Título
original: The Red Book:
Liber Novus
Autor: C.G. Jung
Tradução: Edgar Orth
Editora: Vozes
Assunto: Psicologia
Edição: 1ª
Ano: 2013
Páginas: 516
Sinopse: A presente edição sem ilustrações contém o texto
completo do original. É dirigida especificamente àqueles que gostariam de
ocupar-se profundamente com a documentação literária da evolução interior de
Jung. Estará sem dúvida de acordo com a intenção de Jung se esta edição ajudar
os leitores a tornar sua leitura mais proveitosa para seu próprio
desenvolvimento.
Comentário ao Livro Vermelho, de Jung
Comentário ao Livro Vermelho, de Jung
Acabei de ler a Introdução espetacular do editor Sonu
Shamdasani ao LIVRO VERMELHO, de Jung. Muita coisa que estava obscura em mim
clareou. É claro que Jung fez das próprias experiências esquizofrênicas o
material sobre o qual tentou fazer ciência. Foi bem sucedido. É claro também
que Jung aqui se revelou por inteiro como discípulo de Goethe e do esteticismo. Sua visão dual da divindade
foi explicitada. Jung tomou como prova da “função transcendente” os sonhos
premonitórios de 1913 sobre a Primeira Guerra. Se julgou um profeta. Mas
profecias se revelam antecipadamente, dão a mensagem. A mensagem aqui só ficou
clara ex post facto. Não as considero
profecias. Admito, todavia, que Jung estava sintonizado com as correntes subterrâneas no mergulho
niilista do Ocidente. Jung
é o homem faustico. Jung teve a pretensão de falar com os mortos e com o
próprio Deus. Realizou em si o neoplatonismo renascentista. Quis fundar nova
religião. Apesar de ter mergulhando no estudo das religiões comparadas, Jung
tinha em mente mesmo o Fausto
de Goethe e o Zaratustra
de Nietzsche. Jung foi muito coerente em se dizer fora do mito cristão.
Em última análise, cultivava
o mal, como fizeram Goethe e Nietzsche. Essa entrega ao mal como forma
de se chegar ao bem é idéia muito antiga, data dos primeiros heréticos. Com
Jung essa gente quis ser cientista. A ciência de Jung é a sistematização de
experiências de louco, transformadas em linguagem erudita. Por isso que seus
métodos não podem curar. O apogeu do delírio religioso de Jung se deu quando se
recusou a traduzir o Canto Noturno, de Nietzsche. Disse que era a voz de Deus.
Em todo o Zaratustra quem fala é Mefistófeles, o mesmo demônio do norte que
está em Goethe. Por isso Jung viu Wotan nos nazistas. A leitura do LIVRO
VERMELHO mostra que, no fundo, Jung se sentia um fundador de uma nova religião.
Ele queria confirmar o fim
do cristianismo. Penso que se os nazistas tivessem ganhado a guerra a
psicologia analítica poderia se tornar uma nova religião mundial. Penso também
que a destruição das guerras foi tamanha que até mesmo um satanista convicto como Jung
vacilou nas suas convicções sobre o mal. Pensar a língua alemã como sucedânea
do hebraico sagrado é delírio grandioso. Jung tratou Nietzsche como se fosse um
Isaías renascido.
Em 1913 Jung inicia um auto experimento
que ele denomina “confronto com o inconsciente. Este auto experimento dura até
1930. Com isso Jung desenvolve a técnica para “chegar ao fundo do [seu]
processo interior” e “traduzir as emoções em imagens” e “compreender as
fantasias que estavam se agitando subterraneamente”. [ Comentário de Nivaldo Cordeiro]
Na época em que Jung fez as anotações
que resultaram neste livro, ele se encontrava em deslumbramento com o nefando.
Carl Jung e a influência do esteticismo de Goethe
Nivaldo Cordeiro ( * )
É preciso
compreender a obra de Carl Jung e talvez o melhor texto para ver como o
psicólogo suíço tropeçou nas próprias pernas seja no ensaio publicado em 1945,
“Depois da Catástrofe” (inserido no livro Aspectos do Drama Contemporâneo, editado pela Vozes).
É certo que esse texto só será compreensível, em todo o horror
de suas contradições, se se conhecer bem a obra e a biografia de Carl Jung,
portanto não é leitura para iniciantes.
O ensaio foi escrito para que ele, Jung, dissesse o que
realmente pensava de Hitler e dos acontecimentos dramáticos da II Guerra
Mundial. Ao término da guerra os rumores de que os nazistas estavam vivos.
O primeiro gesto de tirar o corpo fora de Carl Jung sobre a sua
responsabilidade pessoal sobre os acontecimentos foi ele atribuir os fatos aos
alemães da Alemanha. Ora, Jung sempre se declarou alemão, narrava com prazer
sua “nobre” ascendência bastarda desde Goethe e se sentia alemão.
Tudo que foi feito por Hitler e pela Alemanha era em nome e para
o pan-germanismo. É claro que o Estado nacional alemão assumiu o comando de
tudo, mas vimos como em diversos países (até no Brasil!) os verdadeiros alemães
apoiaram com entusiasmo a estranha ideia que eram um povo superior, fadado a
dominar o mundo. Bem vimos no que deu.
Carl Jung sabia perfeitamente bem a origem de tudo, mas não teve
a coragem moral de assumir sua própria responsabilidade. Ao contrário, Thomas
Mann engajou-se no esforço de guerra contra a barbárie e escreveu o monumental
Doutor Fausto, livro no qual faz o acerto de contas consigo mesmo e sua própria
história familiar.
