sexta-feira, 23 de abril de 2010

O LEITOR

Título Original: The Reader
Gênero: Drama
Atores: Kate Winslet, Ralph Fiennes, David Kross, Bruno Ganz, Mattias Habich, Susanne Lothar, Kkaroline Herfurth, Alexandra Maria Lara, Volker Bruch, Burghart KlauBner.
Diretor: Stephen Daldry
País: Alemanha, Estados Unidos.
Ano: 2008
Duração: 123 min

Sinopse: Baseado no romance Der Vorleser, de 1995, do escritor alemão Bernhard Schlink.

Na Alemanha pós-2ª Guerra Mundial o adolescente Michael Berg (David Kross) se envolve, por acaso, com Hanna Schmitz (Kate Winslet), uma mulher que tem o dobro de sua idade. Apesar das diferenças de classe, os dois se apaixonam e vivem uma bonita história de amor. Até que um dia Hanna desaparece misteriosamente. Oito anos se passam e Berg, então um interessado estudante de Direito, se surpreende ao reencontrar seu passado de adolescente quando acompanhava um polêmico julgamento por crimes de guerra cometidos pelos nazistas.

Enredo: O filme começa em 1995, na cena em que Michael (Ralph Fiennes) prepara o café-da-manhã para uma mulher com quem passou a noite. Quando ela vai embora, Michael olha pela janela e vê um U-Bahn amarelo, fazendo-o lembrar de quando, em 1958, então com 15 anos, morando em Neustadt, passa mal durante o trajeto do U-Bahn e acaba vomitando na entrada de um prédio, sendo em seguida socorrido por Hanna Schmitz (Kate Winslet), uma trocadora que morava naquele prédio.

Em casa, Michael é diagnosticado como portador de escarlatina. O médico da família ordena que o jovem fique de cama pelos três meses seguintes. Após a recuperação, ele manifesta vontade de visitar a desconhecida que o ajudara. Os dois acabam se envolvendo e passam a ter um caso. Durante os encontros no apartamento da trocadora, o jovem passa a ler para ela obras literárias que estuda no colégio, como a Odisséia, de Homero, A Dama do Cachorrinho, de Anton Checkhov, e Huckleberry Finn, de Mark Twain. Os encontros passam, então, a ter sempre uma sessão de leitura seguida de uma relação sexual. Hanna sempre se refere a Michael como "garoto" (kid), nunca pelo nome. Um belo dia, Hanna é promovida, sendo avisada de que iria trabalhar no escritório da empresa, e subitamente desaparece sem deixar rastros.

O filme volta a mostrar Michael já adulto, seguindo a carreira de advogado, quando então volta ao ano de 1966, com Michael cursando direito na Universidade de Heidelberg. Como parte de um seminário sob o comando do Professor Rohl (Bruno Ganz), um judeu sobrevivente de um campo de concentração, Michael passa a assistir o julgamento de várias mulheres acusadas de terem deixado trezentas prisioneiras judias morrerem queimadas em uma igreja em chamas no ano de 1944, em um evento conhecido como "Marcha da Morte", ocorrido após a evacuação do campo de Auschwitz. Uma das rés é Hanna Schmitz.

Atordoado, Michael visita um campo de concentração. O julgamento divide o seminário, com um dos alunos argumentando que não havia nada a aprender com aquilo, a não ser que coisas horríveis haviam acontecido diante dos olhos de milhões de cidadãos alemães, que falharam em não agir diante dos fatos e por isso haveriam de sofrer por toda a vida.

A evidência chave do julgamento é o depoimento da sobrevivente judia Ilana Mather (Alexandra Maria Lara), que escrevera um livro contando como ela e sua mãe conseguiram sobreviver à marcha da morte. Hanna, ao contrário das outras rés, admite que Auschwitz era um campo de extermínio e que as dez mulheres que eram "selecionadas" a cada mês eram enviadas à câmara de gás. Ela nega ter sido a autora de um relatório redigido após o incêndio da igreja, apesar da pressão das demais rés, no entanto, acaba confessando a autoria quando o juiz lhe solicita uma amostra de sua caligrafia.

