Autor: Pe. Leonel Franca S.J. (1893-1948)
Editora: EDIPUCRS
Assunto: Filosofia cristã
Edição: 5ª
Ano: 1999
Páginas: 277
Sinopse: Este livro foi a última obra escrita por Leonel
Franca e é não somente a mais ambiciosa doutrinariamente como também representa
uma espécie de Summa do pensamento
francano, erigida nesse terreno entre todos difícil em que o essencial da visão
cristã, na sua conceptualização filosófico-teológica, é confrontado com os aspectos
fundamentais do novo ciclo civilizatório que o Ocidente vinha cumprindo desde
alguns séculos, e que era então conhecido como mundo moderno e hoje é designado como modernidade.
A obra é esquematizada em três partes:
Livro I - A CIVILIZAÇÃO
Livro II - FORÇAS NEGATIVAS DA CIVILIZAÇÃO MODERNA
Livro III - CRISTIANIMO
E CIVILIZAÇÃO
Na primeira parte (Livro I) visa a falar sobre a civilização em que são divididos em três
capítulos:
No
primeiro capítulo fala dos sintomas da crise atual, sua natureza, a crise de
instituições e a crise de almas.
No
segundo, aborda a idéia de civilização, onde se investiga o termo, sua origem e
seu significado e os dois principais elementos da civilização: elementos
naturais (a terra e a raça) e culturais (a ciência, a arte, as técnicas, o
direito, o Estado, relações com as idéias do povo, pátria e nação).
O
terceiro fala sobre humanismo e cultura, donde a definição do termo, é visto
como princípio especificador de uma civilização.
Na segunda parte (Livro
II), trata de se compreender como se chegou a crise do mundo moderno atual.
Em outras palavras, quais foram as causas que proporcionaram a crise na civilização
moderna? Esta parte é, em simples definições, um diagnóstico de descoberta das
causas. O estudo abordado aqui é eminentemente filosófico, teológico e
histórico. Desta última ciência, a ordem dos capítulos segue conforme a
evolução, partindo desde as primeiras rupturas até os tempos atuais. Esta parte
é divida em 3 capítulos:
O primeiro visa falar sobre as primeiras rupturas. Aqui, Pe.
Franca aborda a reforma luterana e sua definição sobre as relações entre a
natureza e a graça, e os princípios da reforma protestante que ameaçariam a
unidade religiosa na Europa. Como conseqüência da reforma protestante com os
seus princípios do livre-exame, surge o individualismo religioso que viriam a
provocar rupturas mais profundas e que no decorrer da leitura foram abordados
na referida obra. Aborda também sobre a filosofia Descartes, considerado o pai
da filosofia moderna, e sua filosofia sobre o conhecimento e realidade;
espírito e matéria.
No segundo capítulo aborda sobre os fatos que aconteceram
no século XVIII e que foram frutos das rupturas anteriores. Em matéria de
religião o protestantismo havia separado Cristo e a Igreja por meio do
principio do livre exame, e assim iniciou-se o ressurgimento de diversas
seitas, e conseqüentemente neste referido século surgiu-se o Deísmo que se
alastrou em diversos países da França, Alemanha e principalmente na Inglaterra.
O Deísmo define-se que só há a chamada religião natural e que as
verdades reveladas são desprezadas. Assim são chamados os novos doutrinários
por se fundarem em Deus conhecido só pelas luzes naturais do pensamento. Neste
período nasce também o filosofismo na França, o iluminismo alemão
e o racionalismo (em destaque Kant como o filósofo que será percursor das
futuras rupturas). Assim este século, conclui Pe. Franca, é marcado pela
substituição do Evangelho pelo culto da deusa razão.
No terceiro capítulo, visa a mostrar que como
conseqüência dos fatos ocorridos no referido século XVIII tanto nos problemas
religiosos quanto filosóficos, o homem acaba se isolando a si mesmo na
realidade externa e se proclama independente com as ordens objetivas e
universais. Aqui o centro do cosmos é ele mesmo e estabelece assim a abertura
para a antropolatria fatal, conforme expõe o autor (cf. op. cit., p. 102).
Nesta parte é abordada o positivismo de Comte, o individualismo extremo de
Nietzsche e sua moral do super-homem, e por fim o coletivismo de Marx
(diametralmente oposto ao individualismo).
A segunda parte da obra do Pe. Franca, como visto, é
uma análise diagnóstica das causas da crise do mundo moderno.
