Título
original: Tonio Kroeger
Autor: Thomas Mann (1875-1955)
Tradução: Maria Deling
Editora: Abril Cultural
Assunto: Novela
Edição: s/ref.
Ano: 1971
Páginas: 174
Sinopse: Histórias despretensiosas, aparentemente sem grande relevância
perante clássicos absolutos podem porventura ser ignoradas por leitores
incautos. Foi o que me aconteceu da primeira vez que li Tônio
Kroeger, do escritor alemão Thomas Mann. Acompanhei o desenrolar da
trajetória do jovem Kroeger não esperando ver ali algo que pudesse rivalizar
com as grandes obras de Mann, como Doutor Fausto e A Montanha Mágica, mas isso me
levou a pressupor que no livro não houvesse nada além de um exercício de
narrativa qualquer, com alguns lampejos de brilhantismo aqui e ali, mas nada
mais do que isso.
Ledo engano. De fato é difícil pôr em pé de
igualdade Tônio Kroeger e
os clássicos de Mann, mas nem por isso o livro deixa de ter questões
importantes para desvendar as concepções do autor alemão sobre a existência, a
arte e o ato (e ofício) de escrever. Essa é, mais do que outras
características, a riqueza de Tônio Kroeger, a breve novela
de 1903. (Lucas Deschain).
A trama não é nada complexa: Tônio
Kroeger, filho do cônsul Kroeger e de uma mulher trazida do sul, de cabelos
negros e com aura romântica, vive alguns dos dilemas de inadaptabilidade da
juventude, que se transfiguram em sua condição perante sua sociedade e sua
individualidade no conflito entre suas pretensas obrigações disciplinares
conservadoras e os arroubos espirituais e artísticos de sua própria persona.
O
lirismo que parece lhe emanar do peito se materializa nos poemas que escreve,
em sua admiração elogiosa de Hans Hansen (colega por quem possui um afeto muito
grande) e na admiração pelo espírito fogoso de sua mãe. Ao mesmo tempo, no
entanto, Kroeger sente remorso por devotar-se a essas paixões e à arte em
geral, sentindo-se deslocado do status quo de seu tempo e de seu meio.
Esse é o dilema central da
sucinta obra, eivada dos conflitos da sociedade alemã da época de Thomas Mann.
Uma rígida moral e uma mentalidade profundamente arraigada na disciplina
existencial e no trabalho diligente grassavam a sociedade alemã do início do século
XX. A burguesia alemã consolidava, passo a passo, sua civilização e sua
hegemonia, criando, por conseguinte, condutas modelares e pressões sociais
direcionadas a diferentes escopos. Kroeger encontra-se no limiar desse mundo
burguês e a tradição intelectual e artística com a qual mantém contato através
de suas leituras e experiências. Essa dúvida o corrói o livro todo.
Sua própria origem familiar
expressa a dualidade de Kroeger: seu pai é um burguês, cônsul, inserido numa
categoria de carreira tipicamente burguesa; sua mãe, oriunda do sul (a mãe de
Mann era brasileira), é a mulher dada a exercícios espirituais, à cultura e
encarna, por conseguinte, uma visão de mundo mais livre e desregrada, ao
contrário daquela que caracteriza o mundo burguês. Tônio Kroeger é o fruto
dessa união, que nele se fundiu mas que em seu interior constantemente se
aparta.
Essa condição faz do
protagonista um sujeito ao mesmo tempo dotado de uma riqueza criativa que
extravasa o rígido e estreito caráter burguês, e atormentado por ser diferente
daqueles que em tese são seus pares. A arte e a vida burguesa, portanto, são os
dois pratos da balança. Os valores e princípios de um e outro fazem da moral de
Kroeger um bricolagem conflituoso e constantemente prestes a
cair para um dos lados dessa corda-bamba.
Sua amiga Lisavieta resume bem
o lugar que ele ocupa dentro desse ínterim: “Você é um burguês em caminhos
errados, Tônio Kroeger – um burguês errante.” (p. 48) Fala similar é proferida
pelo próprio Kroeger, em constante divagação e questionamento moral:
“Estou entre dois mundos; não
me sinto à vontade em nenhum dos dois e por isso tenho um pouco de dificuldade.
Vocês, artistas, me chamam de burguês, e os burgueses sentem-se tentados a
prender-me…não sei qual dos dois me magoa mais.” (p. 84)
A arte como redenção, como
fuga, como forma de lidar com dificuldades, como ameaça a pairar sobre sua
própria cabeça, como tormento… a arte não é um hedonismo supérfluo, mas se
entranha no espírito, desequilibrando-o, tirando-o da inércia, ainda que a custo
de sofrimento e perigo. Essa é a riqueza de Tônio Kroeger, seu tratamento
da arte, seu questionamento moral, seus dilemas, enfim, sua capacidade de nos
fazer olhar para dentro de nós mesmos e ao nosso redor, a um só tempo.
Fonte: Posfácio
Sobre o autor:
Thomas Mann
nasceu em Lübeck, norte da Alemanha, no dia 6 de junho de 1875 e teve como
berço uma tradicional família de aristocratas. Sua mãe, Julia da Silva Bruhns,
era brasileira, nascida na fazenda Boa Vista, em Angra dos Reis, e transferida
com a família para a Alemanha durante a adolescência. Com apenas 26 anos, ele
foi descoberto para o mundo através da publicação de Os Buddenbrooks, seu
segundo livro, que narra a decadência em quatro gerações de uma família
burguesa tradicional, inspirada em seu próprio clã.
Thomas Mann se
tornou vítima das contradições do seu tempo, marcado por extremos ideológicos
brutais. Para a esquerda, era um nacionalista ferrenho, que pregou a
superioridade germânica em seus primeiros livros. Para a direita - sobretudo na
época da caça às bruxas do Macarthismo nos EUA -, ganhou a pecha de comunista.
Mann nunca transitou entre os dois extremos. Foi, acima de tudo, um
anti-radical, que desprezou com todas as forças a mácula do nazismo, numa
indignação que pode ser mensurada numa frase: "Falo de nossa vergonha. A Alemanha inteira, o espírito alemão, o
pensamento alemão, a palavra alemã são atingidos por essa desonra". Faleceu
na Suíça em 1955.