Michael, então, descobre o grande segredo de Hanna: ela é analfabeta funcional, tendo ocultado o fato por toda a vida. Passou a integrar a SS após ter sido promovida em um emprego anterior, o que iria lhe obrigar a revelar seu segredo. Michael revela a seu professor que possui uma informação relevante, favorável a uma das rés, mas não sabe se faz a revelação, já que a mesma havia optado por escondê-la. O professor lhe diz que, se não havia aprendido nada com o passado, então não havia necessidade de participar daquele seminário.

Hanna é condenada à prisão perpétua por seus crimes de guerra, enquanto as demais rés recebem penas menores. Nos anos posteriores, Michael se casa, tem uma filha e se divorcia. Ao rever seus livros e notas de aula dos tempos de seu caso com Hanna, resolve gravar os textos em fitas cassete e envia as fitas, junto com um tocador, para Hanna. Com o tempo, ela aprende a ler e a escrever, e passa a enviar cartas para o rapaz.

Michael nunca retorna as cartas, mas continua enviando fitas. Em 1988, uma funcionária da penitenciária (Linda Basset) telefona para Michael e pede sua ajuda: Hanna tivera um afrouxamento de pena e será libertada, mas sua transição para uma vida em sociedade poderia ser problemática. Michael encontra um lar e um emprego para ela, e finalmente a visita. No entanto, na noite anterior ao dia de liberdade, Hanna se suicida e deixa uma carta para Michael, e junto com ela uma lata com algum dinheiro.

Comentários: Muitos podem pensar que o conflito está em Hanna. Por ela ter trabalhado no campo de concentração, mas eu não creio nessa possibilidade. No filme há uma discussão sobre o fato de ela estar “apenas fazendo o seu trabalho”. Ela precisava de um emprego. Essa discussão fica para cada um. Contudo, é muito difícil imaginar o que cada um teria feito, inclusive esta é a pergunta que Hanna faz para o juiz no tribunal. Cada um pode dizer com certeza que não teria participado? Esta é uma questão complicada de ser respondida.

O mais provável que o problema maior do filme seja a vergonha. Michael sente vergonha da relação que teve com aquela mulher. Ele sabe um segredo sobre ela que pode livrá-la da condenação dela, mas ainda assim se cala. É possível, também, que o sentimento de Michael seja uma metáfora para o sentimento de todo o povo alemão: É mais fácil ignorar que aconteceu, do que realmente aceitar o fato que faz parte do seu passado.

Conclusão: O Leitor é uma história que nos levará a questionar todas as nossas mais profundas verdades. A sociedade acredita que é guiada pela moralidade, mas isto não é verdade. Trata-se da história de medos e segredos escondidos pelo tempo.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

O HOMEM REVOLTADO

Título original: L´Homme Révolté
Autor: Albert Camus.
Tradução: Valerie Rujanek
Editora: Record.
Assunto: Ensaio (Literatura estrangeira).
Edição: 6ª
Ano: 1996
Páginas: 352

Sinopse: Em outubro de 1951, deu-se a publicação de um livro que abalou a esquerda francesa. Tratava-se do ensaio de Albert Camus intitulado O Homem Revoltado, uma brilhante e literariamente bem articulada exposição sobre as mazelas da revolução através dos tempos contemporâneos, inclusive com reparos aos acontecimentos decorrentes de 1789. Entre outras coisas, a obra provocou o fim da longa amizade que Jean-Paul Sartre mantinha com ele.

Mais de 50 anos depois de sua primeira publicação, com as disputas ideológicas e os questionamentos existenciais da humanidade radicalmente deslocados de seus eixos, este livro adquire uma dimensão especial. Não e possível mais ignorar crimes contra a humanidade sejam eles quais forem seus pretextos revolucionários. A revolta não desculpa tudo. E assim que o humanismo proposto por Camus revela-se fundamental para aqueles que preferem defender os seres humanos antes de defenderem sistemas teóricos abstratos.

