sexta-feira, 21 de maio de 2010

O TARTUFO

Título original: Le Tartuffe
Autor: Molière
Tradução: Jenny Klabin Segall
Editora: Martins Fontes
Assunto: Teatro
Edição: 1ª
Ano: 2005
Páginas: 252
Nota: Publicado juntamente com “O Misantropo”


Sinopse: Tartufo (em francês Le Tartuffe) é uma comédia de Molière, e uma das mais famosas da língua francesa em todos os tempos. Sua primeira encenação data de 1664 e foi quase que imediatamente censurada pelos devotos religiosos que, no texto, foram retratados na personagem-título como hipócritas e dissimulados.
Por meio de um diálogo de enorme sutileza e força cômica, o autor apresenta a figura de um homem sensual e lascivo que, sob a aparência de asceta virtuoso, consegue aproveitar-se da confiança de seu protetor, inclusive voltá-lo contra a família, e só é desmascarado quando tenta seduzir a dona-de-casa.

O livro todo se apresenta com uma homogeneidade perfeita de Alexandrinos de rimas ricas, conservando de Molière a graça e seus métodos de criação e as suas virtudes de autor.

Enredo:

Orgon, pessoa muito importante da sociedade parisiense, havia caído sob a influência de Tartufo, um religioso bastante hipócrita, além de ser extremamente inescrupuloso. Na verdade, os únicos que não se dão conta do verdadeiro caráter do espertalhão são Orgon e sua mãe, madame Pernelle.

Tartufo exagera em sua devoção religiosa, chegando mesmo a ser o diretor espiritual de Orgon.

Desde que o vilão passara a residir em sua casa que Orgon segue-lhe todos os conselhos, chegando ao ponto de prometer-lhe a filha em casamento, apesar de a mesma estar noiva de Valerio. A jovem Mariana fica bastante infeliz com a decisão paterna, e sua madrasta Elmira tenta desencorajar o embusteiro de suas pretensões matrimoniais. Durante este diálogo, Tartufo tenta seduzir a jovem esposa do velho Orgon, cena esta testemunhada por Damis, filho de Orgon.

Damis relata ao pai o que vira, mas este, longe de acreditar, deserda Damis e decide passar a própria casa para o nome do caloteiro – uma forma de assim forçar o casamento contra o qual todos pareciam tramar. Aumenta a tristeza de Mariana, e Elmira adia a sua assinatura do contrato feito pelo marido. Ela então propõe ao marido que, escondendo-se sob uma mesa, seja ele próprio testemunha do verdadeiro caráter de Tartufo.

Orgon concorda com o estratagema, e ante as palavras de Tartufo para sua mulher, descobre finalmente qual o verdadeiro caráter daquele hipócrita a que tanto confiara, e que sua família sempre tivera razão.

Colocando Tartufo para fora da casa, este porém impõe-se como seu novo proprietário. E Orgon dá-se conta de que depositara com o falso devoto documentos de um amigo, cuja fuga ocultara, comprometendo-o.

A mãe de Orgon vem lhe visitar. Pernelle tem ainda grande admiração por Tartufo, e não se deixa convencer sobre o real caráter dele. Surge então o Sr. Loyal, policial enviado por Tartufo, a fim de avisar que a família tem até o dia seguinte para desocupar o imóvel. Só depois disso Pernelle reconhece que ele é mesmo um caloteiro.

Enquanto a família reunida discute como safar-se daquela situação vexatória, chega Valerio, informando que Tartufo entregara ao Rei os documentos que incriminavam Orgon, e este deveria ser preso. Planejam rapidamente uma fuga, mas Tartufo reaparece, desta feita acompanhado por um policial.

Autoritário, o falso amigo expede a ordem para que Orgon seja preso. Mas este, para surpresa de todos, prende o próprio Tartufo: ele era um caloteiro conhecido, tendo já aplicado outros golpes. A doação feita é anulada, e finalmente Orgon permite o casamento de Valerio e Mariana.

Reações à obra:

A obra foi apresentada perante o Rei em maio de 1664, antes de sua estréia e numa versão inacabada, com apenas três atos. Apesar disto, conseguiu indignar os devotos, por seu conteúdo. A Companhia do Santo Sacramento utilizou de sua influência para conseguir que a obra fosse proibida: viam nela um ataque frontal à religião e aos valores que ela propugnava.
O certo é que, por trás das críticas à hipocrisia, que é o tema principal da obra, se vê um ataque ao papel demasiado influente que tinham alguns devotos que se passavam por guias espirituais, quando na verdade eram saqueadores de heranças.

Após algumas apresentações particulares, Molière tratou de representar sua obra com o título de "Panulfo, ou o Impostor", em agosto de 1667. Mas depois da primeira apresentação, o responsável pela polícia proibiu novamente a obra, com o argumento de que "não é o teatro o local para se pregar o Evangelho". O Arcebispo de Paris, Hardouin de Péréfixe, chega a ameaçar com a excomunhão todo aquele que represente ou assista tal obra, que acusa ser um violento ataque à religião.

Foi mister esperar até fevereiro de 1669 para que Louis XIV autorize a Molière a representar sua peça, que além disso recupera o título original de Tartufo.

Intenções de Molière:

Ao escrever sua obra, o autor ataca um grupo muito influente: os devotos. Entre estes se contavam homens cuja religiosidade era sincera, mas a maioria era de manipuladores conscientes do poder que poderiam obter com a falsa devoção. Foi a este segundo tipo que Molière atacou.

Mas também descreve uma rica família da alta burguesia. Orgon, uma vez tendo consolidado sua posição financeira, busca uma espécie de ligitimidade religiosa. Como todos os altos burgueses descritos por Molière, mostra uma certa ingenuidade. Exerce um tipo de ditadura sobre seus filhos. O tema do matrimônio de conveniência, algo que Molière não aceitava, também se acha nesta obra.

A peça se insere na realidade histórica com alusão à revolta da Fronda que se deslanchara em França, quinze anos antes. O Rei aparece como símbolo do bom senso.

Em torno de Orgon e Tartufo (que somente surge quando a peça está bastante avançada) aparecem outros personagens freqüentes em Molière: os jovens ingênuos e impetuosos (Damis, Mariana e Valerio), os sábios e razoáveis (Elmira e Cleanto), a serviçal com senso vulgar e linguagem curta e direta (Dorina), a velha fora do tempo e da razão (Mme. Pernelle).

Curiosidade:

Na língua portuguesa, o termo tartufo, como em outro idiomas, passou a ter a acepção de pessoa hipócrita ou falso religioso, originando ainda uma série de derivados como tartufice, tartúfico ou ainda o verbo tartuficar - significando enganar, ludibriar com atos de tartufice.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

OS DEMÔNIOS

Título original: Biêsi
Autor: Fiódor Mikháilovitch Dostoievski (1821-1881)
Tradução: Paulo Bezerra (Tradução do original russo)
Assunto: Romance
Editora: 34
Edição: 1ª
Ano: 2004
Páginas: 704

Sinopse: Os demônios é um romance essencial para compreender a mente revolucionária, a mentalidade de radicais políticos de todos os matizes e, sobretudo, para compreender uma das mais nefastas criaturas políticas de todos os tempos: o terrorista. O romance é essencial, também, para compreender o utopista ideológico ateu (Stiepan Trofímovitch Vierkhoviénski) que produz o revolucionário prático (Piotr Stiepánovitch).

Inspirado por um episódio verídico ― o assassinato do estudante I. I. Ivanov cometido na Rússia por um grupo niilista liderado por S. G. Nietcháiev em 1869 ―, Dostoiévski fez a anatomia ficcional do fanatismo ideológico, antecipando muito dos horrores dos séculos seguintes, do stalinismo ao fundamentalismo que amedronta o mundo hoje.

O livro trata, também, da redenção do homem ateu (Stiepan) que pretendeu divinizar o mundo e ao final da vida descobre Deus e reconhece que viveu uma ilusão durante toda a sua existência. É o encontro do ateu com Deus.

Este livro é recomendado a todos aqueles que desejam compreender a gênese das idéias revolucionárias e utópicas (Stiepan Trofímovitch Vierkhoviénski) até o aparecimento de um louco (Piotr) que pretende colocá-las em prática originando mais tarde os horrores do marxismo-leninista que vitimou mais de cem milhões de pessoas em todo o mundo. E por que disso? Porque a mente revolucionária dos utopistas pensa que é possível matar Deus e destruir a realidade do mundo existente para colocar em seu lugar um homem novo e um mundo novo, ambos construídos por eles.

