terça-feira, 1 de julho de 2014

HEREGES

Autor: G.K. Chesterton
Tradução: Antônio Emilio Angueth e Marcia Xavier de Brito
Editora: Ecclesiae
Assunto: Filosofia
Edição: 1ª
Ano: 2011
Páginas: 294

Sinopse: Hereges é uma obra em que G.K. Chesterton (1874–1936) esboça a própria filosofia ao identificar os pontos fracos nas filosofias de seus contemporâneos. Um “herege”, explica, é “um homem cuja visão das coisas tem a audácia de diferir da minha”. Sua crítica não se limita à análise de autores específicos. Tem um sentido mais geral. Partindo da análise dos erros de um conjunto heterogêneo de escritores modernos, explica o que considera estar errado com o pensamento do mundo moderno. Publicado em 1905, Hereges abre caminho para Ortodoxia, que surge três anos depois. Ortodoxia apresenta a filosofia de Chesterton no que chama de “conjunto de imagens mentais”. Hereges traz um relato mais analítico das filosofias dos escritores de seu tempo. Isso foi algo provocador. Na biografia de Chesterton, Maisie Ward (1889–1975) comenta sobre a animosidade com que o livro foi recebido. Críticos que tinham boas coisas a dizer sobre os escritos anteriores de Chesterton a respeito de Robert Browning (1812–1889) ou Charles Dickens (1812–1870) ficaram irritados ao perceber que ele voltara a atenção crítica para o que considerava “erros dos autores contemporâneos”.

A idéia central da filosofia chestertoniana está na importância do dogma. Numa era que celebrava o irracionalismo, Chesterton defendeu a razão. Ademais, insistiu que havia uma estreita ligação entre razão e religião. Como observou no capítulo final do livro, as verdades contestadas se transformam em dogmas. Por este ponto de vista, cada pensador é o fundador de um sistema filosófico que pode ser descrito como uma igreja. É por isso que num livro dedicado aos contemporâneos, Chesterton parece demonstrar pouco interesse nos traços pessoais ou nas fraquezas. Para ele, cada escritor era mais bem compreendido pelo exame do que chamava de “visão geral da existência” e, portanto, neste livro, um grupo de pensadores que quase não tinha interesse na religião formal é revelado como inconscientemente religioso.

Desejo que esta primeira tradução de Hereges para a língua portuguesa complemente e aprofunde a compreensão do universo sacramental deste grande autor católico.

Comentários de Ieda Marcondes: Publicado originalmente em junho de 1905, “Hereges” é o primeiro trabalho polêmico importante do jornalista e escritor inglês G.K. Chesterton. Pouco antes disso, ele havia se envolvido numa série de controvérsias com o editor do jornal Clarion, Robert Blatchford ‒ quem, curiosamente, abriu espaço em seu jornal para uma série de respostas do próprio Chesterton. Tais respostas e os seus artigos no jornal Daily News são a matéria-prima principal da visão única de vida que ele apresenta em “Hereges”.

Nascido em 1874, quando a religião e a ética vitoriana já estavam enfraquecidas, Chesterton foi criado em ambiente anglicano, mas, de acordo com o próprio autor, com pouco ou nenhum incentivo à crença ou prática religiosa. Em sua autobiografia, ele define o período de 1892 a 1895 como uma época de pessimismo e desespero, de uma obsessão incontrolável por idéias e imagens horríveis que o levavam a mergulhar cada vez mais fundo em um suicídio espiritual. Depois de certo tempo imerso nas “profundezas obscuras do pessimismo contemporâneo”, ele se revolta e cria, então, a teoria rudimentar de que a mera existência, reduzida aos seus limites primários, é extraordinária o suficiente para ser excitante. Conectado aos restos de um pensamento religioso por uma linha fina de gratidão, ele começa a ler os evangelhos; termos e imagens religiosas começam a aparecer cada vez mais em suas anotações.

Em 1896, Chesterton conhece sua futura esposa, Frances Blogg, quem exerce grande influência religiosa por toda a sua vida ‒ junto de outras figuras como o padre anglicano Conrad Noel e do historiador e escritor Hilaire Belloc. Já em 1904, em uma de suas respostas aos ataques de Robert Blatchford ao cristianismo no jornal Clarion, Chesterton diz, “Nós todos somos agnósticos até descobrirmos que o agnosticismo não vai funcionar”. Assim, com “Hereges”, é possível delinear o começo de um caminho que só chegaria ao seu destino em 1922, quando o autor finalmente se converte ao catolicismo.

No Brasil, pela editora Ecclesiae, é a primeira vez que uma edição em língua portuguesa de “Hereges” está sendo publicada. Apesar de chegar em momento não menos importante, o atraso que vinha desde o século passado é praticamente inexplicável. Uma das obras mais importantes de Chesterton, “Ortodoxia”, não poderia existir sem “Hereges”. Pois “Ortodoxia” foi escrita em resposta às críticas de “Hereges”; a primeira foi dedicada ao pai, a segunda foi dedicada à mãe; são, portanto, obras irmãs que se complementam e que conversam constantemente entre si. “Ortodoxia” apenas delimita e organiza de forma autobiográfica as conclusões que ele teve primeiro com “Hereges”. Ao mostrar o que implica em heresia, Chesterton ilustra o que implica em ortodoxia, e vice-e-versa.

