia alemão.
Tudo que foi feito por Hitler e pela Alemanha era em nome e para o pan-germanismo. É claro que o Estado nacional alemão assumiu o comando de tudo, mas vimos como em diversos países (até no Brasil!) os verdadeiros alemães apoiaram com entusiasmo a estranha ideia que eram um povo superior, fadado a dominar o mundo. Bem vimos no que deu.
Carl Jung sabia perfeitamente bem a origem de tudo, mas não teve a coragem moral de assumir sua própria responsabilidade. Ao contrário, Thomas Mann engajou-se no esforço de guerra contra a barbárie e escreveu o monumental Doutor Fausto, livro no qual faz o acerto de contas consigo mesmo e sua própria história familiar.
Ao atribuir uma suposta culpa coletiva sobre os alemães, Jung pulou o capítulo de sua própria responsabilidade. O próprio Jung fundou em torno de si um culto satânico no qual os sacerdotes acreditados eram os seus seguidores “analisados”. Jung cultuava o mal com todas as letras, como bem demonstrei nas minhas palestras sobre o Livro Vermelho.

A raiz mais geral para o que houve naqueles tempos está na Reforma Religiosa, que teve a nefasta consequência de transformar a Igreja Universal em igrejas nacionais, comandadas segundo interesse político. Na Alemanha, o passo seguinte foi humanizar o Cristo, negando-lhe a condição divina, juntamente com as ideias pagãs do neoplatonismo. Chegou-se a falar em um Cristo “alemão”. [O maior responsável pelo surgimento das igrejas nacionais foi Martinho Lutero e sua revolução. Deu no que deu: O NOMINALISMO responsável pela decadência intelectual de nossa civilização. Lutero era nominalista. AO]
No século XVIII, sob a influência poderosa de Goethe, tivemos o esteticismo, que propôs a salvação pela Arte, aqui compreendida em sentido amplo, inclusive nas práticas esotéricas das artes alquímicas. [Recomendo assistir o documentário Arquitetura da Destruição da Versatil Home Vídeo e o filme A Fita Branca da Imo Vision.  Ler "A Sagração da Primavera" de Modris Eksteins. AO]
O passo final foi decretar a morte de Deus e tivemos o surgimento de Nietzsche no esplendor de toda sua loucura para fazê-lo. Era o João Batista anunciadora do novo Cristo, Carl Jung ele mesmo.
Esse é o trilho que explica Hitler e Carl Jung foi o maior divulgador dessa tradição esteticista. Ele se considerava, e de fato era, o maior seguidor de Goethe e Nietzsche (e Wagner).
Caberia a Jung um mea culpa ter dito isso no ensaio: que ele preparou gerações de pessoas, sejam os seus leitores, sejam os seus analisandos/pacientes, para aceitar voluntariamente o mal como se bem fosse, e servi-lo.
Ele fundou um culto satânico tão esdrúxulo que elevou o Zaratustra de Nietzsche à condição de profeta e ele mesmo, Jung, à condição de um novo salvador, em substituição à Cristo. Nada dos crimes ocorridos na Alemanha são alheios a Jung e sua obra.
A loucura delirante de Carl Jung foi tamanha que se recusou a traduzir o poema de Nietzsche O Canto Noturno no seminário que deu sobre o Zaratustra, na década de Trinta. Segundo ele, ali falaria o próprio deus/Zaratustra e o alemão passou a ser uma língua sagrada, algo como são o hebraico para os judeus e o latim para os católicos.
O culto fundado por Jung negava os valores cristãos e tentava implantar a falsa ética pagã pregada por Nietzsche, todos os falsos valores da Nova Era defendida pelo psicólogo suíço.
Toda a elite alemã (pan-germânica) sabia o Fausto, de Goethe, de cor. O livro virou a bíblia para a alta cultura dos falantes de alemão. Ali estaria a verdade. Carl Jung acreditava nisso. Pregou isso. Viveu isso em toda a intensidade. E, na vida pessoal, adotou a nova ética, praticando a poligamia consciente em franca oposição aos valores cristãos.
Pior ainda, fez do andrógino um símbolo de totalidade e algo a ser buscado, legitimando a eclosão do homossexualismo como hoje o conhecemos. De certa forma, para Jung, a androginia tornava o sujeito mais filho de Deus.
No texto, Carl Jung ridiculariza a figura de Hilter, sem dizer de si uma única palavra de reprovação. Nenhuma autocrítica. E, depois de 1945, continuou a cultivar e a divulgar a sua psicologia analítica, como se nada tivesse acontecido. Como se tudo não pudesse se repetir novamente. Colocar o demônio no lugar de Deus tem consequências.
Carl Jung escreveu que Hitler era um pseudólogo, como se ele próprio não fosse um. O Livro Vermelho revelou que Jung fez também seu próprio pacto fáustico, ainda mais delirante que o de Hitler. Ele empenhou-se em fundar uma religião, da qual, seria o sumo sacerdote. O nazismo foi apenas a expressão política desse movimento mais amplo de cunho cultural e religioso.
Carl Jung escreveu: “Ao dizer que os alemães estão psiquicamente doentes estou sendo mais benevolente do que se dissesse que são criminosos”. Uma frase perfeita que poderia bem ser aplicada a si mesmo.
Mais à frente: “(o alemão) Esqueceu seu cristianismo, vendeu o espírito à técnica, trocou a moral pelo cinismo e consagrou sua maior aspiração às forças de aniquilação”. Teria sido uma bela confissão se Jung estivesse falando de si mesmo e não no coletivo alemão.
Não, o problema alemão não é a emergência de forças coletivas incontroláveis, é um problema de pessoas individualmente comprometidas com o mal. O pacto fáustico pressupõe sempre um “sim” consciente ao mal por cada um. Carl Jung fez isso. Nietzsche fez isso.
Goethe também. Levou séculos para que esse mal fosse transformado e potencializado em fornos crematórios e em matanças generalizadas, inclusive de alemães. Não se dá as costas à conversão, ao Bem, sem se pagar alto preço.
( * ) Nivaldo Cordeiro
José Nivaldo Gomes Cordeiro é economista e mestre em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP), ocupou vários cargos na administração federal e é hoje Diretor de Operações do Grupo Nobel de Livrarias.











Nenhum comentário: