Autor: Marcel Proust (1871-1922)
Tradutor: Mário Quintana
Assunto: Romance
Editora: Globo
Edição: 3ª
Ano: 2006
Páginas: 558
Sinopse: Os sete volumes da obra 'Em busca do tempo
perdido' constituem um emaranhado complexo de personagens, cenas, detalhes que
reaparecerão muito depois e somente aí adquirem seu real significado,
articulados pela memória que, ativada por circunstâncias fortuitas, medita
livre por diferentes campos, sendo as artes um dos mais freqüentados. Este
primeiro volume também procura exemplificar isso, pois Swann, um das principais
personagens, é um refinado aristocrata conhecedor de literatura, colecionador
de objetos de arte e freqüente nos salões parisienses. O narrador o conheceu
quando criança em Combray, cidadezinha imaginária onde ele passava as férias de
Páscoa. No segundo, o narrador, já adolescente, desistindo do amor de Gilberte,
filha de Swann, parte com a avó em viagem de férias para a fictícia praia de
Balbec, com imaginárias ruínas antigas, em seu périplo de conhecimento da arte
e de si. Assim, cada volume e todos se transformam em complexo programa de
formação estética e humanística. Neste volume, Proust se dedica principalmente
à narração de sua infância e adolescência.
Excertos do prefácio: “Abrimos as primeiras páginas do primeiro
volume e somos convidados a entrar pelo Caminho
de Swann.
Neste primeiro volume, vamos conhecer
a cidadezinha fictícia chamada ‘Combray’, lugar em que o herói do livro vem
passar as férias de Páscoa com os pais, quando criança. Ali, eles recebiam a
visita de Swann, homem muito fino, colecionador de obras de arte, leitor
cultivado, freqüentador dos principais salões de Paris.
A Combray de Proust é a pequenina
cidade de passado medieval que ainda mantém contato com os campos e sítios ao
seu redor. Para chegar até eles, há dois caminhos possíveis: saindo pela porta
da frente da casa, toma-se o de Méséglise, caminho mais curto, que passa pela
propriedade de Swann; saindo pelo portão dos fundos, alcança-se o longo caminho
de Guermantes, trilha fluvial que vai dar no castelo dessa família, Entrar pelo
caminho de Swann é simplesmente tomar uma dessas opções de percurso que se
oferecem ao caminhante. O caminho de Swann é, nesse primeiro sentido, apenas
uma referência espacial com a qual se designa o itinerário a ser feito.
Já ou outro significado desse título
envolve a própria história da criança que vem com os pais em visita à cidade de
Combray e que, muito mais tarde, vai se tornar o narrador do livro que estamos
lendo. Para ele, percorrer o caminho de Swann é percorrer o mesmo trajeto da
personagem Swann, experimentar as mesmas dores no amor, o ciúme, o contato com
a arte e compreender como Swann pôde lidar com tudo isso. Em busca do tempo perdido começa, assim, como no início de uma
caminhada, de uma longa caminhada de leitura do sentido da vida.” (p. 8)
Resenha:
O prof. José Monir Nasser nesta resenha diz que Samuel
Beckett (1906-1989) escreveu no ensaio Proust [1] dizia que para
compreender a obra do escritor francês é preciso começar pelo tempo, “este
monstro de duas cabeças, salvação e danação”. Mais ainda, Beckett afirma que
“as criaturas de Proust são, portanto, vítimas desta circunstância e condição
permanente: o tempo”. De fato, a obra magna de Marcel Proust (1871-1922),
escrita em sete volumes, entre 1909 e o último dia da sua vida, chama-se Em
Busca do Tempo Perdido (À la recherche du
temps perdu).
O
tempo submete tudo, porque a vida humana é composta de fragmentos, de
experiências estanques a que a nossa mente dá a aparência de continuidade,
criando um passado presente (aquilo que já passou) e um futuro presente (aquilo
que esperamos que aconteça), que se fundem com o presente presente. A impressão
é de uma linha contínua, conjugando aquilo que aconteceu, aquilo que está
acontecendo e o que pode acontecer.