“Hereges” apresenta vinte capítulos, cada um destinado a uma figura ou tendência moderna. Assim, o autor discute Rudyard Kipling, Bernard Shaw [marxista], H.G. Wells [marxista], o Comtismo, o “carpe diem” dos estetas, o Novo Jornalismo, a comunidade científica, entre outros. Para cada caso, ele emprega uma perspectiva teológica, analisando sua heresia e ressaltando a importância da ortodoxia. Dessa forma, Kipling é um herege por ser um cidadão do mundo, por não ter tempo ou paciência de se fixar definitivamente em nenhum lugar, ele representa o cosmopolitismo da sociedade moderna que avança e expande sem saber que a vida acontece quando nos enraizamos, quando nos prendemos em determinada causa ou comunidade; Shaw é um herege por não aceitar os humanos como são, por comparar homens com super-homens, com deuses ou gigantes, quando o segredo do cristianismo, e mesmo do sucesso em vida, está na humildade; Wells é um herege por duvidar do pecado original e da possibilidade da própria filosofia ao dizer que é impossível encontrar idéias seguras e confiáveis, que tudo sempre muda, mas são apenas as aparências que mudam, as idéias permanecem sempre as mesmas.

Ironicamente, a conclusão é a de que a maior heresia não é um conjunto de determinadas afirmações, mas a falta de crença em afirmação alguma. Pois até a blasfêmia depende de um ato de fé. A sociedade moderna, em nome da expansão e do progresso, escolheu não definir nenhum padrão do que é bom, nenhuma direção distinta a seguir, nenhuma convicção específica a adotar, mas progresso só é progresso quando sabemos para onde estamos indo e o que queremos exatamente. Para Chesterton, existe um pensamento que impede o pensamento, e esse é o único a ser combatido. Se pode existir uma evolução mental, ela só pode ter a ver com um aumento de certezas, de mais e mais dogmas, e não mais e mais dúvidas.

No final do livro, fica claro que Chesterton está discutindo o papel da religião em nossas vidas. Mas, em nenhum momento, ele espera provar que suas doutrinas são verdadeiras. Ele sabe que religião é, fundamentalmente, uma questão de fé e não de demonstração; a revelação não pode ser empiricamente comprovada. Apesar de prover algumas explicações sobre a existência humana ao demonstrar casos da experiência em que o materialismo simplesmente não satisfaz, o livro contém os mistérios que vão muito além da capacidade do pensamento humano. Para Chesterton, é a escuridão do mistério cristão que ilumina a todas as coisas. Ele diz que a religião não é uma coisa que pode ser excluída justamente porque ela inclui ao todo. Não é a razão que nos mantém sãos, mas o misticismo. Racionalmente, podemos duvidar de tudo e de todos, podemos acreditar na tese de que estamos todos em um sonho e de que nossa família e nossos amigos nada são além de criações da imaginação. É o misticismo, portanto, que nos permite afirmar a própria existência como um dogma religioso. Para nos tornarmos realmente conscientes e vivos, não podemos nos perder em pessimismo e ceticismo, mas afirmar o papel da religião e do dogma e nossas vidas: “Seremos daqueles que viram e mesmo assim acreditaram.” As obras de Chesterton impressionam por parecerem atuais, ao ponto de nos esquecermos da época em que foram concebidas. Ele aponta os erros em pensamentos e condutas correntes, como o vegetarianismo e a busca vazia de hábitos saudáveis, ou a descrença na monogamia e na instituição da família. Seus comentários são avançados para os dias de hoje no sentido em que vão contra as novidades e zelam por algo mais antigo e verdadeiro; seu conjunto de convicções é mais coerente e faz mais sentido do que o de algumas pessoas ainda muito bem vivas. Enquanto o pensamento moderno já parece desgastado por sua própria ineficácia em questões práticas, é bem provável que as obras de G.K. Chesterton permaneçam atuais e necessárias por muitos e muitos anos ainda.


G. K. Chesterton
Sobre o autor: Gilbert Keith Chesterton, conhecido como G. K. Chesterton, (Londres, 29 de maio de 1874 — Beaconsfield, 14 de junho de 1936) foi um escritor, poeta, narrador, ensaísta, jornalista, historiador, biógrafo, filósofo, desenhista e conferencista britânico.

Era o segundo de três irmãos. Filho de Edward Chesterton e de Marie Louise Grosjean. Casou-se com Frances Blogg. Concluiu os estudos secundários no colégio de São Paulo Hammersmith onde recebeu prêmio literário por um poema sobre São Francisco Xavier. Ingressa na escola de arte Slade School de Londres (1893) onde inicia a carreira de pintura que vai depois abandonar para se dedicar ao jornalismo e à literatura. Escreveu no Daily News. Nascido de família anglicana, mais tarde converteu-se ao catolicismo em 1922 por influência do escritor católico Hilaire Belloc, com quem desde 1900 manteve uma amizade muito próxima.

Ao falecer deixou todos os seus bens para a Igreja Católica. A sua obra foi reunida em quase quarenta volumes contendo os mais variados temas sob os mais variados gêneros. O Papa Pio XI foi grande admirador de Chesterton a quem conhecera pessoalmente.

Curiosidade: Chesterton era daqueles sujeitos que não conseguem passar despercebido aonde quer que estejam. A irreverência, o bom-humor e a eloqüência, associados a dois metros e nove centímetros de altura e a um peso médio de 140 quilos, transformavam qualquer ambiente; quer uma festa de aniversário infantil ou um acalorado debate com Bertrand Russel.

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Nota: O grifos são do Editor deste blog.


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