A terceira parte (Livro
III) tem como finalidade mostrar o remédio necessário para os referidos
sintomas vistos anteriormente. Visto que na primeira parte o autor deixou
observado que num sentido espiritual, civilização moderna é uma antítese contra
a civilização medieval, onde o Cristianismo historicamente é reconhecido como o
modelador da referida civilização, mostra-nos também que cronologicamente não é
homogênea e que nesta civilização residem diversas “famílias espirituais (op.
cit., p. 53). Portanto Aqui o autor visa mostrar o Cristianismo como fonte de
restauração da civilização e que realmente somente ele é o remédio verdadeiro
para os problemas do mundo atual. Analisa aqui não somente o aspecto
civilizacional, visto que este termo como fora definido nas primeiras partes
desta obra é um conceito mais abrangente e que dentro deste há elementos
imprescindíveis. Então analisa a dignidade da pessoa, a filosofia, a ciência, o
trabalho e por fim a civilização. Há aqui então 5 capítulos que serão
abordados:
O primeiro a ser analisado é a dignidade da pessoa.
Aqui o autor trata de falar sobre o sentido da palavra e a idéia, na acepção
psicológica e jurídica do termo procura analisar o seu objeto, no plano
ontológico onde é definido conforme Boécio “um individuo de natureza
racional” (op. cit., p. 145), o dinamismo construtor da personalidade, o
fim do homem que se orienta para o Infinito, o Cristianismo e a personalidade
tratando a respeito do plano da fé onde o homem adere livremente a seu destino
supremo e concluindo assim a sua opção decisiva de aderir ou não a esse fim,
mesmo que moralmente seja obrigatório onde aqui a negação é de responsabilidade
própria do seu próprio ato.
No segundo capítulo visa a falar sobre o Cristianismo
e a filosofia, onde trata da importância histórica que o cristianismo
trouxe a filosofia. Começa-se neste capítulo a falar sobre o encontro que se
deu entre o cristianismo e a filosofia na história. Analisa que, mesmo com este
encontro, surgiram diversos problemas doutrinais nas relações entre ambos, onde
o autor conclui a autonomia da filosofia, pois embora a teologia é uma ciência
mais excelente e por se tratar de questões que estão acima da nossa
inteligência, por meio da filosofia podemos chegar a diversos conhecimentos que
estão concretizados na teologia. Assim, nesta autonomia de ambas as ciências
filosóficas e teológicas surgiram-se historicamente uma filosofia cristã, por
se tratar da influência que o cristianismo exerceu na civilização e na vida dos
povos, mesmo nas coisas que não estão a serviço imediato da fé, mas que se
encontram nas coisas criadas e que são propriedades da própria filosofia, que
não tem outro objeto senão a verdade. Verdade essa que em hipótese alguma fere
a liberdade de aderir a Verdade suprema em que o homem é chamado a ser elevado.
No terceiro capítulo aborda a relação do Cristianismo
e a ciência. Começa falando da relação e do suposto conflito entre ambas.
Aborda também a influência do cristianismo sobre o progresso da ciência,
citando fatos históricos onde quase unanimente os principais cientistas, mesmo
os que surgiram nos tempos modernos, foram pessoas religiosas. Por fim fala do
cristianismo e da vida interior do sábio.
No quarto, fala sobre o Cristianismo e o trabalho em
suas relações, começando a fazer um paralelo do trabalho no paganismo e a
restaurada do mesmo pelo cristianismo na história. Também fala dos desvios
modernos do trabalho na economia liberal e na utopia comunista. Por fim faz uma
síntese sobre a Filosofia cristã do trabalho.
O último capítulo é como uma conclusão dos anteriores,
visto que a civilização é o conjunto e os outros que foram abordados nesta
terceira parte são apenas os seus elementos constituintes. Começa a abordar a
distinção necessária da sociedade civil e da sociedade religiosa, onde
comparando com uma ave, se a civilização é a ave em seus complexos fundamentais
para a sua existência, o cristianismo é comparado aqui a par de asas. Desta
relação mútua entre a sociedade civil e religiosa, exalta que sendo o
Cristianismo o par de asas da civilização, esta última está a serviço do
primeiro.
Pe. Franca termina a sua obra com uma ligeira síntese
dos problemas e da solução do mundo atual, sem entrar em pormenores dos
assuntos abordados no decorrer de sua obra e expressados nesta pequena resenha.
Comentários: Terão razão os que afirmam e lamentam não haver
filósofos no Brasil? Sem dúvida, poucos entre nós se dedicaram ao estudo dos
problemas que os gregos colocavam “além da física”, isto é, para fora e para
cima do campo restrito às ciências experimentais. Nem por isso, entretanto, se
pode sustentar nossa pobreza em matéria de Filosofia. O pensamento mais alto de
um povo ou de uma nação são se mede pelo número, mas pela qualidade dos que o
professam. E filósofos, há sempre poucos a se afirmarem em cada parcela da
comunidade humana.
