terça-feira, 14 de julho de 2009

Vol V – IGREJA DA RENASCENÇA E DA REFORMA ( II )

Título original: L´Église de La Renaissance ET de La Reforme ( II )
Autor: Daniel-Rops (Henri Jules Charles Petiot – 1901-1965)
Tradução: Emérico da Gama
Editora: Quadrante
Assunto: Religiões-Cristianismo
Edição: 1ª
Ano: 1999
Páginas: 460

Sinopse: Este quinto volume da História da Igreja analisa o período que às vezes se chama “contra-reforma”, mas que representa muito mais do que uma mera reação ao protestantismo, uma época de autêntica renovação da alma cristã.

Como nos volumes anteriores, o autor não se limita a apresentar teses áridas ou massas de fatos. Apresenta-nos pessoas vivas em perfis biográficos de leitura agradável e entusiasmante: sorrimos com a alegria de Filipe Neri; participamos das aventuras por que passaram Teresa de Ávila e João da Cruz; admiramos o gênio estratégico de Inácio de Loyola; enchemo-nos de esperança com a figura afável de Francisco de Sales...

Sob a pena de Daniel-Rops, vemos desenrolar-se todo o panorama da Reforma católica, desde as primeiras ânsias que se traduzem em figuras heróicas de reformadores isolados até essa espécie de epopéia que foi a realização do Concílio de Trento.

Com uma honestidade à toda prova, o historiador não nos oculta nenhum aspecto doloroso das perseguições e conflitos dessa época que se chamou a “era dos fanatismos”. Mas – fato impressionante – é precisamente esta Igreja lacerada pela divisão e esmagada sob as dores de parto da Reforma que se lança num ímpeto missionário sem precedentes. Na esteira dos conquistadores e dos comerciantes, acompanhamos a atuação dos missionários que denunciam os abusos, defendem os povos escravizados e difundem por toda a parte a luz e o calor de Cristo.


“Contra-reforma? Muito pelo contrário. O grande movimento de renovação cristã que percorreu a cristandade entre 1500 e 1630 é, mais do que uma simples reação ao cisma protestante, um autêntico “renascimento” da alma cristã.

Demostra-o sobretudo a abundância de santos: de Filipe Neri a Inácio de Loyola, de Tereza de Ávila e João da Cruz ao cardeal Carlos Borromeu e ao papa Pio V, são uma infinidade de homens e mulheres impelidos pelo Espírito a reformar a Igreja, não pela revolta, mas pelo amor de Deus. Poderíamos prolongar indefinidamente a enumeração dos seus nomes: São Camilo de Lélis, São José de Calasanz, São Jerônimo Emiliano, São Caetano de Tiene, Santo Antônio Maria Zacarias, São João de Ávila, São Pedro de Alcântara...

Esse “novo fermento” que pouco a pouco levederá toda a massa cristã percebe-se já muito antes do doloroso rasgão protestante. São bispos que empreendem a reforma das suas dioceses, religiosos que renovam pouco a pouco a vida espiritual das suas Ordens, papas que recomendam, orientam e apóiam todo esse esforço que, por fim, desembocará na epopéia do Concílio de Trento.

Analisada por Daniel-Rops com equilíbrio e serenidade, a obra do Concílio revela-se monumental: todos os aspectos da vida da Igreja são renovados sem romperem o necessário vínculo de continuidade que os liga à tradição cristã, contínua e sem rupturas desde o tempo dos Apóstolos. Toda a doutrina do pecado original, da graça e dos sacramentos será reestudada a fundo e reafirmada com novas formulações, mais firmes e seguras, em resposta ao desafio lançado pelas novas heresias. A liturgia será remodelada segundo as diretrizes conciliares, a tradução da Bíblia revista à luz dos novos conhecimentos humanos, a doutrina compendiada no Catecismo Romano e depois difundida em toda a parte pelos catecismos locais de perguntas e respostas. E os abusos na disciplina do clero, combatidos com maior ou menor sucesso ao longo da Idade Média, são agora corrigidos com tanta felicidade que quase deixarão de ter peso nos séculos seguintes.