José Monir Nasser diz que a obra é “um bisturi afiado dissecando a mente revolucionária”.

Comentários sobre o autor e sua obra: Dostoievski publicou Os demônios dez anos antes de morrer. Trata-se de um romance a fazer parte do quarteto que compõe o ápice de sua carreira. Os demônios é, de fato, uma referência inevitável no crepúsculo de uma carreira que não conheceu crepúsculo, antes, chegou ao limite no seu máximo, embora o sujeito Fiódor Mikháilovitch já sucumbisse a uma existência torturada tanto pela doença (epilepsia), quanto pelos problemas mais agudos como o vício do jogo, as dívidas altas e recorrentes, a viuvez, a morte de um filho, a prisão e a condenação à morte (da qual se salvou não sem trauma).

Falar em Dostoiévski é falar no romance bruto, no sentido mais metafórico e, simultaneamente, justo para o gênero. Seus temas, seu estilo, nervoso, fundos até a exaustão das figuras e das circunstâncias que as engolem, representam para a ficção moderna uma retomada narrativa que antes dele se dava de forma quase plana. Dostoiévski antecipa Freud, sem as explicações deste, mas com todas as doenças da alma expostas sem piedade, nas ruas, pensões, salas, quartos, salões, e até mesmo numa poltrona; sem conforto ou com conforto, seus protagonistas sofrem o dilema de carregarem o peso de si mesmos.

É de se recortar do romance (embora seja uma operação condenada à derrota esse recorte, já que o ficcionista escreve com fervor cada linha, descreve sua gente e o destino que a empurra para o precipício numa atmosfera de constante febre) a morte irrepetível de Chátov (Toda morte é irrepetível, e isso não é metafísica barata. Em Dostoiévski esta máxima, a do irrepetível, se cumpre praticamente de cinco em cinco páginas). Todos são protagonistas, tudo é protagonismo, e o cenário envolve como uma camisa-de-força os seres que cumprem à risca os papéis menos recomendáveis, como Kirillov, uma bomba ambulante, Stavróguin, aristocrata, vendo o mundo de cima e quase cuspindo nele, Piotr Stiepánovitch, que lidera a revolução que prega com a obsessão dos líderes frente aos quais nenhum argumento cala e todo adversário sabe ou saberá, bem cedo, o tamanho da sentença com que Piotr Stiepánovitch responde a qualquer contrariedade.

A dimensão política faz seu nicho e o que é clamado em nome da sociedade termina por escravizar cada homem.

Um detalhe importante. No Brasil saíram algumas traduções anteriores do livro. Muitas com o título de Os possessos. Paulo Bezerra, que traduziu o livro diretamente do russo, diz que chamar de possessos ao grupo das personagens da obra é tirar-lhes a dimensão demoníaca. E eu acrescento que não há possessão, há demonização expressa nos atos de homens que já não consideram a espiritualidade como única possibilidade humana para levá-lo a verdadeira felicidade que só pode ser encontrada em Deus. O diabo não é inimigo de Deus, porque Deus não tem inimigos. O diabo é inimigo dos homens. Portanto, é preciso combatê-lo.

Enfrentar um romance desse naipe é cair na sua realidade, é o pesadelo das atrocidades que vêm se somando com Lênin, Stálin, Mao tse-tung, Pol Pot, Fidel Castro, entre outros. E não são esses ases do terror os únicos demônios. Há outros, notadamente os que estão sendo produzidos aqui no Brasil e na América Latina.

Portanto, há demônios entre os homens e homens entre os demônios, e a aliança se faz quando os demônios intentam destronar Deus, divinizar a humanidade e criar o Brave New World.

Quando o ser humano diviniza o mundo real, o Estado e a sociedade, tudo perde o sentido. A vida de cada um de nós tem que ter um sentido e este sentido precisa ser interior e jamais exterior. Nós é que não queremos enxergar, ou, se enxergamos, onde está a força de espírito para encarar o monstro e extingui-lo em nome de uma humanidade que mereça seu nome?