É interessante acentuar as etapas da elaboração
intelectual do Pe. Leonel Franca até à publicação deste livro da maturidade.
Sua vocação de filósofo vai-se afirmando ao longo de uma vida dedicada à
meditação e ao estudo pontilhada de incursões pelo terreno da polêmica a que o
levou a zelo de quem, conhecendo e possuindo a Verdade, a quer propagada e
defendida. Não lhe faltou, para fundamento e estímulo de sua especulação
filosófica, a intimidade com a ciência experimental, de que nos dão mostra seus
Apontamentos de Química Geral, Noções
de História da Filosofia é obra que enriqueceu a bibliografia, pois se coloca
entre as mais completas editadas em qualquer língua. A preparação de A crise do mundo moderno pode ser
surpreendida no monumental A Igreja, a
Reforma e a Civilização, cujos temas ressurgem numa série de outros
trabalhos, como Catolicismo e
Protestantismo, O Protestantismo no
Brasil, etc. E já na meditação de verdadeiro filósofo A Psicologia da Fé, livro admirável em que a nota pessoal se
destaca na fiel exposição da doutrina.
O próprio padre nos assinala o ambiente em que
elaborou o grande livro: recolhido a seu gabinete de estudos, quando, fora,
começava o fragor da Segunda Guerra Mundial, “ante o espetáculo trágico de
cidade que se desmoronam e do sangue que jorra em golfadas”. E a intenção do
autor era o debate de filosofias da civilização; era, mais explicitamente, “ante
a visão dantesca de tantas calamidades, concentrar-se em silêncio fecundo e
meditar, mais de espaço, sobre a filosofia da paz.”
Realizou plenamente a com absoluto êxito o seu
propósito. A crise do mundo moderno é
essa filosofia da paz, para mal nosso tão longe ainda de encarnar-se em soluções
concretas.
Sobre o autor: Um dos mais eminentes pensadores
brasileiros de todos os tempos, bem como um dos mais notáveis vultos da
verdadeira cruzada pela recristianização da Sociedade Brasileira que teve lugar
nas primeiras décadas do século XX, o Padre Leonel Franca, mais brilhante filho
espiritual de Santo Inácio de Loyola do Brasil do novecentismo, nasceu em São
Gabriel, no Rio Grande do Sul, a seis de janeiro de 1893. Filho de pais baianos
e sobrinho do Bispo Dom Antônio Macedo Costa, que, ao lado de Dom Vital,
sustentou até o fim a posição da Igreja contra a maçonaria durante a denominada
“Questão Religiosa”, no reinado de D. Pedro II, Leonel Edgard da Silveira
Franca passou os primeiros anos de sua vida na Cidade do Salvador, onde estudou
inicialmente em um pequeno colégio alemão e mais tarde no Colégio Vieira, da
Companhia de Jesus. Aos treze anos de idade foi estudar em outra instituição de
ensino pertencente aos jesuítas, o Colégio Anchieta, em Nova Friburgo, Rio de
Janeiro. Ingressou na Companhia de Jesus no ano de 1908, ordenando-se sacerdote
em 1923. Doutor em Teologia e Filosofia pela Universidade Gregoriana de Roma,
foi membro do Conselho Nacional de Educação, pertenceu ao Centro Dom Vital,
fundado em 1922 por Jackson de Figueiredo, e lecionou diversas disciplinas no
Colégio Anchieta, em Nova Friburgo, e no Colégio Santo Inácio, no Rio de
Janeiro, de que chegou a vice-reitor. “Artífice clarividente da primeira
Universidade Católica”, na expressão do Padre Henrique Vaz [1], foi o primeiro
reitor de tal instituição, que não é senão a Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro.
Falecido em 1948, o Padre Leonel
Franca não foi apenas um dos mais importantes vultos do pensamento brasileiro,
mas também um exemplo de fé, civismo e vida espiritual, bem como de coragem,
como bem demonstrou em 1942, ao desafiar o Estado Novo de Vargas, escrevendo a
Plínio Salgado, então exilado em Portugal, belíssima carta a respeito da Vida
de Jesus, obra-prima deste tão grande quanto injustiçado pensador patrício,
mestre ímpar de Cristianismo e de Brasilidade, sustentando que tal obra era “a
joia de uma literatura”.