Sim, é claro: como sempre, estamos longe, muito longe, de um “mar de rosas”, da instalação do paraíso sobre a terra... A fé encontra-se mais imbricada do que nunca com a política, por causa dos antagonismos e dos tumultos sociais que o protestantismo provocou. Reis, príncipes e imperadores sentem-se no dever de defender, com maior ou menor retidão e desinteresse, a unidade moral dos seus súditos, e o resultado é esse “Cristo da pistola” denunciado pelos melhores cristãos do tempo. Perseguições de protestantes por personagens coroados bem pouco católicos na sua vida pessoal, martírios de católicos e protestantes mais radicais por reis e rainhas que pouco interesse demonstravam pelas suas Igrejas “reformadas” nacionais, tingem como matizes dolorosos essa que foi chamada a “era dos fanatismos”. Os ódios despertados em 1520 levarão ainda século e meio até se acomodarem e encontrarem um modus convivendi depois da Guerra dos Trinta Anos.

Mas a última palavra sobre este período não será pronunciada pela estreiteza e crueldade humanas, e sim pelo Espírito Santo, que insufla nessa Igreja, ainda mergulhada nas dores de parto da sua Reforma, um ímpeto missionário sem precedentes. Na esteira dos conquistadores e dos comerciantes, talvez nem sempre à altura do ideal cristão que professam, encontraremos invariavelmente o missionário, denunciando os abusos, retificando os erros, defendendo os povos escravizados ou defraudados, mas sobretudo difundindo por toda a parte a luz e o calor de Cristo. Menos de cem anos depois de Colombo, a nova fé é pregada do Canadá à Argentina. Embarcada com Vasco da Gama nas caravelas que vão para as Índias, estabelece uma firme ponta de lança entre o brâmanes com Roberto Nobili, na China com Matteo Ricci, no Japão com São Francisco Xavier, nas Molucas, nas Filipinas, no Congo e, sim, até na Etiópia monofisita e na Pérsia xiita. Se o imperador Carlos V pôde jactar-se por breves anos de que “no seu império o sol nunca se punha”, o efeito duradouro dessa enorme aventura que foi a descoberta e conquista do mundo será que, pela primeira vez na História, o santo sacrifício de Cristo unirá homens de todas as raças, cores e condições em toda a extensão do Orbis terrarum.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Vol IV– A IGREJA DA RENASCENÇA E DA REFORMA ( I )

Título original: L´Église de la Renaissance et de la Réforme (I)
Autor: Daniel-Rops (Henri Jules Charles Petiot – 1901-1965)
Tradução: Emérico da Gama
Editora: Quadrante
Assunto: Religiões-Cristianismo
Edição: 1ª
Ano: 1996
Páginas: 528

Sinopse: A agonia da Idade Média, a explosão do espírito humanístico, artistas e pensadores como Michelangelo, Leonardo da Vinci e Maquiavel... No meio desse ambiente tempestuoso não é de estranhar que surgissem revoltas religiosas e mudanças profundas lideradas por um Lutero, por um Calvino ou por um Henrique VIII.

A velha barca de Pedro já tinha atravessado muitas tormentas no decorrer do quase milênio e meio que durava a sua história, mas aquela que se avizinhava em meados do século XIV fazia pressentir que seria a pior. Os duzentos anos que vão de 1350 a 1550, sobre os quais está centrado este volume da História da Igreja de Cristo, assistiram à agonia do ideal que inspirara a Idade Média, o sonho da Cristandade, imerso agora numa tríplice crise: de autoridade, de unidade e das consciências. Não era apenas mais uma época de dificuldades: era o fim de um mundo, ainda que não o fim do mundo, e ameaçava arrastar consigo a Igreja no seu naufrágio.