Mas como a experiência humana é fragmentada e só
adquire unidade pela intervenção da mente, as partes tendem a se perder, a se
tornar indisponíveis. Não temos acesso a tudo o que aconteceu na nossa vida.
Tudo foge (tempus fugit) e se dilui
pela própria passagem. Este é o tempo perdido que Proust procura
sistematicamente no fundo da consciência latente, para ele, a única coisa real.
Ou seja, está tudo lá, mas como não conseguimos manter nossa atenção focada em
tudo ao mesmo tempo, percebemos apenas recortes da totalidade da nossa
experiência. Como resultado, não conhecemos nosso “eu” profundo, embora saibamos o que
queremos que os outros pensem sobre nós, em outras palavras, conhecemos apenas
nosso “eu” social.
Como
antídoto a essa fuga incontrolável dos fragmentos de memória que escapam
sistematicamente à consciência, Proust erige o edifício imenso da recordação,
mas cuidado! Proust só confia na recordação espontânea. Explica Beckett: “A
memória voluntária, Proust repete ad
nauseam, não tem valor como instrumento de evocação e provê uma imagem tão
distante da real quanto o mito de nossa imaginação ou a caricatura fornecida
pela percepção direta”. Proust só acredita no poder de invocação dos sentidos.
Daí a famosa passagem de No Caminho de Swann, em que a infância volta plena à
lembrança, quando o narrador mergulha uma madalena em sua xícara de chá: “E de
súbito a lembrança me apareceu. Aquele gosto era o do pedaço de madalena que
nos domingos de manhã em Combray (pois nos domingos eu não saía antes da hora da
missa) minha tia Léonie me oferecia, depois de tê-lo mergulhado em seu chá da
Índia ou de tília, quando ia cumprimentá-la em seu quarto”.
Para
Proust, qualquer estímulo, como um trecho de uma sonata, a visão de uma
paisagem, determinado odor ou certa expressão, produzirá a recuperação do tempo
perdido. Quem nunca foi transportado de volta à infância pelo reencontro com o
sabor antigo de uma fruta, pelo aroma de um café recém-passado ou por um
perfume sugestivo? Para Proust, os sentidos reconstroem a totalidade da
experiência, remetendo-nos para os mundos perdidos durante a passagem
implacável do tempo.
Proust
despreza as memórias voluntárias porque teme que as memórias inventadas,
intermediadas pela mente, portas abertas para nosso eu “social”, aquele que reflete
o que o mundo pensa de nós, ocupem todo o espaço no lugar do que realmente
importa. Proust teme que este “eu” utilitário, usado socialmente, possa usurpar
os direitos do verdadeiro “eu”, como uma personagem que tomasse de assalto a
personalidade do ator Lawrence Olivier deixando de ser Lawrence Olivier e
passando a ser Hamlet para sempre...
A
catedral de Em Busca do Tempo Perdido já está delineada na obra No Caminho de
Swann, primeiro dos sete volumes. Publicado em 1913, com recursos próprios do
autor, No Caminho de Swann expõe o método proustiano da recordação e apresenta
as principais personagens que voltam à memória do narrador. Em especial, conta
a história do amor de Charles Swann e Odette de Clécy, única trama em toda a
obra que não envolve o narrador diretamente.
O
tempo, este monstro de duas cabeças, é simultaneamente danação e redenção. É
danação porque nos aprisiona dentro dele. Somos escravos do ontem, porque o
ontem nos deformou de alguma maneira. Por outro lado, pela recuperação do tempo,
descobrimos nosso “eu” real, e aí está o maior exercício espiritual de todos.
Sobre o autor: Valentin Louis Georges Eugène Marcel Proust (Auteuil, 10 de
Julho de 1871 — Paris, 18 de Novembro de 1922) foi um escritor francês, mais
conhecido pela sua obra À la recherche du temps perdu (Em Busca do
Tempo Perdido), que foi publicada em sete partes entre 1913 e 1927.
