Assunto: Filosofia da cultura
Editora: Agir
Edição: 1ª
Ano: 1967
Páginas: 281
Sinopse: A obra em dois volumes versa sobre os passos e
as experiências do homem em busca de um mundo melhor ou em busca de si mesmo.
Uma obra de referência para o conhecimento das experiências humanas, culturais
e políticas, mais especialmente as experiências democratizantes. Tudo disposto
em ordem histórica. O ângulo de abordagem é o da filosofia da cultura ou da
política, com suprimentos pedidos à teologia.
Ao leitor
(Gustavo Corção): Este livro talvez peque pela excessiva fluidez de seu objeto:
os homens; ou, quem sabe, por sua excessiva nitidez: o homem. Ou ainda, e mais
provavelmente, pelo entremeio de figuras alugadas aos historiadores e das
considerações filosóficas em torno delas tecidas – tudo à procura de uma
compreensão melhor do mesmo obsessivo e irritante objeto. Posso dizer que ele
vem completar uma grande lacuna por mim mesmo deixada nos dez mil artigos de
jornal. Aqui suponho que o leitor encontrará mais desenvolvidas e meditadas as
idéias que explicam muita posição tomada, muito juízo feito sobre os fatos e os
homens de nosso tempo, que na ocasião não pude fundamentar; e espero que
encontre também um tom mais repousado e mais demonstrativo do amor que me move.
De um modo geral podemos
dizer que este livro, nos seus dois volumes, versa sobre os passos e as
experiências do homem em busca de um mundo melhor ou em busca de si mesmo.
Poderia ter escolhido o título inspirado em Gauguin: “Qui sommes-nous? D’où venons-nous? Où allons-nous?” [“Quem somos
nós? De onde viemos? Para onde vamos?”]. Preferi tirá-lo de Santo Agostinho, na
Cidade de Deus, porque além de tantas
interrogações esta obra pretende formular algumas afirmações. E uma delas é
precisamente a que se acha condensada no título: dois amores, duas cidades. Ou
mais claramente: o mundo, a ordem política, a civilização que está para
cristalizar-se, dependem essencialmente, diretamente, do amor que tivermos. E
não basta dizer do amor que tivermos para uso próprio em nossa vida particular;
é preciso acrescentar: do amor que tivermos e que soubermos projetar, e que
assim venha a construir o próprio tecido de um mundo novo que todos nós
queremos menos egoísta e menos desumano.
A matéria desta obra são
as experiências humanas, culturais e políticas, e mais especialmente as
experiências democratizantes, dispostas em ordem histórica; o ângulo com que é
considerada é o da filosofia da cultura ou da política, com suprimentos pedidos
à teologia, como convém à filosofia adéquatement
prise [devidamente tidas]. As partes mais abstratas estão dispostas segundo
uma ordem que me pareceu mais didática: a da proximidade da aplicação. A rigor,
cada volume por ser lido separadamente, mas o autor ousa esperar que alguns
leitores tenham a energia para ler os dois volumes, a fim de aprenderem a
síntese que eles propõem. Justamente por ser simples demais, a idéia principal
que atravessa estas mil páginas precisa de amparo e do concurso de muitos
fatores, precisa de uma mobilização geral de recursos, para livrar-se do lugar
comum ou da palavra vazia.
Daí a necessidade de
tantas páginas, de tantos assuntos, de tantas perspectivas que expõem esta obra
ao risco de parecer-se com a tese de Pico de la Mirandola, intitulada “De omini re scibili” [“Os presságios do
cognoscível”]; e ao risco ainda maior de merecer a crítica do leitor malicioso
que acrescentou o subtítulo: “et
quibusdam aliis” [“e certos outros”]. Não pretendo ter escrito sobre todas
as coisas sabíveis, mas pretendo ter escrito, um pouco abundantemente, sobre
algumas coisas que, normalmente, deveriam dispensar tamanho discurso.
O Autor
Orelhas do segundo volume: Quem quiser entender, menos superficialmente, as
dores e esperanças dos tempos presentes, para entrever as promessas ou ameaças
do futuro, terá de volver às experiências passadas, recapitular as buscas, os
erros, as conquistas fecundas e as grandes expectações frustradas, tudo isto
sentido como coisa passada e ao mesmo tempo atuante, perempta e atual. A
genética da história, de que tanto se abusa para anunciar mutações, vale
primeiro para assegurar continuidades. Para esse empreendimento
vertiginosamente variado e denso é preciso possuir um sólido equipamento de
princípios, critérios, eixos, que tenham força e firmeza para medir e julgar o
movediço turbilhão de fatos e feitos que encheu os séculos.
É uma ousada tentativa
desse gênero que nos traz esse novo livro de G.C. [Gilbert K. Chesterton] que
certamente surpreenderá seu leitor habitual, e por mais forte razão aqueles
que, a respeito desse autor, descansavam nas classificações definitivas. Ao
longo de suas mil páginas, alternadas entre quadros pedidos aos historiadores e
especulações às vezes árduas pedidas a filósofos e teólogos, para maior apuro
dos princípios e dos critérios, este livro variado, ora exigente de atenção
máxima, ora remunerador com agrados do estilo e das imagens, move-se todo na
perseguição de uma estrela de Belém ou de uma idéia-luz de inspiração
agostiniana, que transparece desde o título: dois amores e duas cidades. O
mundo melhor que todos queremos depende de uma essencial opção entre dois
amores, e da capacidade que tivermos de colocar tal escolha como constelação
zodiacal do novo mundo. “Une nouvelle
chrétienté demande à naitre”, diz Charles Journet. Este livro é a
prolongada glosa dessa esperança.
Há na estrutura deste livro
uma característica que forma certo contraste com a índole personalíssima do
autor. Contra seus hábitos, o livro é carregado de citações, ou melhor, o livro
é uma conversação onde falam vários autores, às vezes longamente. Não se trata
de citações usadas para corroborar o pensamento do autor, mas de toda uma trama
de contribuições postas em forma de autêntico diálogo. Trata-se pois de um
livro escrito por uma centena de autores. É verdade que no meio das vozes
harmoniosas há aqui e ali, como no teatro, passagens inteiras de algum vilão.
No segundo volume,
sobretudo nos últimos capítulos, temos uma pungente exposição dos erros
terríveis acumulados na Civilização Ocidental Moderna, desde a Renascença e a
Reforma, e cobrados agora aos estupefatos habitantes do século XX. É nessa
parte do livro que se adensa a contribuição que Gustavo Corção nos traz nesta
obra que compendia as reflexões vividas e tantas vezes difundidas pelo autor,
em artigos, conferências e aulas, nestes últimos dez anos (1967) A conclusão se
chama Inconclusão e diz respeito às perplexidades e lutas do turvado presente.
Teremos perdido a primeira batalha? Teremos avançado através da tortuosidade
dos caminhos?
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