sexta-feira, 18 de junho de 2010

AS SEIS DOENÇAS DO ESPÍRITO CONTEMPORÂNEO

Título original: Sase Maladie all Spiritului Conteporan
Autor: Constantin Noica
Tradução: Fernando Klabin e Elena Sburlea
Editora: Record
Assunto: Filosofia
Edição: 1ª
Ano: 1999
Páginas: 208

Sinopse: Numa época de uniformização estéril da cultura mundial, a mensagem de Constantin Noica, vindo de fora e de longe dos centros dominantes, é a voz da diferença, a voz da autêntica criatividade, tão marginal na sua proveniência geopolítica quanto central no seu significado humano e espiritual.

Comentários: Segundo José Monir Nasser, o filósofo romeno é um desses pensadores poderosos com baixo reconhecimento internacional por ter vivido na periferia intelectual do mundo, caso também do australiano David Stove e do brasileiro Olavo de Carvalho. O caso de Noica é mais específico, porque passou a vida perseguido pelo governo comunista da Romênia, que o isolou da grande conversação, na expressão de Mortimer Adler. Mesmo assim, Constantin Noica antes de morrer, conseguiu publicar seu opus magnum, “As Seis Doenças do Espírito Contemporâneo”, análise cortante que vai fundo na dissecação espiritual de nossa época. O modelo de Noica, permitindo a tipificação de seis doenças espirituais, é uma fórmula muito abrangente e útil. O Brasil, por exemplo, pode ser interpretado por vários aspectos patológicos simultâneos. O mesmo vale para nossa auto-análise.

Segundo Olavo de Carvalho, prefaciador e comentador da obra escreve que As Seis Doenças do Espírito Contemporâneo avulta como obra de maturidade, onde uma filosofia longamente meditada alcança enfim aquela expressão simples e nítida que é a marca do gênio filósofo aliado a um talento literário incomum. As Seis doenças são nada mais, nada menos que as diferentes relações que têm entre si os traços definidores de todo ser, de toda realidade existente: a individualidade, a generalidade, as determinações que situam a individualidade na generalidade. Trata-se, pois, de um tratado de ontologia. Mas, em vez de apresentá-lo à maneira carregada e cinzenta de uma tese acadêmica, Noica preferiu fazê-lo sob a alegoria de um manual de patologia médica, onde, dos padecimentos do espírito humano, a descrição sobe até a análise das limitações e deficiência do ser em geral. E como para chegar a seus diagnósticos ele toma por material de exame as obras maiores da literatura e da filosofia ocidentais, este livro se torna também, de quebra, um ensaio de filosofia da história e da cultura.

A fórmula que dá unidade ao conjunto da obra é de uma originalidade que surpreende. Há um humorismo sutil, melancólico e extravagante, na idéia de nomear os mais sublimes padecimentos do espírito com neologismos técnicos, de composição grega, que parecem diretamente extraídos de um tratado de patologia clínica. Pois é exatamente isso o que espera o leitor nas páginas deste livro.

Sobre o autor: Constantin Nóica, nascido em Vitânesti-Teleorman em 25 de julho de 1909 e falecido em Sibiu em 4 de dezembro de 1987, é tido geralmente por seus compatriotas como o mais profundo e consistente dos pensadores romenos do século XX. Se permanece ainda amplamente desconhecido fora de sua pátria, isto se deve a circunstâncias peculiares de sua vida. A Romênia é talvez o país que mais tem escritores e filósofos no exterior, escrevendo em idiomas estrangeiros ou traduzindo seus próprios livros, principalmente para o inglês e o francês, este último uma espécie de segunda língua nacional romena. A produção intelectual dos romenos alcança assim fácil difusão internacional e os nomes de Mircea Eliade, Stéphane Lupasco, Eugène Ionesco, Jean Parvulesco, Vintila Horia, C. Virgil Gheorghiu e tantos outros são familiares aos leitores cultos de qualquer parte do mundo, isto para nada dizer de E. M. Cioran, o auto-exilado que se impôs - e venceu - o desafio de tornar-se o maior prosador francês do seu tempo. Menos conhecidos são, naturalmente, os escritores que permaneceram na Romênia e só escreveram na língua natal, como Lucien Blaga, majestoso poeta-filósofo. Mas Constantin Nóica sofreu algo mais que o natural isolamento lingüístico. Condenado pelo regime comunista a seis anos de cárcere e depois à prisão domiciliar numa pequena cidade do interior, só se comunicou com o mundo durante duas décadas por meio dos fiéis discípulos e amigos que o visitavam semanalmente para receber suas lições, entre os quais os dois filósofos romenos de maior destaque na atualidade, Gabriel Liiceanu e Andrei Pleshu, o primeiro, diretor da prestigiosa Editora Humanitas, o segundo, ministro das Relações Exteriores, ambos diretores do New European College, que tem sido o principal canal de comunicação cultural entre a Romênia e o exterior. Esses encontros, dos quais Liiceanu deu um relato parcial em seu Jurnalul de la Paltini, foram compondo o painel de uma vasto sistema de educação filosófica à maneira da Academia platônica, muito acima do que o ensino acadêmico de hoje poderia conceber. Mas, além de continuar vivendo através de seus livros e das notas tomadas por seus discípulos, o ensinamento de Nóica ainda foi beneficiado por uma circunstância extraordinária, que permite prever uma irradiação ilimitada de sua influência no curso das próximas décadas. É que a Securitate, o equivalente romeno da KGB, instalou microfones ocultos no sobrado de madeira onde residia o filósofo, e, ano após ano, gravou praticamente todas as conversações dele com os discípulos. Caído o regime comunista, Liiceanu e Pleshu empenham-se agora em resgatar dos arquivos da Securitate o material que constitui certamente o mais volumoso registro de história oral da filosofia de que já se teve notícia. (Olavo de Carvalho)