"A democracia não é o melhor dos regimes. É o menos mau. Experimentamos um pouco de todos os regimes e agora podemos compreender isso. Mas esse regime só pode ser concebido, realizado e sustentado por homens que saibam que não sabem tudo, que se recusem a aceitar a condição proletária e nunca se conformem com a miséria dos outros, mas que recuse, justamente, a agravá-la em nome de uma teoria ou de um messianismo cego."

Albert Camus, novembro de 1948

Comentários: O homem revoltado é todo o indivíduo que se revolta contra o mundo porque acha o mundo injusto e se rebela contra essa realidade culpando Deus pela sua condição humana trágica. Albert Camus faz a denúncia contra os crimes praticados pelos intelectuais revoltados que utilizam um projeto lógico de matança para conceber um mundo idealista e utópico. As mortes de paixão e cobiça, embora condenáveis, são da natureza humana; todavia, não se pode conceber as mortes ideológicas iniciadas com a Revolução Francesa e depois continuadas pelas revoluções que se seguiram, as quais, até 1951, assassinaram em torno de 90 milhões de seres humanos tendo por base a matança lógica alimentada por uma ideologia utópica, só porque aqueles humanos não comungavam da idéia de que o Estado é capaz de resolver a ordem estabelecida por Deus no mundo.

O Homem Revoltado é um livro que exige, depois de uma primeira leitura, uma re-leitura mais cuidadosa - os conceitos, ideologias e atitudes de tantos e diferentes homens são imensas, mais a argumentação de Camus sobre eles, torna muito difícil fazer uma síntese deste ensaio sob pena de pecar por defeito e não expressar condignamente o pensamento do autor. Nada substitui a leitura do livro.

Um pouco de Albert Camus

Nascido em 7 de Novembro de 1913, nos arredores de Mondovi (Argélia), Albert Camus viria a ficar na História como um dos maiores escritores e ensaístas de língua francesa. Tendo superado uma infância pobre e difícil, Camus logrou, ainda assim, licenciar-se em Filosofia. Não pôde, devido à doença, prosseguir uma carreira no ensino.

Com o advento da segunda guerra mundial, Camus junta-se à resistência francesa, primeiro como jornalista do jornal Combat, tendo posteriormente assumido a sua direção. É nesta época da sua vida que trava conhecimento com Jean-Paul Sartre. Prêmio Nobel da Literatura em 1956, Albert Camus viria a falecer no dia 4 de Janeiro de 1960, num acidente de automóvel (um Facel-Vega dirigido por seu editor Michel Gallimard).

Gostaria, porém para finalizar, de escrever umas linhas sobre o que esteve na origem do corte de relações entre Camus e Sartre, precisamente quando da publicação de “O Homem Revoltado”.

Esta obra, ao tratar do tema dos extermínios em massa, tocou num ponto sensível do pensamento intelectual parisiense da época. A existência de campos de concentração na URSS era conhecida como um fato, mas no círculo mais próximo de Sartre discutia-se qual a atitude a adotar em relação a esse fato. Camus deixara inequívoco que iria denunciar essas situações e condená-las, repudiando todas as considerações políticas e táticas sobre o assunto. É que, segundo os seus opositores do círculo de Sartre, era inoportuno tomar uma posição clara contra o terror Estalinista, na medida em que, para eles, a existência da União Soviética era ainda a garantia de uma desejada mudança revolucionária. Tais construções intelectuais da história, face às quais o sofrimento humano se torna secundário, são rejeitadas por Camus em nome das vítimas. Nos seus Carnets, escreve: “É fácil pensar a história, mas é difícil a todos aqueles que a sofreram no corpo compreender as suas razões”.

Depois de “O Homem Revoltado” ter sido alvo de uma crítica demolidora na revista Les Temps Modernes, dirigida por Sartre, crítica essa que termina com o anúncio da cessação de qualquer forma de comunicação por parte de Sartre, Camus escreve ainda nos seus Carnets: “Arrivistas do espírito revolucionário, novos-ricos e fariseus da justiça. Sartre, o homem e o espírito, não leal”. Em 1956, perante a sublevação popular na Hungria, pode-se ler, ainda com mais violência: “Intelectuais do progresso. Eles fazem o tricô da dialética. A cada cabeça que cai, eles apanham as malhas das reflexões rasgadas pelos fatos”.