Ao atribuir
uma suposta culpa coletiva sobre os alemães, Jung pulou o capítulo de sua
própria responsabilidade. O próprio Jung fundou em torno de si um culto
satânico no qual os sacerdotes acreditados eram os seus seguidores
“analisados”. Jung cultuava o mal com todas as letras, como bem demonstrei nas
minhas palestras sobre o Livro Vermelho.
A raiz mais geral para o que houve naqueles tempos está na
Reforma Religiosa, que teve a nefasta consequência de transformar a Igreja
Universal em igrejas nacionais, comandadas segundo interesse político. Na
Alemanha, o passo seguinte foi humanizar o Cristo, negando-lhe a condição
divina, juntamente com as ideias pagãs do neoplatonismo. Chegou-se a falar em
um Cristo “alemão”. [O
maior responsável pelo surgimento das igrejas nacionais foi Martinho Lutero e
sua revolução. Deu no que deu: O NOMINALISMO responsável pela decadência intelectual de nossa civilização. Lutero era nominalista. AO]
No século XVIII, sob a influência poderosa de Goethe, tivemos o
esteticismo, que propôs a salvação pela Arte, aqui compreendida em sentido
amplo, inclusive nas práticas esotéricas das artes alquímicas. [Recomendo assistir o
documentário “Arquitetura da Destruição”
da Versatil Home Vídeo e o filme “A Fita
Branca” da Imo Vision. Ler "A Sagração da Primavera" de Modris Eksteins. AO]
O passo final foi decretar a morte de Deus e tivemos o
surgimento de Nietzsche no esplendor de toda sua loucura para fazê-lo. Era o
João Batista anunciadora do novo Cristo, Carl Jung ele mesmo.
Esse é o trilho que explica Hitler e Carl Jung foi o maior
divulgador dessa tradição esteticista. Ele se considerava, e de fato era, o
maior seguidor de Goethe e Nietzsche (e Wagner).
Caberia a Jung um mea
culpa ter dito isso no ensaio: que ele preparou gerações de pessoas, sejam
os seus leitores, sejam os seus analisandos/pacientes, para aceitar
voluntariamente o mal como se bem fosse, e servi-lo.
Ele fundou um culto satânico tão esdrúxulo que elevou o
Zaratustra de Nietzsche à condição de profeta e ele mesmo, Jung, à condição de
um novo salvador, em substituição à Cristo. Nada dos crimes ocorridos na
Alemanha são alheios a Jung e sua obra.
A loucura delirante de Carl Jung foi tamanha que se recusou a
traduzir o poema de Nietzsche O Canto Noturno no seminário que deu sobre o
Zaratustra, na década de Trinta. Segundo ele, ali falaria o próprio
deus/Zaratustra e o alemão passou a ser uma língua sagrada, algo como são o
hebraico para os judeus e o latim para os católicos.
O culto fundado por Jung negava os valores cristãos e tentava
implantar a falsa ética pagã pregada por Nietzsche, todos os falsos valores da
Nova Era defendida pelo psicólogo suíço.
Toda a elite alemã (pan-germânica) sabia o Fausto, de Goethe, de
cor. O livro virou a bíblia para a alta cultura dos falantes de alemão. Ali
estaria a verdade. Carl Jung acreditava nisso. Pregou isso. Viveu isso em toda
a intensidade. E, na vida pessoal, adotou a nova ética, praticando a poligamia
consciente em franca oposição aos valores cristãos.
Pior ainda, fez do andrógino um símbolo de totalidade e algo a
ser buscado, legitimando a eclosão do homossexualismo como hoje o conhecemos.
De certa forma, para Jung, a androginia tornava o sujeito mais filho de Deus.
No texto, Carl Jung
ridiculariza a figura de Hilter, sem dizer de si uma única palavra de
reprovação. Nenhuma autocrítica. E, depois de 1945, continuou a cultivar e a
divulgar a sua psicologia analítica, como se nada tivesse acontecido. Como se
tudo não pudesse se repetir novamente. Colocar o demônio no lugar de Deus tem
consequências.
Carl Jung escreveu que Hitler
era um pseudólogo, como se ele próprio não fosse um. O Livro Vermelho revelou
que Jung fez também seu próprio pacto fáustico, ainda mais delirante que o de
Hitler. Ele empenhou-se em fundar uma religião, da qual, seria o sumo
sacerdote. O nazismo foi apenas a expressão política desse movimento mais amplo
de cunho cultural e religioso.
Carl Jung escreveu: “Ao dizer
que os alemães estão psiquicamente doentes estou sendo mais benevolente do que
se dissesse que são criminosos”. Uma frase perfeita que poderia bem ser
aplicada a si mesmo.
Mais à frente: “(o alemão)
Esqueceu seu cristianismo, vendeu o espírito à técnica, trocou a moral pelo
cinismo e consagrou sua maior aspiração às forças de aniquilação”. Teria sido
uma bela confissão se Jung estivesse falando de si mesmo e não no coletivo
alemão.
Não, o problema alemão não é
a emergência de forças coletivas incontroláveis, é um problema de pessoas
individualmente comprometidas com o mal. O pacto fáustico pressupõe sempre um
“sim” consciente ao mal por cada um. Carl Jung fez isso. Nietzsche fez isso.
Goethe também. Levou séculos
para que esse mal fosse transformado e potencializado em fornos crematórios e
em matanças generalizadas, inclusive de alemães. Não se dá as costas à
conversão, ao Bem, sem se pagar alto preço.
( * ) Nivaldo Cordeiro
José Nivaldo Gomes
Cordeiro é economista e mestre em Administração de Empresas pela Fundação
Getúlio Vargas (FGV/SP), ocupou vários cargos na administração federal e é hoje
Diretor de Operações do Grupo Nobel de Livrarias.
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