sexta-feira, 4 de junho de 2010

O PATO SELVAGEM

Título original: Vildanden
Autor: Henrik Ibsen
Tradução: Vidal de Oliveira
Editora: Globo
Assunto: Drama
Edição: 1ª edição, 2ª impressão
Ano: 1960
Páginas: 630
Nota: Publicado sob o título “Seis Dramas”.

Sinopse: “O Pato Selvagem” é uma história da consciência moral que aborda tragicamente a fragilidade humana, cuja felicidade é destruída pelo fanatismo idealista da verdade absoluta. Narra o drama de Hjalmar Ekdal, um poeta frustrado que acabou como fotógrafo lamentável que vive sem o saber de onde vem o dinheiro que sustem a sua família e de seu amigo de infância, Gregers Werle, um moralista militante que assume o fanátismo pela verdade como finalidade de sua vida, destrói a mentira e arruina a vida rotineira do casal Ekdal e causa o suicídio da filha.

Interpretação da obra: A verdade liberta? Essa parece ser a questão que Ibsen coloca nesta peça que mostra um casamento feliz construído sobre uma mentira. Esta família ficaria melhor se soubesse da verdade? Ela continuaria a existir se a mentira fosse exposta?

Gregers descobre a verdade sobre a origem do casamento de um amigo de infância com a ex-governanta de sua casa. Este casamento já dura 14 anos e gerou uma filha, a encantadora Hedvig, dona do pato selvagem que produz a metáfora do título. Gregers quer resgatar o pato que fica preso no lodo do fundo do lago, uma referência à mentira. Ele é um militante moralista, narcisista e idealista da verdade que acredita ser seu dever mostrar a verdade ao amigo. Mas ele, em momento algum, mede as conseqüências de tal ato.

Existem muitas sutilezas aqui. Até que ponto Gregers quer realmente a verdade por um ideal e até que ponto deseja simplesmente se vingar do pai? Ele têm o direito de interferir na vida dos outros a este ponto?

Um leitor menos atento, pode achar que a peça é um argumento que a mentira pode ser mais saudável que a verdade, que pode trazer mais felicidade do que a verdade, contrariando a própria essência da filosofia, a busca pela sabedoria. Nada poderia ser mais falso. Ao colocar ao leitor que só existem dois caminhos, a verdade ou viver na mentira, o próprio Ibsen chama atenção que o caminho pela verdade poderia ser feito lá atrás, antes da consumação do casamento.

Mais do que isso, cabia ao próprio casal, pelo menos para Hjalmar, encontrar a verdade por si mesmo. A verdade pode ser muito mais profunda do que simplesmente saber sobre o passado da esposa ou mesmo da paternidade de Hedvig, a verdade na verdade está na natureza das pessoas. Gina pode ter errado em esconder a verdade sobre seu relacionamento com o pai de Gregers, mas o casamento em si pode ter sido edificado em uma verdade maior do que todas as contingências, o amor de um casal e o amor pela filha. Essa é a verdade que importa. Quando Gregers conta o que aconteceu a Hjalmar, ele lança uma sombra que esconde esta verdade, que Hjalmar ama sua esposa e sua filha. Gregers não revelou nenhuma verdade de fato, ele lançou uma mentira sobre os verdadeiros sentimentos de uma família que até então vivia em harmonia e feliz. Foi preciso uma tragédia para que a verdade fosse a tona novamente.

A mensagem mais importante é que ninguém, por melhor intenção que tenha, pode saber o que é melhor para o outro ou interferir em uma família da maneira que Gregers fez. O mundo está cheio de pessoas que acham seu dever resolver os problemas particulares dos outros quando na verdade deveriam estar ocupadas com suas próprias verdades. A verdade liberta sim, mas não do jeito que Gregers tentou fazer. A verdade não pode ser imposta a ninguém, deve ser encontrada por cada um.

Conclusão:

― A obrigação moral não é fiscalizar a vida dos outros. Ninguém tem esse direito ou obrigação, mas tão somente a de fiscalizar a sua própria vida.

― Só uma mente revolucionária pode pensar o contrário.