Descrito por Dom Odilão Moura como
uma pessoa de “inteligência penetrante e nítida”, de “erudição vastíssima” e
“extraordinário poder de síntese”, que leu “quase todos os filósofos modernos”,
assimilando-lhes o pensamento e refutando-lhes os erros, o Padre Leonel Franca
filiou-se, intelectualmente, à escolástica tomista, se tornando um dos mais
abalizados discípulos brasileiros do Anjo das Escolas (Santo Tomás de Aquino).
Embora não tenha escrito “obras técnicas de filosofia”, como assinala o Padre
Henrique Vaz, o Padre Leonel Franca nos legou, segundo pondera o mesmo autor,
“páginas filosóficas de grande valor e penetração”, como muitas das páginas de
sua obra Noções de História da Filosofia - até hoje o melhor compêndio
de História da Filosofia feito no Brasil -, sem falar nas tantas páginas
imorredouras de obras como Psicologia da Fé, O problema de Deus, A
Igreja, a Reforma e a Civilização e, sobretudo, de A crise do Mundo
Moderno, obra de que trataremos nas próximas linhas.
Originalmente publicada em 1941, pela
Livraria José Olympio Editora, a obra A crise do Mundo Moderno foi
considerada pelo Padre Henrique Vaz o “mais bem sucedido ensaio brasileiro no
campo da filosofia da cultura”. Em tal obra, o Padre Leonel Franca demonstra
que o Mundo Moderno vive uma grave “crise de almas e de instituições”, sofrendo
a “civilização moderna” um “abalo profundo”, que “atormenta as consciências e
desorganiza a convivência humana, em todos os seus graus, familial, nacional,
internacional”. Vítima de um processo de “desintegração fatal” muito bem
descrito pelo autor de O problema de Deus, a “civilização moderna perdeu
a sua unidade e, com ela, o segredo da vida, da ordem e da paz”, caindo no mais
grosseiro materialismo. Isto porque não percebeu a “civilização moderna” que “a
matéria divide” e “o espírito unifica”, que “a matéria é princípio de separação
e multiplicidade”, ao passo que “o espírito eleva e universaliza”, e, por fim,
que é no equilíbrio entre o espírito e a matéria que a natureza humana encontra
o “segredo de sua expansão individual e social”.
Além e acima da profunda crise
social, econômica e política vivida pelo Mundo Moderno, há a crise do Homem, a
crise que se processa no “interior das almas”. Isto porque a “civilização
moderna” afastou Deus, destino supremo da Pessoa Humana, dos corações, o
substituindo pela “Ciência ou a Raça, o Estado ou o Partido”, o que provocou
grande “anarquia interior” a que o ínclito sacerdote jesuíta e pensador
patrício denomina a “tragédia da alma moderna”, isto é, o “desamparo angustioso
de um ser racional que perdeu o rumo de seus destinos”.
Repousa aí, pois, a “raiz profunda da
crise de civilização que nos acabrunha”, crise esta, antes e acima de tudo,
espiritual, atingindo os “fundamentos da própria vida humana, pessoal ou
coletiva”.
Proclamando-se otimista, o Padre
Leonel Franca afirma ver na crise do Mundo Moderno o limiar, “a aurora de uma
idade nova” em que os progressos técnicos e científicos integrar-se-iam na
“harmonia de uma cultura” que restituísse à “vida o seu sentido e a sua
plenitude”. E proclama, outrossim, a urgência de se restituir a esta
“civilização periclitante” as “forças interiores que asseguram a todo esforço
social a sua vitalidade”, com a consciência de que “a secularização de uma
cultura é sintoma de dissolução e prenúncio de morte” e de que somente um
“dinamismo espiritual” é capaz de salvar a vida de uma cultura e de conservar
“o equilíbrio de todos os seus elementos”.
Encerraremos o presente artigo
transcrevendo o trecho final de A crise do Mundo Moderno:
“O cristianismo tem as dimensões da
história humana. Para todas as eras e em todos os problemas Cristo é luz da
vida e os que o seguem, sal da terra. As agonias do mundo contemporâneo hão de
encontrar, numa meditação mais profunda das suas palavras que não passam, uma
resposta pacificadora. E uma cristandade nova, cuja estrutura mal nos é dado
antever, mas cujos sinais precursores repontam em toda a parte, poderá
congregar uma humanidade melhor numa fase mais elevada de sua penosa ascensão
espiritual.
“Neste momento de angústias e
ansiedades, do fundo das nossas consciências cristãs irrompe um grito d’alma
que é uma prece e um programa de ação:
Domine salva nos perimus! [“Senhor, salvai-nos, que
perecemos!”. (Victor Emanuel Vilela
Barbuy)
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