Filho de Adrien
Proust, um célebre professor de medicina, e Jeanne Weil, alsaciana de origem judaica,
Marcel Proust nasceu numa família rica que lhe assegurou uma vida tranquila e
lhe permitiu frequentar os salões da alta sociedade da época.
Após estudos no
Liceu Condorcet, prestou serviço militar em 1889. Devolvido à vida civil,
assistiu na École Libre des Sciences Politiques aos cursos de Albert Sorel e Anatole
Leroy-Beaulieu; e na Sorbonne os de Henri Bergson (1859-1941) cuja influência
sobre a sua obra será essencial.
Após a morte dos
seus pais, a sua saúde já frágil deteriorou-se mais. Ele passou a viver recluso
e a esgotar-se no trabalho. A sua obra principal, Em Busca do Tempo Perdido
(À la Recherche du Temps Perdu), foi publicada entre 1913 e 1927, o
primeiro volume editado à custa do autor na pequena editora Grasset ainda que
muito rapidamente as edições Gallimard recuaram na sua recusa e aceitaram o
segundo volume À Sombra das Raparigas em Flor pela qual recebeu em 1919
o prêmio Goncourt.
Trabalhou sem
repouso à escrita dos seis livros seguintes de Em Busca do Tempo Perdido,
até 1922. Faleceu esgotado, acometido por uma bronquite mal cuidada.
[1] BECKETT, Samuel. Proust. Tradução de Arthur Nestrovski. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
[1] BECKETT, Samuel. Proust. Tradução de Arthur Nestrovski. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
2 comentários:
Olá Sr. Anatoli,
Sempre que eu estou em dúvida sobre qual livro ler,venho até o seu blog e leio as críticas literárias que você faz e,através dela,consigo encontrar um livro sobre o tema que eu busco.São excelentes as suas análises.
Eu tenho apenas 18 anos e me interesso muito pela literatura,história,religiões,filosofia etc.Tenho uma dúvida que há anos eu não consigo resolver: por onde devo começar os estudos literários?
Uma resposta remota e mal feita a qual eu consegui chegar,depois de ler muito Mortimer Adler e textos do Olavo de Carvalho sobre educação,foi que devo começar do começo ou seja,primeiramente estudar toda a literatura grega e romana.Entretanto aí tem um problema para mim: para ler Homero é necessário o conhecimento perfeito de um dialeto obsoleto já na Antiguidade,de uma língua morta,é necessário ter o hábito de sentir uma métrica que tem hoje outro ritmo,a capacidade de entender o sentido autêntico de uma linguagem metafórica.
Initium dimidium facit, disseram os romanos; o início é metade da façanha.Por onde eu devo começar?
Lembre que quem aqui lhe escreve,é um jovem que estudou em escola pública,e portanto,sofreu incansavelmente com a decadência do ensino brasileiro e também com o criminoso MEC.
O entendimento da natureza humana foi em mim esquecido,a par com a perda de um sentido do sagrado e de uma ligação com o Princípio Divino. Estes aspectos essenciais para o bem neste mundo e para o benefício dos seus fins últimos nunca foram comunicados nem compreendidos por mim.
Ao longo do acaminho que eu quero trilhar,enseio subir a montanha da sabedoria e alcançar o seu cume,a Verdade,uma das dificuldades que surge com maior frequência é a constante tendência para a dispersão.Esta tendência pode surgir manifestada nos próprios hábitos de leitura e pela preferência dada a obras de grande complexidade,muitas vezes sem grande profundidade,nas quais o desafio intelectual que é a sua compreensão e a informação obtida pela sua leitura,se confundem com aquilo que verdadeiramente importa.Tornamo-nos numa espécie de idólatras do conhecimento.É bem sabido que conhecimento não é sabedoria;e é esta última é o objetivo da minha caminhada.
Caro Ruan:
Siga o prof. Olavo. Ele é o mestre e sabe o que diz. Apague da sua mente essa história de língua morta.
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