Num primeiro momento, com o retorno de Gregório XI a Roma, graças aos esforços de Santa Catarina de Sena, podia-se alimentar a esperança de que o término do “exílio” do papado em Avinhão tivesse resolvido as questões mais graves. Mas já em 1378 o Grande Cisma do Ocidente dividiria as fidelidades dos cristãos entre papas e antipapas, até que, depois de quase trinta anos, o Concílio de Constança viesse a pôr fim à angústia das almas. Pouco depois, em Basiléia, seria o próprio concílio que se voltaria contra o Papa, procurando submeter o Vigário de Cristo à assembléia conciliar e diluindo a estrutura da Igreja numa pseudodemocracia autodissolvente.

A crise dos espíritos não se manifestava apenas na cabeça. A França debatia-se ainda na Guerra dos Cem Anos quando Santa Joana d’Arc polarizou pela primeira vez as aspirações de toda uma nação. Na Inglaterra e na Boêmia eclodiam entre o povo os movimentos revoltosos de Wiclef e Huss, de inspiração tanto nacionalista como religiosa. Ao mesmo tempo, a vaga turca crescia, submergindo os restos do Império Bizantino e ameaçando afogar a Cristandade inteira.

Enquanto o papado ainda firmava os pés, e no seio das turbulências políticas, borbulhando numa confusão criadora que se estendia da arquitetura às letras, das artes à astronomia, nascia o humanismo: cristão nos seus maiores representantes, como Thomas More e Erasmo de Rotterdam, mas também dotado de um inquietante caráter anticlerical e paganizante. A certa altura, com as controversas figuras dos papas da Renascença, e apesar do furor cego de um Savonarola, pôde-se chegar a pensar que a Igreja estivesse descristianizada no seu coração.

Mas o pior ainda estava por vir: dos tremendos dramas de consciência do jovem monge Martinho Lutero nasceria em 1520 o dilaceramento protestante. Confuso e hesitante no início, o movimento em breve receberia a sua estrutura teológica e a sua disciplina da férrea e glacial soberba de Calvino. Mas, dividido em mil seitas e facções, erguendo-se em sangue e fogo no anabatismo alemão e holandês, esmagado aqui e alentado ali pelas intrigas dos estados nascentes, a “reforma” logo confirmaria a verdade da frase de Péguy: “Tudo começa em mística e acaba em política”. É o cisma anglicano de Henrique VIII, a estratégia hesitante de Carlos V, as sangrentas perseguições de Eduardo VI e Maria Tudor, a ambivalente tolerância de Francisco I...

Serão tudo sombras nesse quadro? É preciso dizer que não. Se a Europa central e do norte ameaçam ruir sob os golpes combinados de turcos e protestantes, no outro extremo, sob Fernando de Aragão e Isabel de Castela, a Espanha ultima a Reconquista e, na esteira de Portugal, lança as bases da conquista e da construção de um Novo Mundo. Também não falta, nessa cristandade descarrilada e exaltada, um renascimento da piedade que propicia a descoberta da dimensão íntima da pessoa e da devoção afetuosa à Santíssima Humanidade de Cristo: a devotio moderna. E se alguns papas não souberam situar-se pessoalmente à altura das exigências do seu cargo, devemos reconhecer que nunca conspurcaram a pureza da fé e que, em muitos aspectos, desempenharam um papel histórico no qual não se pode deixar de entrever o dedo da Providência.

Por outro lado, enfrentando tragicamente a Igreja, foi o protestantismo quem a obrigou a sair do mar de lama, de facilidades e de conivências em que se atolava. Sem ele, sem o medo que suscitou, teria a Igreja empreendido a reforma autêntica, levada a cabo na fidelidade e na disciplina, cuja necessidade tantos espíritos reconheciam mas tão poucos homens de caráter ousavam realizar? Dialeticamente, foi de Wittenberg, Augsburgo e Genebra que saiu a Igreja do Concílio de Trento, confirmando com uma força até então insuspeitada as palavras de São Paulo: É preciso que haja hereges (1 Cor 11, 19). Tal é o paradoxo de uma instituição composta por homens, mas guiada pelo Espírito Santo.